A Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Salvaterra de Magos deu a conhecer, no final de setembro, o seu diagnóstico social “Proteção em Rede/Compromisso com Sentido”, e segundo Catarina Vaz, presidente da CPCJ local, ao Valor Local, entre outras realidades identificadas, foi possível descortinar que há um número preocupante de crianças abaixo dos 10 anos com “consumos frequentes” de bebidas alcoólicas. A responsável identifica que se trata de uma realidade pertinente neste concelho. “Julgávamos que os consumos estavam sobretudo relacionados com a cannabis em algumas idades juvenis mais avançadas, e ficámos surpreendidos com estes dados”. Trata-se de uma circunstância relacionada mais ou menos diretamente com a deterioração dos laços familiares motivada pela elevada taxa de desemprego, crise económica e de valores.
O inquérito levado a cabo permitiu descortinar ainda mais dados preocupantes: Cerca de 14 crianças iniciaram o consumo de cannabis antes dos 10 anos de idade. 62 entre os 10 e os 14, e 71 entre os 15 e os 17 anos de idade. “Se estas crianças e jovens assumem imagine os que não assumem!”, lança.
O quadro não é simpático e configura naturalmente a necessidade de intervenção psicológica em crianças e adultos. “Temos muitos adultos que necessitam de acompanhamento psiquiátrico, e muitas crianças com problemas também ao nível da pedopsiquiatria. Temos dois psicólogos clínicos voluntários que atendem as nossas crianças, mas apenas meio dia por semana, teríamos necessidade de ter uma equipa a tempo inteiro. Mas atualmente não chegam para as encomendas. Se tivéssemos uma resposta cinco dias por semana, não faltariam jovens e crianças para as consultas”, destaca.
Entre os fatos positivos dados a perceber através deste diagnóstico encontra-se a circunstância de o concelho de Salvaterra apresentar uma baixa taxa de gravidezes na adolescência. Esta é uma realidade que tem registado antagónicas perspetivas sociais – “Há 20 ou mais anos atrás uma jovem de 16 anos grávida era culturalmente aceite, hoje uma mãe dessa idade é considerada quase uma criança. Geralmente as gravidezes na adolescência, hoje em dia, não resultam da falta de informação, mas são fruto de uma tentativa de independência e libertação do lar paternal”. Trata-se pois de um novo padrão – “Querem ser mães adolescentes. E a gravidez surge também como um desejo de conseguir uma nova família para substituir a atual, onde a jovem não encontra o carinho e apoio necessários!”. Neste momento, há dois casos que estão a ser acompanhados no concelho. Nestas situações, e na perspetiva de haver consentimento destes pais adolescentes, “há um acompanhamento da CPCJ em articulação com o Serviço Nacional de Saúde, também com alguma ajuda económica através da Segurança Social”.
A comissão tem em suas mãos atualmente cerca de 300 processos, e no entender de Catarina Vaz, a maior crise é a de valores, mas para isso tem de ser feito um trabalho de raiz e com as gerações de uma forma mais profunda. A estrutura faz um trabalho contínuo com visitas no terreno e atendimentos na comissão, situada nas imediações da Câmara Municipal. Se até 2011, os alertas junto da comissão eram, sobretudo, provenientes de outras entidades situadas na comunidade, hoje são sobretudo os próprios pais que se socorrem da mesma. Embora haja casos de famílias convencidas de que a estrutura serve para dar dinheiro como se de uma espécie de segurança social se tratasse.
No que se refere a uma prevalência de casos, se em 2011, a maioria se referia a situações de negligência, atualmente a fatia alargou-se para os jovens que colocam a sua segurança em risco e a dos outros, bem como a violência doméstica com impacto nas crianças. Quanto a casos de abuso sexual, “estamos a falar de uma estatística residual, que encaminhamos diretamente para a Polícia Judiciária, e Ministério Público”. “Mas quando falamos neste abuso, há várias particularidades porque não implica só o coito, podemos estar a falar de aliciamento”.
