Carmona Rodrigues, engenheiro hidráulico fluvial, sobre o estado do Tejo
“É urgente que se faça o trabalho de casa!” Carmona Rodrigues é um dos mais experientes conhecedores do Tejo, das suas dinâmicas, e nesta entrevista adianta algumas respostas para os principais problemas do grande rio ibérico: poluição; assoreamento; cheias. É fundamental que algumas pontas soltas deixadas no terreno sejam retomadas.
Sílvia Agostinho
02-11-2015 às 17:27 ![]() Valor Local- A questão do Tejo e dos esforços que são necessários para se dar uma nova vida a este rio têm-se feito sentir com cada vez mais intensidade nos últimos tempos. Na sua opinião enquanto estudioso também das problemáticas deste rio ainda vamos a tempo de lhe dar uma segunda vida?
Carmona Rodrigues – O Tejo é demasiado importante para que passemos demasiado tempo sem lhe prestar atenção, pela sua importância ambiental e económica. É preciso ver que as intervenções que se façam a nível da nossa rede hidrográfica não podem ter apenas uma intenção casuística, e descontextualizadas de um planeamento. Fui coordenador de um estudo para a rede hidrográfica do Tejo, pronto desde 2010, o qual foi debatido por diversas pessoas, e que continha diferentes medidas concretas e quantificadas do ponto de vista monetário para que fossem operadas melhorias em várias vertentes tais como: a qualidade da água; a proteção dos ecossistemas, a regularização fluvial para se fazer face às cheias. Esse plano tinha aliás financiamento comunitário. Houve avanços para o terreno com base nesse plano? Foram desenvolvidas algumas ações mas no âmbito do universo da Águas de Portugal que tinha a incumbência de fazer investimentos no domínio do saneamento básico. Nesse âmbito foram feitas algumas melhorias nessa componente de tratamento de águas residuais, mas de resto não tem sido feita muita coisa tanto quanto me dá a perceber. O que interessa é que temos um instrumento produzido, atualizado, ao abrigo da diretiva quadro da água que serviu de base para a nossa lei da água publicada em 2005. No seu entender muito pouco tem sido feito por falta de vontade política ou por falta de recursos financeiros? Se pusermos ambos num prato da balança diria que que se prende mais com uma questão de falta de recursos financeiros. Quando me fala da questão política, e nesse aspeto quando se pensou em modificar uma estrutura organizativa de um ministério que tutela os recursos hídricos e o ambiente, possivelmente não se atendeu da mesma maneira às exigências da manutenção da rede fluvial. O último governo teve até metade do mandato agregados o ambiente e a agricultura fazendo daquele um super ministério, acha que essa junção acabou por prejudicar o acompanhamento de questões como esta, dado haver uma grande dispersão de temas e ser difícil superintender da mesma maneira a todos? Nesse aspeto penso que a agricultura e o ambiente fazem sentido estar juntos, pois a atividade agrícola é o principal setor utilizador da água, e portanto tem uma relação muito próxima com os recursos hídricos. Compreendo que os investimentos na rede hidrográfica, e por consequência no Tejo, tivessem ficado para trás, mas há um mínimo que não se pode descurar que é a monitorização dos caudais e da qualidade da água dos rios. No âmbito de um trabalho efetuado pelo nosso jornal no mês de julho, ao entrevistarmos um dos principais grupos ambientalistas foi nos dito que o controle e a monitorização do Tejo não está a ser feita, atualmente, da forma o mais científica possível, no que respeita aos caudais, à poluição, não sei se é essa também a sua perceção? Tenho muitas dúvidas se está a ser feito algum tipo de monitorização, seja desse ponto de vista científico ou apenas do ponto de vista mais básico do controle rotineiro do estado da qualidade da água; do controle das emissões poluentes; ou do acompanhamento do convénio luso-espanhol. Temos de reportar com frequência à União Europeia o estado das nossas massas de água através das estações de monitorização, e portanto é grave haver um descontinuar