Anghel Ivanof: O canoísta que veio de Leste para Alhandra
Para o antigo atleta, Portugal tem neste momento a melhor seleção de sempre na canoagem
Sílvia Agostinho
03-10-2016 às 16:31 Veio para Portugal em 1993, com 20 anos, de forma mais ou menos clandestina e estabeleceu-se em Alhandra, onde durante vários anos treinou os jovens da secção de canoagem do Alhandra Sporting Club. Para trás ficou uma carreira como um dos principais canoístas do seu país, a Roménia, e um futuro promissor na modalidade, interrompido quando não foi chamado à seleção principal que disputou os Jogos Olímpicos de Barcelona, 1992, e decidiu abandonar o barco e tentar prosseguir a carreira noutro país. Para trás ficaram anos dourados na modalidade, quando a Roménia de Ceausescu aclamava os seus atletas heróis, e Anghel Ivanof foi um deles.
Desde os treze anos que percorreu as diversas camadas da modalidade na Roménia. Andava sempre em estágio, e conseguia ter acesso a condições que dificilmente poderiam ser ambicionadas pela população, tendo em conta que estagiava nos melhores hotéis, e havia aulas concebidas de propósito para os atletas. A ascensão de Nadia Comaneci e a forma como o governo comunista de Ceausescu fabricava ídolos a partir dos seus atletas para aumentar o nível de propaganda foi em parte também experimentada por Ivanof, apesar de ser ainda muito jovem, e tendo em conta que o ditador foi deposto em 1989. O antigo atleta foi vice-campeão do mundo em juniores em 1991. “Usavam muito os desportistas para limpar a imagem da Roménia para fora do país, e isso de facto acontecia”. Contudo Ivanof não se dava conta na totalidade desse aproveitamento, até porque “conseguir ser atleta era um privilégio”. “No meu caso tive acesso a condições que de outra forma não teria, porque a minha família tinha fracos recursos, embora nunca tivesse passado fome, sabia o que era viver com dificuldades, e nos estágios possuíamos todas as condições”. O seu caso é o de alguém que vivia uma espécie de vida idílica, “onde não faltava nada”. “Pode parecer estranho, mas podíamos comer carne e sobremesa todos os dias, e isso não era assim no país”. A restante população “ tinha de lidar com a restrição de acesso aos bens de consumo, em que havia filas para tudo, e a fome imperava, o que levou o povo à rua e ditou mais tarde o fim da ditadura”. “O Governo queria pagar as dívidas todas, mas à custa do sofrimento do povo”, lembra-se. Por outro lado, “todos tinham de trabalhar e produzir para o país, lembro-me de o regime ter ido a casa de um vizinho meu, e o terem obrigado a ir para uma fábrica, e quando ele desistiu de trabalhar lá, até porque era um bocado hippie, foram de novo buscá-lo”. Quando representava as cores do país, pesava a responsabilidade de poder ter tido acesso a um mundo diferente do dos seus conterrâneos: “Consegui viver fora de uma vida medíocre, houve investimento em mim, e tive acesso a coisas diferentes como viajar para fora do meu país. O meu nome começou a aparecer nos jornais, e sentia que tinha de corresponder da melhor maneira”. Como tal só “podia amar a bandeira e as cores da Roménia”, e esse amor “era correspondido pelas pessoas que adoravam as modalidades para além do futebol”. Quando regressava a casa dos pais nas férias, “ia com o fato de treino da seleção vestido porque tinha orgulho nisso”. Desolado por ter ficado como suplente não utilizado nos Jogos Olímpicos de Barcelona, decide mudar o rumo dos acontecimentos, e apanha uma regata internacional da modalidade para tentar mudar de país, “porque o Dínamo de Bucareste tentou meter os seus atletas todos na seleção olímpica, e eu fiquei para trás mesmo sendo vice-campeão mundial”. Chegou a Espanha para competir, e veio à boleia com portugueses ligados à canoagem, em 93. “Na altura, já não havia fronteiras e foi fácil passar por cá”. Chegou a Alhandra, e não saiu mais desta localidade. “Graças ao Vítor Felix, hoje presidente da federação, vim para cá, pois foi ele que me trouxe”. Para trás, “ficava uma vida de sonho em que tinha acesso a tudo, foi muito difícil a adaptação, pois passei a viver num quarto alugado”. Habituado a treinar teve de arranjar trabalho, o que conseguiu no mundo da canoagem, como monitor. A carreira como canoísta ficou progressivamente para trás, até porque foi muito difícil obter a nacionalidade portuguesa. O facto de ter encontrado amigos em Alhandra foi a única razão para não ter voltado ainda em 93 para a Roménia. “Fui ficando”. Na federação prometiam-lhe entrada e a ida aos Jogos Olímpicos de Atlanta, mas como a nacionalidade tardava, acabou por desistir. “Nesse aspeto não foram muito corretos comigo, e durante muitos anos isso custou-me muito porque queria ser campeão olímpico. Nunca fui aos Jogos Olímpicos.” Para Anghel Ivanof, “temos neste momento a melhor seleção nacional de sempre e de longe na canoagem, apenas temos de trabalhar mais e melhor, e falar menos”, refere sem papas na língua quando lhe pedimos um comentário à participação lusa nos últimos jogos olímpicos. Hoje, Anghel Ivanof gere uma empresa que produz selins em fibra de vidro e carbono para bicicletas, e lemes no mesmo material para os barcos de canoagem. Um negócio que tem vindo a crescer, porquanto é o único fabricante em Portugal deste tipo de selins, e o conceito para a canoagem é único em todo o mundo. Está a ser comercializado, e ultimamente testado por um dos principais nomes a nível mundial. “O leme do barco é diferente do da Nelo, por exemplo, porque reconstitui a forma da barbatana do espadarte que é só o peixe mais rápido do mundo. A física diz-nos que esse tipo de configuração ajuda a que o barco ganhe velocidade. Muitos atletas estão maravilhados com a minha invenção”. Mas ainda neste âmbito, a empresa de Anghel, com o nome de Gelu (diminutivo que a família lhe chamava em criança), inventou também um leme para as provas de canoagem mais longas, as ditas maratonas, e aqui foi buscar a forma da barbatana da fataça, o peixe mais lento. A criatividade mais uma vez deu certo, e a receção também está a ser das melhores.
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