Nos casos de violência doméstica com crianças, o número de casos tem baixado, mas segundo o diagnóstico da comissão, em 20011, em 41 casos registados, só 14 tiveram lugar na freguesia de Marinhais, seis em Salvaterra, outros seis em Foros de Salvaterra, dois na Glória, dois em Muge.
O fato do concelho ser composto por alguma população flutuante, que veio viver para o município por questões económicas, e certa forma desenraizada, pode estar na origem, embora de forma parcial, de alguns comportamentos relatados no estudo. “De há dez anos para cá que principalmente Foros e Marinhais viram aumentar a população, algumas famílias desestruturadas vieram também, talvez porque as rendas de casa aqui sejam mais baratas. E chegam a mudar várias vezes por ano de casa. Por outro lado, temos os casos de quem vivia mais perto da capital e mudou-se para esta região, mas continua a trabalhar naquele grande centro urbano, só que chega a casa às 10 ou 11 horas da noite e não consegue prestar o acompanhamento desejável aos filhos, sobretudo depois das cinco da tarde, quando terminam as aulas”.
Depois de elaborado o plano, segue-se agora um faseamento da sua implementação para corrigir os riscos identificados, com uma melhor estratégia na promoção dos direitos da criança junto da comunidade, principalmente ao nível da prevenção primária, envolvendo todos os agentes e população. Um dos grandes objetivos face às carências no acompanhamento de alguns dos problemas referidos, está a criação de um gabinete constituído por um profissional da área da pedopsiquiatria. “Nem toda a gente tem dinheiro para pagar um psicólogo privado, e o hospital de Santarém não consegue suprimir esta necessidade”.
Por outro lado, a batalha no que toca aos consumos de estupefacientes e álcool em tenra idade tem de começar na família, “com uma aposta muito forte na prevenção primária logo no pré-escolar”. “Temos de começar cada vez mais cedo”, sublinha, com uma abordagem diferente sobre as drogas, “porque enquanto estamos preocupados com a cannabis já muitos deles andam a consumir drogas sintéticas e sabem muito mais do que nós sobre esse universo”.
“Temos alguns casos desses. A internet veio despoletar esse fenómeno. A faixa etária entre os 14 e os 17 anos é muito problemática a nível dos consumos. E quando temos uma criança a dizer que já experimentou drogas antes dos 10 anos, podemos multiplicar esse número por mais 10, porque a maioria não diz a verdade”. No que se refere às sintéticas – “Estão na moda os denominados cristais, depois de uma fase com a quetamina, um anestésico para os cavalos”.
“Este concelho é particularmente explosivo com crianças mas também adultos, embora muitos casos não sejam do conhecimento público. Não quero criar aqui um clima de alarme social, mas agir é com certeza uma necessidade urgente”.
Ainda na memória de muitos e sobretudo na história da CPCJ de Salvaterra, está o célebre episódio da retirada de três filhos menores em 2008 a uma família de Foros de Salvaterra, quando as forças de segurança entraram na habitação da mesma a altas horas da noite, levando as crianças que permaneceram durante vários meses numa instituição. A atitude provocou uma onda de consternação geral na comunidade, que ajudou a família na construção de uma nova casa para que pudesse voltar a ter os filhos. Atualmente, a CPCJ de Salvaterra é composta por novos elementos, e Catarina Vaz sem querer dar opinião sobre o que se passou com este caso que colocou a comissão autenticamente sob fogo cerrado dos jornais e da opinião pública, reflete que “uma retirada é sempre feita quando há condições muito graves e especiais. Só se retira quando não há família idónea à volta, ou sem suporte.” “Possivelmente, a hora escolhida e a maneira como foi feita é que podiam ser diferentes, mas não estava cá na altura, por isso não posso ajuizar por completo”.