de uma dinâmica instalada já há muitos anos. Quando se perde essa fiscalização regular é difícil voltarmos a consegui-la. É importante que essa monitorização seja recuperada não apenas no Tejo, mas em todo o país. Tenho pena que esse processo esteja parado. Mas não havendo dinheiro para a manutenção das estações, não há garantia da fidelidade dos dados obtidos, conforme já foi dito pela Agência Portuguesa do Ambiente. Quando falamos no estado ecológico do Tejo, não o podemos dissociar de Espanha, e neste aspeto muito se tem falado dos impactes nefastos da central nuclear de Almaraz… Entre 1986 e 1987, participei num estudo de impacte ambiental produzido para o Gabinete de Proteção e Segurança Nuclear, que pensou e bem na altura em acautelar um documento que antecipasse quais os riscos ambientais para Portugal tendo em conta a possibilidade de acidentes na central. Participei na componente da água, outros especialistas participaram na componente aérea – com vista à possibilidade da propagação radioativa através do ar. Foram antecipados vários cenários, como por exemplo quais os efeitos, se um dia um avião caísse em cima da central. Mas do ponto de vista hídrico, a central está ainda a uma distância considerável da barragem de Almaraz para montante. Em caso de acidente, tudo ficaria muito represado em Almaraz. Não seria num espaço nem de horas nem de meses que poderíamos vir a ter eventualmente radioatividade no rio Tejo. A contaminação aérea seria muito mais rápida e perigosa, segundo esse mesmo estudo. Mas o que muitos dizem é que esta central é um dos principais cancros do Tejo, considera excessivo? De acordo com toda a informação que possuo é excessivo. Obviamente que não é desejável a atividade radioativa, mas não podemos falar de problemas estruturais ou de manutenção, que possam levar a algum tipo de suspeita. O que não invalida que com regularidade se peça informação regular junto de Espanha sobre o que se vai passando em Almaraz. Esse diálogo com Espanha nem sempre é fácil, tendo em conta que eles têm o poder de reter a água. Fui crítico desta última convenção luso-espanhola para a água. Houve uma alteração significativa em relação aos convénios anteriores produzidos na década de 60, onde havia a visão de partilha do rio de forma igualitária no que dizia respeito ao seu aproveitamento hidroelétrico ou mesmo de caudais. Atualmente começou-se a trabalhar com base no critério dos caudais mínimos, e não dos médios, como seria mais eficaz. Assim estamos a colocar a fasquia mais em baixo, porque aos espanhóis interessa-lhes mais os mínimos do que os médios. Essa foi uma alteração que condicionou em muito a gestão do rio, confirmada nessa convenção de Albufeira de 1999. Em sede de revisão do documento no futuro deveremos verter no mesmo questões que hoje em dia atravessam o comportamento dos rios, como as mudanças climáticas. O transporte fluvial também está em cima da mesa, o rio Tejo já teve um papel assinalável e histórico, no passado, no transporte de mercadorias. Por exemplo, a Câmara de Vila Franca de Xira tem vindo a demonstrar, recentemente, o seu interesse na possibilidade de o rio ser novamente navegável. Neste momento temos um rio oficialmente navegável no que respeita ao transporte de mercadorias, o Douro. O Tejo deixou de ser navegável há muito tempo, sobretudo com o advento do caminho-de-ferro e da rodovia. Mas é reconhecido por todos os decisores políticos que o transporte por via hídrica é de longe o mais barato. A própria União Europeia no seu livro branco dos transportes recomenda… Sem dúvida, e temos esse transporte em grandes vias fluviais europeias, como o Danúbio ou o Reno que é extremamente económico, e sem causar danos ambientais. O Tejo está assoreado em vários troços, mas o rio merece que seja feito esse esforço porque desde logo temos vários operadores turísticos de embarcações de recreio interessados nessa possibilidade. No que respeita ao transporte de mercadorias, seguramente, temos de pensar nisso. O livro branco dos transportes prevê isso