Bombeiros da região foram heróis no filme dos incêndios
Partiram para o norte e para a Madeira corpos de bombeiros de Azambuja, Alcoentre, Póvoa de Santa Iria, Arruda dos Vinhos e Vila Franca de Xira.
Miguel António Rodrigues
25-08-2016 às 15:55 Os meses de julho e agosto foram dos mais quentes dos últimos anos. Isso só aumenta o risco de fogos, tanto nas matas como em meio urbano. No geral e na região do Ribatejo, não existiram grandes sustos, com a exceção do fogo que assolou a freguesia de Glória do Ribatejo, em Salvaterra de Magos, no passado dia 19 de agosto.
Todavia, os fogos que devastaram o norte do país e a região autónoma da Madeira geraram também uma onda de solidariedade entre as populações e os seus corpos de bombeiros, que se deslocaram de vários concelhos, alguns muito distantes dos locais onde decorriam os fogos, para ajudar no combate às chamas. Da região, e apenas a título de exemplo, partiram para o norte e para a Madeira corpos de bombeiros de Azambuja, Alcoentre, Póvoa de Santa Iria, Arruda dos Vinhos e Vila Franca de Xira. Todos com o propósito de ajudar no combate às chamas deram o seu melhor para que o fogo fosse dominado minimizando o risco de perda de vidas humanas ou materiais, o que em alguns casos não foi possível. A situação atípica deste verão gerou também uma onda de solidariedade. Se noutros anos as populações já auxiliavam os seus bombeiros com algum tipo de bebidas nestas horas mais complicadas, este ano a onda de solidariedade ficou bem maior e ganhou mais mediatismo com a entrega de águas por um casal a centenas de automobilistas que aguardavam a reabertura de uma autoestrada no norte do país. Pela região é difícil de contabilizar a entrega de paletes de águas aos soldados da paz. Sabe-se por exemplo que os bombeiros de Benavente já lutam com a falta de espaço para armazenar os donativos feitos pelos populares, mas não são caso único. Em Vila Franca de Xira, foram às dezenas as entregas de águas por parte da população e de empresas, passando-se o mesmo em Póvoa de Santa Iria, Salvaterra e Alenquer. Em Azambuja, um popular decidiu também dar o seu contributo. Mário Viana ficou sensibilizado e ofereceu também ele uma palete de águas aos bombeiros de Azambuja, declarando ao Valor Local que depois de entregar 1100 garrafas de água apelou nas redes sociais para que outros fizessem o mesmo, algo que veio a acontecer e que deixou este habitante de Azambuja “bastante satisfeito”. Aliás um pouco por toda a parte várias instituições, particulares, e empresas auxiliaram nos momentos mais difíceis Neste leque está por exemplo a delegação da Cruz Vermelha de Aveiras de Cima que “aliviou” os bombeiros da região assegurando o transporte de doentes não urgentes. Ao todo fez quase oitenta serviços, libertando os soldados da paz para a batalha dos fogos. Para além disto e aproveitando a sua localização estratégica a meio do concelho de Azambuja, a delegação fez ainda de ponto de recolha de donativos, nomeadamente, águas, distribuindo essas garrafas depois pelas corporações de Azambuja e até do Cartaxo. Corporações do Ribatejo combatem fogos no Norte e na Região da Madeira
Azambuja e Alcoentre foram apenas dois dos muitos corpos de bombeiros que se envolveram no combate às chamas este verão que ainda não acabou. As temperaturas altas e o vento forte aliados à falta de limpeza das matas foram apenas o rastilho para toda a situação já sobejamente conhecida. Pedro Botas, bombeiro de segunda dos voluntários de Azambuja, descreveu os cenários onde esteve como angustiantes. Neste Verão, Pedro Botas, 28 anos, e a equipa que partiu de Azambuja rumaram ao norte do país. Ponte de Lima, Caminha, Sever do Vouga e Vila Meã foram os destinos deste grupo integrado noutro grupo de Lisboa. Pedro Botas refere que o cenário mais complicado foi em Sever do Vouga – Albergaria-a-Velha. Explica que quando a equipa chegou “havia três frentes de fogo distintas e já com dois ou três quilómetros”. “O fogo estava completamente descontrolado”, refere. O