Catarina Vaz não contraria contudo que aquele caso mexeu com a dinâmica das comissões de proteção de crianças e jovens do país. “Algumas foram achincalhadas e a de Salvaterra também”. A responsável assegura que as comissões “trabalham com fatos e sempre que se verifica uma retirada há com certeza um cenário de perigo eminente ou perigo de morte. Não podemos é contar a verdade mesmo que seja para nos defendermos, porque o sigilo está acima de tudo”.
Sílvia Agostinho
24-10-2014
O inquérito levado a cabo permitiu descortinar ainda mais dados preocupantes: Cerca de 14 crianças iniciaram o consumo de cannabis antes dos 10 anos de idade. 62 entre os 10 e os 14, e 71 entre os 15 e os 17 anos de idade. “Se estas crianças e jovens assumem imagine os que não assumem!”, lança.
O quadro não é simpático e configura naturalmente a necessidade de intervenção psicológica em crianças e adultos. “Temos muitos adultos que necessitam de acompanhamento psiquiátrico, e muitas crianças com problemas também ao nível da pedopsiquiatria. Temos dois psicólogos clínicos voluntários que atendem as nossas crianças, mas apenas meio dia por semana, teríamos necessidade de ter uma equipa a tempo inteiro. Mas atualmente não chegam para as encomendas. Se tivéssemos uma resposta cinco dias por semana, não faltariam jovens e crianças para as consultas”, destaca.
Entre os fatos positivos dados a perceber através deste diagnóstico encontra-se a circunstância de o concelho de Salvaterra apresentar uma baixa taxa de gravidezes na adolescência. Esta é uma realidade que tem registado antagónicas perspetivas sociais – “Há 20 ou mais anos atrás uma jovem de 16 anos grávida era culturalmente aceite, hoje uma mãe dessa idade é considerada quase uma criança. Geralmente as gravidezes na adolescência, hoje em dia, não resultam da falta de informação, mas são fruto de uma tentativa de independência e libertação do lar paternal”. Trata-se pois de um novo padrão – “Querem ser mães adolescentes. E a gravidez surge também como um desejo de conseguir uma nova família para substituir a atual, onde a jovem não encontra o carinho e apoio necessários!”. Neste momento, há dois casos que estão a ser acompanhados no concelho. Nestas situações, e na perspetiva de haver consentimento destes pais adolescentes, “há um acompanhamento da CPCJ em articulação com o Serviço Nacional de Saúde, também com alguma ajuda económica através da Segurança Social”.
A comissão tem em suas mãos atualmente cerca de 300 processos, e no entender de Catarina Vaz, a maior crise é a de valores, mas para isso tem de ser feito um trabalho de raiz e com as gerações de uma forma mais profunda. A estrutura faz um trabalho contínuo com visitas no terreno e atendimentos na comissão, situada nas imediações da Câmara Municipal. Se até 2011, os alertas junto da comissão eram, sobretudo, provenientes de outras entidades situadas na comunidade, hoje são sobretudo os próprios pais que se socorrem da mesma. Embora haja casos de famílias convencidas de que a estrutura serve para dar dinheiro como se de uma espécie de segurança social se tratasse.
No que se refere a uma prevalência de casos, se em 2011, a maioria se referia a situações de negligência, atualmente a fatia alargou-se para os jovens que colocam a sua segurança em risco e a dos outros, bem como a violência doméstica com impacto nas crianças. Quanto a casos de abuso sexual, “estamos a falar de uma estatística residual, que encaminhamos diretamente para a Polícia Judiciária, e Ministério Público”. “Mas quando falamos neste abuso, há várias particularidades porque não implica só o coito, podemos estar a falar de aliciamento”.
Nos casos de violência doméstica com crianças, o número de casos tem baixado, mas segundo o diagnóstico da comissão, em 20011, em 41 casos registados, só 14 tiveram lugar na freguesia de Marinhais, seis em Salvaterra, outros seis em Foros de Salvaterra, dois na Glória, dois em Muge.