mesmo: a alternativa de curta distância marítima no litoral, a cabotagem fluvial, e o transporte ferroviário. Tudo o que seja poupança de energia é crucial para a Europa. Contudo estamos a falar de um transporte que é mais lento, e isso também pode chocar um pouco com aquilo a que estamos habituados. O transporte de mercadorias não é muito exigente quanto à necessidade de rapidez. Esse fator não é assim tão marcante, até porque no meu entender não se coloca a questão da alta velocidade apenas e tão só no âmbito das mercadorias, comparada com o transporte puramente de passageiros. São necessidades diferentes. Quando pensamos na possibilidade de desassoreamento do Tejo, quase que vemos isso como uma espécie de quimera, algo que será muito difícil de acontecer face ao estado de coisas. E também aí voltamos a falar da monitorização e da sua importância; e neste aspeto há muito que se deixou de fazer o controle do transporte sólido de sedimentos. Falta-nos ter na mão esse conhecimento básico que se abandonou a nível da bacia hidrográfica do Tejo, que sabemos ser uma bacia dinâmica, por exemplo, a nível do seu coberto vegetal, com alterações a nível da agricultura praticada nas margens, da floresta existente, e tudo isso tem implicações a nível do transporte de sedimentos. Hoje em dia ninguém consegue responder com propriedade a esta pergunta- o rio Tejo apresenta uma tendência para assorear ou desassorear? A melhoria da qualidade do Tejo através das redes de saneamento básico, da construção de ETAR’s foi um processo que levou anos a se implantar no terreno. Durante demasiados anos se falou desta necessidade, ao fim ao cabo, tão básica; prevê que o tema do desassoreamento também se vá arrastando no tempo? De facto desde os anos 70 que o saneamento básico andava na ordem do dia, e passaram 30 e tal anos até ao modelo que temos hoje. Foi até criada uma Direção Geral do Saneamento Básico nos anos 70, para ver como são as coisas. O processo para o desassoreamento até pode vir a ser lento. Mas voltando a pegar na primeira pergunta, ainda vamos com certeza a tempo de salvar o Tejo, mas não podemos deixar de fazer o trabalho de casa. Em muitas questões o caminho está a tornar-se demasiado longo, porque ainda hoje temos indústrias, pecuárias principalmente, que continuam a deitar os seus dejetos para o Tejo… É verdade. Reconheço que em determinas alturas tem havido uma complacência ou uma distração da autoridade do Estado relativamente às atividades ou descargas ilegais. Tivemos o tempo dos guarda-rios, hoje temos um serviço da GNR para esse efeito de fiscalização, mas em tudo isto, as próprias Câmaras e as organizações não-governamentais têm de funcionar como agentes de pressão para pôr termo a situações crónicas. Crónicas e que se tornaram quase dados adquiridos. Sim sabemos que se passam quase sempre a uma sexta-feira à noite, por exemplo. Temos de agir em diversas frentes, desde logo tendo em conta o licenciamento das descargas de acordo com a lei, e muitas delas ainda não estão conformes à lei, embora haja alguma burocracia associada com exigências por parte de vários ministérios. Mas esse controle e a dotação das explorações nem sempre é assim tão onerosa para os empresários, que nesse aspeto têm falta de informação. Sim, mas por outro lado, a lei também facilita muito quando aconselha apenas o autocontrole. Sabemos que temos empresários bastante conscientes das questões ambientais, e há a noção de que o custo da água é um fator de produção que entra no valor produzido. Por outro lado, a certificação ambiental passou também a ter um importante peso; ou seja até que ponto um produto que adquirimos no supermercado respeita as normas ambientais, a opinião pública esta atenta a estas matérias. Outra das questões prende-se com o descontrole provocado pelas situações de cheias no Tejo, o que é preciso fazer, enquanto conhecedor do impacte das dinâmicas climáticas no rio, para que não sejamos constantemente assaltados pelas situações de caos provocadas? Falta fazer o ordenamento