Segredos da Justiça:
A prescrição das facturas da água, da luz e dos telemóveis
Por António Jorge Lopes, advogado
A Lei dos Serviços Públicos Essenciais (Lei n.º 23/96, de 26 de julho), que já foi objecto de várias alterações, criou no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de vários serviços públicos, nomeadamente quanto ao fornecimento de água, de energia eléctrica, de gás natural e de comunicações electrónicas (vulgo telemóveis e internet), bem como à recolha e tratamento de águas residuais e à gestão de resíduos sólidos urbanos.
A principal garantia que foi estabelecida para a defesa dos direitos do consumidor consta do artigo 10.º/1 da Lei dos Serviços Públicos Essenciais: “O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”.
Assim, caso a empresa prestadora do serviço não envie ao consumidor a factura pela prestação do seu serviço no mencionado prazo de seis meses, o consumidor pode legitimamente arguir a prescrição e negar-se ao pagamento do valor constante da factura.
A prescrição ocorre pelo simples decurso do prazo respetivo (neste caso, seis meses após a prestação do serviço) e tem por efeito a extinção das obrigações pelo facto de não ser exigido o seu cumprimento nas condições e lapso de tempo determinados na lei (cfr. artigo 304.º do Código Civil).
Sublinhe-se que, em regra, as prescrições são extintivas, ou seja, o mero decurso do prazo extingue o direito, sendo que a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente, de acordo com o disposto no artigo 323.º/1 do Código Civil.
A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido, sendo certo que o reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam (cfr. artigo 325.º/1 e 2 do Código Civil).
O facto do direito ao recebimento do preço do serviço prestado ter prescrito não significa que os juros devidos também tenham prescrito. Na verdade, a extinção do crédito do preço pelo serviço prestado por prescrição não implica a extinção do crédito dos juros de mora vencidos até à referida extinção, porquanto os juros convencionais ou legais prescrevem no prazo de cinco anos nos termos do artigo 310.º/d) do Código Civil.
Portanto, como mera hipotése, seria possível à empresa prestadora de serviços não receber o preço por causa da prescrição mas mesmo assim demandar o consumidor pelos juros de mora devidos, uma vez que o prazo de prescrição destes é superior aos seis meses definidos no artigo 10.º/1 da Lei dos Serviços Públicos Essenciais.
É também por causa deste tipo de hipóteses que o artigo 10.º/4 da mencionada lei estabelece uma outra garantia para a salvaguarda dos direitos do consumidor: “O prazo para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos”.
Ou seja, não obstante o prazo de prescrição pelos juros devidos ser superior, esta norma estabelece a caducidade do direito de acção por parte da empresa prestadora de serviços caso esta não accione judicialmente o consumidor no prazo de seis meses a contar da prestação do serviço (e aqui o prazo corre em simultâneo com o prazo definido no n.º 1) ou do pagamento inicial (situação em que parte ou o todo do capital devido foi pago e ainda se encontra em dívida o remanescente do capital e ou os juros de mora devidos).
Apesar da dimensão (e das muitas artimanhas) das empresas abrangidas pela Lei dos Serviços Públicos Essenciais, a minha experiência profissional permite-me afirmar que o consumidor não está totalmente desprotegido e que consegue fazer valer com sucesso os seus direitos, nomeadamente através das duas garantias analisadas - prescrição e caducidade do direito de ação.
16-08-2015
22:37
A prescrição das facturas da água, da luz e dos telemóveis
Por António Jorge Lopes, advogado
A Lei dos Serviços Públicos Essenciais (Lei n.º 23/96, de 26 de julho), que já foi objecto de várias alterações, criou no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de vários serviços públicos, nomeadamente quanto ao fornecimento de água, de energia eléctrica, de gás natural e de comunicações electrónicas (vulgo telemóveis e internet), bem como à recolha e tratamento de águas residuais e à gestão de resíduos sólidos urbanos.
A principal garantia que foi estabelecida para a defesa dos direitos do consumidor consta do artigo 10.º/1 da Lei dos Serviços Públicos Essenciais: “O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”.
Assim, caso a empresa prestadora do serviço não envie ao consumidor a factura pela prestação do seu serviço no mencionado prazo de seis meses, o consumidor pode legitimamente arguir a prescrição e negar-se ao pagamento do valor constante da factura.
A prescrição ocorre pelo simples decurso do prazo respetivo (neste caso, seis meses após a prestação do serviço) e tem por efeito a extinção das obrigações pelo facto de não ser exigido o seu cumprimento nas condições e lapso de tempo determinados na lei (cfr. artigo 304.º do Código Civil).
Sublinhe-se que, em regra, as prescrições são extintivas, ou seja, o mero decurso do prazo extingue o direito, sendo que a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente, de acordo com o disposto no artigo 323.º/1 do Código Civil.
A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respetivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido, sendo certo que o reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam (cfr. artigo 325.º/1 e 2 do Código Civil).
O facto do direito ao recebimento do preço do serviço prestado ter prescrito não significa que os juros devidos também tenham prescrito. Na verdade, a extinção do crédito do preço pelo serviço prestado por prescrição não implica a extinção do crédito dos juros de mora vencidos até à referida extinção, porquanto os juros convencionais ou legais prescrevem no prazo de cinco anos nos termos do artigo 310.º/d) do Código Civil.
Portanto, como mera hipotése, seria possível à empresa prestadora de serviços não receber o preço por causa da prescrição mas mesmo assim demandar o consumidor pelos juros de mora devidos, uma vez que o prazo de prescrição destes é superior aos seis meses definidos no artigo 10.º/1 da Lei dos Serviços Públicos Essenciais.
É também por causa deste tipo de hipóteses que o artigo 10.º/4 da mencionada lei estabelece uma outra garantia para a salvaguarda dos direitos do consumidor: “O prazo para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos”.
Ou seja, não obstante o prazo de prescrição pelos juros devidos ser superior, esta norma estabelece a caducidade do direito de acção por parte da empresa prestadora de serviços caso esta não accione judicialmente o consumidor no prazo de seis meses a contar da prestação do serviço (e aqui o prazo corre em simultâneo com o prazo definido no n.º 1) ou do pagamento inicial (situação em que parte ou o todo do capital devido foi pago e ainda se encontra em dívida o remanescente do capital e ou os juros de mora devidos).
Apesar da dimensão (e das muitas artimanhas) das empresas abrangidas pela Lei dos Serviços Públicos Essenciais, a minha experiência profissional permite-me afirmar que o consumidor não está totalmente desprotegido e que consegue fazer valer com sucesso os seus direitos, nomeadamente através das duas garantias analisadas - prescrição e caducidade do direito de ação.
16-08-2015
22:37
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