cenário não era muito diferente do que já tinha presenciado, todavia com casas em perigo e as populações aflitas o empenho teve de ser mais do que redobrado. Pedro Botas diz que conseguiram salvar as casas e refere que embora a prioridade tivesse sido apagar o fogo, foi necessário haver alguma sensibilidade, pois “ é preferível deixar arder um ou dois pinheiros e salvar as habitações das famílias” vinca. Ao todo foram três dias no combate às chamas sem vir a casa. Pedro Botas refere que muitas das vezes nem sequer existem locais para dormir. Aliás diz mesmo que nunca conseguiu descansar. “Vai-se dormindo, pois temos sempre aquela adrenalina de que a qualquer momento seremos acordados”. Todavia e desta vez assegura que a equipa de cinco elementos que partiu de Azambuja rumo ao norte ainda conseguiu pernoitar em algumas residenciais. Mas nem sempre costuma ser assim, já que é hábito ficarem junto aos carros de combate a incêndios. Pedro Botas refere que estes incêndios se propagaram de uma forma inexplicável por causa da falta de limpeza das matas. Conta que “havia alturas em que estávamos a tentar apagar o fogo com água, mas mais parecia que andávamos a regar com gasolina, tal era a manta de folhas velhas e lixo no terreno”. Houve, segundo o bombeiro, momentos de mais aflição, nomeadamente, quando a determinada altura tiveram de se retirar da limpeza de um local, pois o fogo aproximava-se muito depressa. “Mas pior foi quando um grupo de bombeiros de Azambuja ficou cercado pelas chamas”, refere Pedro Botas resignado. “Faz parte”. Já Rui Garcia, bombeiro de Alcoentre, fez parte de uma equipa que ajudou no combate às chamas na ilha da Madeira. Com 40 anos de idade e 25 de bombeiro, esta foi a sua primeira experiência fora do continente. Foi difícil, tendo em conta as condições do terreno e até do próprio combate em si.
Ao todo foram cinco dias fora de casa e três dias de combate intenso ao fogo, sempre com material sapador e na frente das chamas. Rui Garcia salienta que foi algo importante, vincando igualmente que nunca faltou água ou refeições aos bombeiros. Durante os dias em que esteve no combate às chamas, o bombeiro diz ter tido pouco contacto com os populares, apesar de ter estado no Funchal, na Calheta e em Santa Cruz. Sentiu-se angustiado com a situação vivida na ilha, sobretudo tendo em conta que muitas pessoas perderam as suas casas. A ida para a ilha fez-se em voos militares. Rui Garcia foi o único bombeiro de Alcoentre e conseguiu ir “matando as saudades da família através do telefone”. Foram cinco dias de muito trabalho “braçal” já que o trabalho de sapador se faz com ancinhos, enxadas e pás. Tudo de forma manual e com 20 litros de água às costas só para as primeiras impressões. As noites foram passadas no quartel do exército, o RG3. O cenário, conta Rui Garcia, indiciava quase uma guerra: “As camaratas dos militares estavam transformadas em enfermarias, os hospitais foram evacuados. Quando recebemos a missão tentámos fazer o nosso melhor”. Foram dias difíceis, e só quem está no terreno é que sabe. Rui Garcia conta que entre os bombeiros, estes também se questionavam sobre a “falta de meios aéreos”, sobretudo em alguns locais onde podiam fazer a diferença. Ao nível de comando na Madeira, a estratégia “é diferente da do continente”, mas Rui não refere se é melhor ou pior do que cá. “Penso que têm de melhorar muitos aspetos no meu ponto de vista”, referindo ter a perceção de que a dada altura os bombeiros do Funchal “entraram em modo de exaustão e ficaram completamente desgastados.” Ao Valor Local, o bombeiro que agradeceu à população da Madeira pelo carinho e ajuda aos soldados da paz, lamentou o facto de muitos terem pensado que teria estado de férias na Madeira: “Chegaram a perguntar se as férias tinham sido boas. Eu disse que não. Foi mesmo trabalho de manhã à noite”, e sem arrependimentos Rui Garcia salienta: “Se acontecer outra oportunidade certamente que irei de novo”.
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