fluvial, ou seja sabemos que o Tejo é dado a cheias tendo em conta o nosso clima mediterrânico, em que temos durante uma parte do ano caudais muito baixinhos, onde não se chega a duas dezenas de metros cúbicos por segundo, e podemos ter dias em que se ultrapassa os 10 mil metros cúbicos por segundo. É uma variabilidade própria do nosso clima. Temos a noção de que o nosso regime de cheias é muito dominado pela barragem espanhola de Alcántara com a qual há quase sempre um bom entendimento nestas situações. Mas do nosso lado temos de fazer uma manutenção dos diques e de todas as estruturas que ajudam a controlar as cheias. Dá a impressão de que ainda no capítulo dos caudais, Espanha abre as comportas e envia-nos uma grande quantidade de água de uma só vez para manter o que está acordado, ao invés de o fazer de uma forma harmoniosa e faseada. Em período de cheias, existe uma boa coordenação entre Portugal e Espanha. No resto do ano, no período de estiagem, existe uma deficiência quanto ao convénio luso-espanhol, porque ao falarmos de uma cheia já se está a contribuir para esse volume mínimo, quando deveria existir uma discretização temporal detalhada que nos seja favorável. Portugal deveria exigir caudais mínimos à semana e não ao mês, nesse aspeto. Irmos ao milímetro grosso modo. Sim, exato. Do outro lado da fronteira, os ambientalistas falam dos aspetos nefastos dos transvases entre o Tejo e o Segura, que é um dos principais afluentes do rio ibérico, esta questão também tem impactes do nosso lado? Esses transvases são feitos na parte superior do Tejo, muito para além de Madrid, sendo resultantes do convénio de 1968. Essa operação permite um desvio de mil hectómetros cúbicos do Tejo para o Segura por ano, que pode parecer muito significativo mas é algo que não tem passado da teoria, pois na prática, os espanhóis apenas têm conseguido desviar cerca de 200 ou 300 hectómetros cúbicos por ano, e em época em que o leito vai cheio. Diria que esse transvase não é nefasto, porque para sul ainda temos uma abundante bacia do Tejo, e por conseguinte nunca se refletiria no regime de caudais de estiagem em Portugal. De qualquer das formas, em sede de revisão do convénio poderia reivindicar-se essa correção dos volumes a desviar para o Segura. Encontra-se em fase de participação pública o Plano de Gestão da Bacia Hidrográfica do Tejo 2015-2012, tem estado a acompanhar este processo? Não estou a acompanhar, mas em 2010/2011, o que já estava previsto; e que seria importante avançar no terreno prendia-se com a necessidade de um plano de consertado de toda a bacia entre Portugal e Espanha, como de resto se fez para outros grandes rios europeus como o Danúbio e o Reno. Como sendo um intenso estudioso deste rio, em comparação com outros que estudou, o que mais o fascina no Tejo e no seu comportamento natural? De uma forma simplista, direi que há um Tejo até à foz do Zêzere com umas certas características de vale mais encaixado, começando a espraiar-se ali na zona da Golegã, aí temos um Tejo aluvionar, de planície, sendo muito diferente. Depois temos o estuário do Tejo que tem um valor imenso também do ponto de vista económico, ambiental, porque é só o maior da Europa. Do ponto de vista do seu comportamento hidrológico, é muito dependente do nosso clima mediterrânico; a sua variabilidade no verão e no inverno é também a sua riqueza. É com as suas cheias que também se enriqueceram os campos agrícolas do Ribatejo. As cheias são no fundo também uma riqueza, devemos é estar preparados para elas, saber o que fazer quando acontecem, e saber dominá-las. Entretanto vai fazer um livro sobre o Tejo a pedido dos CTT, pode-nos adiantar desde já um pouco acerca desse projeto? Estou numa fase de arranque, com muita pesquisa. Abracei o convite com o maior gosto, será um livro para o grande público, e espero que possa promover o valor do Tejo enquanto paisagem, recurso económico, valor ambiental, e energético. É fundamental conhecer melhor para cuidar melhor.
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