O fato do concelho ser composto por alguma população flutuante, que veio viver para o município por questões económicas, e certa forma desenraizada, pode estar na origem, embora de forma parcial, de alguns comportamentos relatados no estudo. “De há dez anos para cá que principalmente Foros e Marinhais viram aumentar a população, algumas famílias desestruturadas vieram também, talvez porque as rendas de casa aqui sejam mais baratas. E chegam a mudar várias vezes por ano de casa. Por outro lado, temos os casos de quem vivia mais perto da capital e mudou-se para esta região, mas continua a trabalhar naquele grande centro urbano, só que chega a casa às 10 ou 11 horas da noite e não consegue prestar o acompanhamento desejável aos filhos, sobretudo depois das cinco da tarde, quando terminam as aulas”.
Depois de elaborado o plano, segue-se agora um faseamento da sua implementação para corrigir os riscos identificados, com uma melhor estratégia na promoção dos direitos da criança junto da comunidade, principalmente ao nível da prevenção primária, envolvendo todos os agentes e população. Um dos grandes objetivos face às carências no acompanhamento de alguns dos problemas referidos, está a criação de um gabinete constituído por um profissional da área da pedopsiquiatria. “Nem toda a gente tem dinheiro para pagar um psicólogo privado, e o hospital de Santarém não consegue suprimir esta necessidade”.
Por outro lado, a batalha no que toca aos consumos de estupefacientes e álcool em tenra idade tem de começar na família, “com uma aposta muito forte na prevenção primária logo no pré-escolar”. “Temos de começar cada vez mais cedo”, sublinha, com uma abordagem diferente sobre as drogas, “porque enquanto estamos preocupados com a cannabis já muitos deles andam a consumir drogas sintéticas e sabem muito mais do que nós sobre esse universo”.
“Temos alguns casos desses. A internet veio despoletar esse fenómeno. A faixa etária entre os 14 e os 17 anos é muito problemática a nível dos consumos. E quando temos uma criança a dizer que já experimentou drogas antes dos 10 anos, podemos multiplicar esse número por mais 10, porque a maioria não diz a verdade”. No que se refere às sintéticas – “Estão na moda os denominados cristais, depois de uma fase com a quetamina, um anestésico para os cavalos”.
“Este concelho é particularmente explosivo com crianças mas também adultos, embora muitos casos não sejam do conhecimento público. Não quero criar aqui um clima de alarme social, mas agir é com certeza uma necessidade urgente”.
Ainda na memória de muitos e sobretudo na história da CPCJ de Salvaterra, está o célebre episódio da retirada de três filhos menores em 2008 a uma família de Foros de Salvaterra, quando as forças de segurança entraram na habitação da mesma a altas horas da noite, levando as crianças que permaneceram durante vários meses numa instituição. A atitude provocou uma onda de consternação geral na comunidade, que ajudou a família na construção de uma nova casa para que pudesse voltar a ter os filhos. Atualmente, a CPCJ de Salvaterra é composta por novos elementos, e Catarina Vaz sem querer dar opinião sobre o que se passou com este caso que colocou a comissão autenticamente sob fogo cerrado dos jornais e da opinião pública, reflete que “uma retirada é sempre feita quando há condições muito graves e especiais. Só se retira quando não há família idónea à volta, ou sem suporte.” “Possivelmente, a hora escolhida e a maneira como foi feita é que podiam ser diferentes, mas não estava cá na altura, por isso não posso ajuizar por completo”.
Catarina Vaz não contraria contudo que aquele caso mexeu com a dinâmica das comissões de proteção de crianças e jovens do país. “Algumas foram achincalhadas e a de Salvaterra também”. A responsável assegura que as comissões “trabalham com fatos e sempre que se verifica uma retirada há com certeza um cenário de perigo eminente ou perigo de morte. Não podemos é contar a verdade mesmo que seja para nos defendermos, porque o sigilo está acima de tudo”.
Sílvia Agostinho
24-10-2014
Comentários
Ainda não há novidades ...