Incêndio no Palácio do Infantado recordado por quem ajudou a combater as chamas
Até ao incêndio, o palácio servia para habitação, escritório da companhia das lezírias, consultório médico e biblioteca fixa da Gulbenkian
Sílvia Agostinho
30-12-2016 às 11:58 Na memória dos samorenses mais velhos, o incêndio de 16 de novembro de 1976, que assolou o Palácio do Infantado, ex-libris da localidade, é daquelas coisas que não se esquece. Muitos ainda se lembram do que estavam a fazer quando começaram a ver a intensa nuvem de fumo, e a ouvir as sirenes dos bombeiros. Em 1998, o palácio foi erguido das cinzas com a traça da fachada a manter-se fiel à que existia antigamente. Hoje é um dos palcos da cultura concelhia, e muitos dos habitantes mais velhos dizem-se felizes com o novo destino que foi dado ao espaço que em tempos serviu de habitação, e de escritórios da então designada Companhia das Lezírias do Tejo e do Sado.
Este ano assinalam-se os 40 anos do incêndio e quisemos repescar algumas memórias junto dos que estão cá ainda para contar a história desse dia. Ivo Henriques lembra-se que tudo começou por volta das cinco horas da tarde daquele dia quando alguém lhe disse que o palácio estava a arder. Não escondeu a grande admiração que sentiu ao ouvir a notícia, mas não teve tempo para pensar e foi um dos que acorreu para retirar o que de valor existia no palácio, que era também o seu local de trabalho, dado ser à época escriturário da empresa que o ocupava. Também José Salvador esteve naquele dia envolvido na recuperação de alguns objetos e papéis de valor do palácio, onde tinha trabalhado até há pouco tempo antes do incêndio, também por conta da companhia das lezírias. “Fiquei bastante chocado porque não havia possibilidade alguma de salvar o palácio”. Olímpio Nunes trabalhava na construção civil à época e chegou a fazer pequenas reparações no palácio, e também foi tentar ajudar, “mas os bombeiros não nos deixaram chegar muito perto”. “Tentei preservar várias vezes o estado do edifício. Cheguei a arranjar o telhado e as janelas”, conta. Na origem do sinistro, estaria um braseiro antigo do primeiro andar ocupado por particulares. “O fumo saía pela janela que dá para aquela rua estreita”, recorda-se Ivo Henriques, que também dá o veredicto – “Esta casas velhas (o palácio data de finais do século XVIII) quando têm muito pó, e muitas teias de aranha é como fogo de linguiça. É arder e toca a andar”, ilustra. Ninguém morreu, “só o palácio”, deduz. José Salvador consegue ser mais preciso, e adianta que tudo começou na casa de uma senhora onde existia um aquecedor a brasas tapado por um cortinado “e foi assim que começou”. “Foi num instantinho”. “Mas na minha opinião o palácio ficou melhor com a remodelação”, diz Ivo Henriques. José Salvador partilha da mesma opinião – “foi muito bom para o povo que antes não tinha acesso ao palácio que era privado. Até havia a ideia de que existia aqui ainda muita coisa da realeza mas não era verdade”. Henriques lamenta tão só que o mirante que existia na primeira versão do palácio não tivesse sido reposto após as obras em 1998. Até ao incêndio, o palácio servia para habitação, escritório da companhia das lezírias, consultório médico e biblioteca fixa da Gulbenkian. Sendo que uma das maiores preocupações após o deflagrar das chamas refletiu-se na tentativa de se salvar não só os documentos da empresa mas principalmente o espólio desta biblioteca. “Foi um pandemónio muito grande com muita gente aflita porque o incêndio deu-se de uma maneira muito rápida, não foi lentamente. Parecia que as chamas tinham sido regadas a gasolina”, recorda-se José Salvador. Contudo este era um cenário expectável. “No sótão havia muito pasto dos pássaros que faziam ali os seus ninhos”. Cassiana Rocha também foi testemunha. Vinha a atravessar ao fim do dia a Ponte Marechal Carmona quando ao longe avistou o fogo que consumia este edifício de Samora Correia. “Foi um dos dias mais trágicos da história da nossa terra. As chamas eram uma coisa horrorosa, fique aterrorizada”. Patente no Palácio reconstruído está uma exposição (que evoca o dia que a população não vai esquecer) intitulada – “Palácio do Infantado, uma casa com história”. No dia em que se assinalaram os 40 anos do incêndio, teve lugar a iniciativa “O Palácio de Portas Abertas” onde a Cultura aconteceu durante um fim-de-semana com uma série de concertos, poesia, fado. Os bombeiros locais participaram ainda num simulacro a lembrar o que aconteceu em 1976. Joaquim Salvador, autor da exposição, e dinamizador da atividade do palácio, refere que adesão “ficou acima das expetativas”. “O auditório esgotou sempre”.
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