Alenquer: Igreja da Várzea com museu no final de 2016
Projeto de meio milhão de euros
Sílvia Agostinho 11-01-2016 às 15:36
Vereador da Cultura mostra um dos locais que teve de ser preservado
As obras na Igreja da Várzea em Alenquer, conhecida por ter sido o local que serviu de túmulo até 1941 ao humanista Damião de Goes (transladado depois disso para a vizinha Igreja de São Pedro), caminha a passos largos para o seu términus que deverá ocorrer no último trimestre do ano que vem. O espaço exterior e interior tem vindo a ser recuperado, com o levantamento ao mesmo tempo das ossadas existentes, dado ter sido aquele um local que também serviu para sepultamentos.
A Igreja de Santa Maria da Várzea vai albergar o Museu Damião de Goes e das Vítimas da Inquisição, o primeiro no país que dedica um espaço àqueles mártires. Alenquer foi conhecida no século XV por ter uma importante judiaria, com muitos artesãos de origem judaica a residir nas proximidades da igreja. Muitos viriam também a falecer vítimas da Inquisição. Neste âmbito, o município faz parte da rede de judiarias que por sua vez recebe o apoio do governo da Noruega e do fundo criado por este país em conjunto com o Liechenstein, e a Islândia tendo em vista o financiamento de projetos em países da União Europeia, através dos protocolos de cooperação existentes com a U.E.
Rui Costa, vice-presidente do município, refere que espera que a obra esteja pronta no último trimestre do ano que vem, e salienta a rapidez que o processo tem conhecido sobretudo por parte da Direção Geral do Património Cultural que tem procurado também acelerar as questões relativas ao levantamento das ossadas. Desde que as obras começaram que importantes registos arquitetónicos tiveram de ser respeitados, e Rui Costa dá conta que houve, por exemplo, a necessidade de preservação de uma pedra tumular, que obrigou à adaptação de uma casa de banho existente, por imperativos de manutenção daquele registo histórico. Por outro lado, “na zona onde está instalado todo o equipamento técnico, tivemos de mudar os quadros da parede onde estavam projetados, por via de se ter encontrado uma pia batismal quando se picaram as paredes”, acrescenta.
Este é o projeto da rede de judiarias em Portugal com um preço superior, e cuja intervenção será em maior escala. Inicialmente tinha um custo previsto de 330 mil euros, mas vai chegar aos 520 mil euros, financiados em 15 por cento pela Câmara e em 15 por cento pelo Governo. O EEA financiará os restantes 70 por cento. “Algumas autarquias tiveram de abdicar dos seus projetos ao abrigo da lei dos compromissos, o que nos permitiu ficar com mais verbas, e apostar por conseguinte na componente da musealização”.
O autarca lamenta, contudo, que não se saiba ainda mais sobre a história deste edifício, pois muito foi-se perdendo, mas adianta que aquando da inauguração das obras será também editado, ao mesmo tempo, um livro contendo informação acerca do trabalho de arqueologia e paleontologia levado a cabo nesta fase. As primeiras fundações da igreja vêm desde a Idade Média, mas a data original do monumento é de finais do século XIX.
Tendo em conta também que se trata do único museu que prestará homenagem às vítimas da Inquisição, um dos tempos mais importantes da história do país, Alenquer está a desenvolver “esforços no sentido de corresponder a esse desafio, reunindo toda a informação possível”, destaca. “É algo de grande envergadura”. A experiência de ser criada uma casa museu em honra de Damião de Goes também tem criado expetativa entre diretores de museus, “ e tenho a certeza de que muito facilmente teremos aqui muitas peças que vão dar alguma unidade a esse projeto”.
Os ossos de Damião de Goes, considerado o alenquerense mais importante de todos os tempos, poderão retornar à igreja que o próprio preparou para o receber após a sua morte, apesar de um estudo desenvolvido há alguns anos ter aferido que os restos mortais encontrados não seriam do grande humanista tendo em conta os registos que falam da forma como morreu, e o que se conhecia da figura à época.
O vereador da Cultura prefere acreditar que há restos de Damião de Goes e quanto ao seu regresso à Várzea, refere que é algo que ainda não está em cima da mesa, “mas que faria todo o sentido”, constata, e confidencia uma conversa que Mariano Gago, entretanto falecido, teve com a Câmara a propósito de Damião de Goes- “ O professor estava a preparar um trabalho sobre o nosso humanista e disse que só daqui a um ou dois séculos é que a humanidade ia ter a capacidade de compreender o pensamento de Damião de Goes”. Uma frase “que diz muito” e que não é alheia ao facto de esta personalidade ainda ser um pouco desconhecida no nosso país “mas reconhecida em todo o mundo, como sendo um dos grandes pensadores da sua época”.
Cenário para o primeiro estudo de paleoparasitologia em Portugal Os ossos dos antepassados sepultados na Igreja da Várzea também vão servir para que pela primeira vez em Portugal se faça um trabalho em gabinete destinado a saber que parasitas habitavam esses corpos. A paleoparasitogia é uma área recente, braço da bioantropologia, sobre a qual ainda não existem muitos estudos. Raquel Raposo, arqueólogo alenquerense, que está a trabalhar no terreno refere que foram detetados seis enterramentos no espaço exterior da igreja, que remontam aos séculos XVIII e XIX. “Por exemplo, hoje em dia muitas crianças têm piolhos, com as ferramentas que vamos utilizar conseguiremos saber que parasitas afetavam estas pessoas, que possivelmente os possuíam em larga escala”. Depois de recolhidos os elementos, será compilada uma publicação através da Universidade de Coimbra.