Cheias de 1967 dão origem a livro sobre a noite da tragédiaAo longo dos dois anos, Alberto Santos socorreu-se da imprensa local e nacional mas mais especificamente em documentação oficial da Câmara de Alenquer com dados preciosos para este estudo
Sílvia Agostinho
04-01-2018 às 17:13 “A Noite mais Longa- história e memória da cheia de 25-26 de Novembro de 1967” é o nome de um livro escrito por Alberto Santos, José Leitão Lourenço e Raquel Raposo, editado recentemente por ocasião dos 50 anos do acontecimento que vitimou 46 pessoas no concelho de Alenquer. Alberto Santos, presidente da Alenculta, refere ao Valor Local que se começou a pensar em escrever esta obra há dois anos, porque “a data é marcante tendo em conta a relação das pessoas de Alenquer com o rio”, espelhada à posteriori na construção do presépio na encosta da vila.
Ao longo dos dois anos o estudioso socorreu-se da imprensa local e nacional mas mais especificamente incidiu-se em documentação oficial da Câmara à época com dados preciosos para este estudo que coloca a catástrofe em perspetiva. “Foi um trabalho árduo porque essas pastas com esses documentos estavam nos estaleiros da autarquia, na Barnabé”. Estava por fazer esse inventário dos documentos que nesta altura já podem ser consultados na biblioteca municipal. Foi sobre esta documentação que o trabalho se incidiu. Armando Calado, à época chefe da polícia em Alenquer, foi quem produziu o documento, com a data de fevereiro de 1968, com a lista de vítimas da tragédia, e que Alberto Santos refere ser esta uma “listagem rigorosa com correções de dados e de listagens anteriores”. A lista indicava o nome, o sexo, o local onde o corpo foi encontrado e onde permanecia sepultado. Um dos principais objetivos foi o de trazer a lume o número correto de vítimas da tragédia, “com os nomes das mesmas porque toda a gente merece ter uma identidade” sublinha. Alberto Santos assegura que até à data ainda ninguém desmentiu o número encontrado pela Alenculta de 46 mortos mais uma criança de 18 meses desaparecida. Para isso contribuiu não apenas a lista de Armando Calado mas também os dados fornecidos pelas conservatórias, bem como os da imprensa e igualmente o testemunho de pessoas ainda vivas, “o que nos permitiu corrigir, cruzar e afinar a estatística final”. O critério não obedeceu a outro que não o de se ter morrido no concelho, sem se atender à naturalidade ou proveniência de cada um. “Mas hoje também sabemos que 70 pessoas naturais de Alenquer morreram noutros concelhos como em Quintas, Vila Franca de Xira, bem como Loures e Alhandra”. A obra lançada compõem-se de várias partes: o enquadramento histórico, a listagem das cheias mais importantes que houve em Portugal e Alenquer, a descrição da vila como era nos anos 60 para se enquadrar a noite da cheia naquele fim-de-semana, e o entendimento da intempérie como fenómeno climático. Alberto Santos considera a obra da Alenculta “pioneira ao permitir um retrato histórico-social objetivo sem influências políticas do Estado Novo ao contrário de outras obras editadas à época”. Nas pastas da Câmara o autor teve ainda acesso “à descrição dos prejuízos por setor de atividade, e ao valor que lhes foi atribuído para fazer face aos estragos”. As cheias de 1967 provocaram um prejuízo total no concelho, segundo o que apurou, de 50 mil contos, o que “hoje seriam 22 milhões de euros”. No capítulo da reconstrução e numa comparação com o cataclismo dos incêndios de 2017, o autor acredita que para a época e estando o país a viver na ditadura, os apoios foram mais céleres e mais eficazes – “O mecanismo utilizado foi igual ao dos incêndios de Pedrógão e do centro do país, ou seja as pessoas fazem face aos estragos até cinco mil euros, apresentam a documentação às Câmaras que depois pagam e recebem os subsídios do Governo central distribuindo à posteriori aos lesados.” No caso de Pedrógão, o hiato de tempo foi superior: demoraram quatro meses para se resolver o que se vai fazer. No caso da cheias, quatro meses depois já estavam a fazer pagamentos. Neste livro estão ainda espelhados relatos de quem viveu esta experiência dramática nomeadamente os pais do bebé de 18 meses que hoje vive em Arruda dos Vinhos, cujo corpo nunca foi encontrado, sublinhando que aquelas pessoas bem como todas as outras que perderam família e amigos nas cheias ainda precisam de apoio psicológico, algo que na altura do acontecimento. O estudioso traça desde já o seu próximo objetivo: poder ter acesso aos documentos enviados pela Câmara de Alenquer ao Governo Civil de Lisboa que deverão estar acessíveis em breve na Torre do Tombo. ComentáriosSeja o primeiro a comentar...
|
Pub
|
Leia também
Guerra Colonial RevisitadaPassaram 56 anos desde que os primeiros soldados portugueses rumaram à Guerra de África que hoje entrou quase no imaginário popular, mas há episódios bem vivos e que marcaram para sempre os homens com quem falámos
|
Dias Felizes para doentes de Alzheimer sempre que a música tocaA forma como se encara esta doença, as estratégias que vão sendo aplicadas pelas instituições, a resposta das entidades hospitalares nesta reportagem
|
A Saga das pecuárias poluidorasDuas suiniculturas que laboram nas freguesias da Ventosa e de Abrigada permanecem a produzir quando já poderiam estar encerradas
|