Nas “costas” de Santarém, mas no “quintal” de Azambuja mais um mega parque solar para a região
Sílvia Agostinho 23-08-2021 às 11:15
Na fronteira entre os concelhos de Santarém e de Azambuja vai ser edificado mais um mega parque solar na região. Ao todo serão 652 mil painéis em 529 hectares de um projeto que atravessa na sua totalidade as freguesias do Cartaxo, Vale da Pinta, Vila Chã de Ourique, isto no concelho do Cartaxo. Já em Santarém abrangerá Póvoa da Isenta, União de Freguesias da Cidade de Santarém, e Almoster paredes meias com Casal de Além no concelho de Azambuja. Alguns autarcas, e moradores deste concelho ficaram estupefactos com o facto de nada se saber sobre o parque que embora em território de Santarém terá superiores impactes na área do município de Azambuja. Na avaliação de impacte ambiental o município não foi tido nem achado, embora o complexo venha a distar apenas um quilómetro da povoação de Casal de Além. Ainda que o parque de painéis solares fique no concelho de Santarém vai impactar a população da pequena aldeia da freguesia de Manique do Intendente, Maçussa e Vila Nova de São Pedro. Nas costas de Santarém mas no quintal de Azambuja, esta é apenas mais uma faceta da realidade dos parques solares cujo impacto está a ser medido de forma muito fechada. Uma avaliação de ambiental estratégica para a região já foi pedida por associações ambientalistas, mas também por autarcas.
Foi através do presidente da União de Freguesias de Manique do Intendente, Maçussa e Vila Nova de São Pedro que ficámos a conhecer a Quinta do Falcão de Cima que vai receber a central fotovoltaica, em território de eucaliptal, mas que em tempos era dominada por terrenos de cultivo que deram emprego às gentes de Casal de Além. No meio da propriedade há uma casa senhorial em ruínas em que o estudo de impacte ambiental do projeto apela à sua conservação. A maioria dos impactes previstos aquando da construção da central que já obteve parecer favorável condicionado por parte da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) estão na sua maioria voltados para Casal de Além, Vila Nova de São Pedro, Carrascal, e Casal da Charneca com condicionamentos de trânsito nas nacionais 114-2; 365; nacional 3 e A1. O acesso ao parque será feito através da 114-2.
José Avelino Correia analisa localização do parque solar
O projeto da Escalabis Solar é desenvolvido pelo antigo diretor geral de Energia, Miguel Barreto. A central de 189 megawatts tem como parceira a Energi Innovation que já possui outras centrais solares de menor dimensão em Portugal. O investimento é de 100 milhões de euros. O Parque Solar Escalabis abrange a área da Central Fotovoltaica do Encarnado com potência de 48,5 MW mais dois projetos de centrais com potência semelhante – a de Casal do Paúl e Alforgemel. O objetivo do projeto é o de coligir as três centrais. O Valor Local tentou chegar à fala com a Escalabis Solar mas não estão disponíveis quaisquer contactos para além de uma morada física, na internet.
José Avelino Correia, presidente da junta, não esconde a sua admiração quando confrontado com os mapas em que logo a seguir ao campo de futebol de Casal de Além, que permanece mais ou menos abandonado, começa o parque fotovoltaico que se prolonga até à extrema da propriedade alguns quilómetros mais à frente até chegar à autoestrada (foto abaixo), sempre em caminho de terra batida. “Isto é mesmo em Casal de Além. É terrível, porque quem grama mesmo com aquele panorama todo em perspetiva é a população de cá!”, diz estupefacto. O autarca diz que não conhecia o projeto, e que a informação que possuía colocava o parque mais longe em relação à freguesia.
Aqui e ao contrário dos projetos da Cerca e da Torre Bela não há muros a dividir. Com facilidade, e apesar de no futuro poder estar prevista a vedação do parque, este vai estar completamente visível para a população de Casal de Além, com todas as consequências associadas. “Na minha opinião eles devem murar o parque porque isto vai ter um impacte enorme”.
O vereador da oposição PSD, Rui Corça, ouvido pelo Valor Local não tem dúvidas – “Será um enorme ónus que vai acontecer àquelas populações, que a poente levam com o parque fotovoltaico da Torre Bela e a norte com este, e quando não estamos a falar de pequenas ou médias estruturas mas em enormes campos solares. Para qualquer lado que se virem têm painéis solares à vista”. O autarca não tem dúvidas – “Com a nova realidade em perspetiva perde-se qualquer tipo de intenção de melhorar estes territórios, combater a desertificação, pois vão ser completamente artificializados”. O vereador lembra que ainda nem há dois anos a Câmara liderada pelo PS empreendeu uma vista pelo Alto Concelho com o objetivo de perceber quais os caminhos do seu desenvolvimento que deveria passar pelo fomento do turismo e da cultura “e tudo isso neste momento está perdido”. Desde logo “espanta-nos e foi uma crítica que fizemos: Como é que estes projetos apenas se circunscrevem aos respetivos limites geográficos sem se atender ao possível impacto dentro de toda uma região nos concelhos limítrofes”, refere Rui Corça, até porque “o território não pode ser partido em fatias e sem interligação”. Neste aspeto critica o Governo “que atira o problema para as Câmaras e deixa na sua mão o prejuízo de terem de aprovar os projetos”.
Confrontado com o projeto em causa, Luís de Sousa, presidente da Câmara de Azambuja, ao Valor Local refere que a informação que lhe chegou foi escassa e minimiza a questão – “Pelo que sei vão existir parques fotovoltaicos nos concelhos todos aqui à volta. Neste caso sei que é apenas no concelho de Santarém, mas próximo de Azambuja”. Já quanto ao facto de a Câmara de Azambuja não ter sido chamada a dar a sua posição face aos impactes quer a nível da construção, bem como no que se refere à questão da interferência visual com o Castro de Vila Nova de São Pedro e com as povoações circundantes em causa, onde estão também assinalados alguns constrangimentos na avaliação ambiental, o autarca responde – “O campo fotovoltaico fica no concelho de Santarém e isso é com o presidente de lá, que também não se veio meter aqui nos nossos projetos. Não temos de interferir com aquilo que vai para os concelhos dos outros”. O autarca desabafa que não foi informado de nada do que respeita a este parque fotovoltaico. Quanto aos impactes ambientais com a proximidade ao vale da Maçussa ou Paul de Manique, este em especial atravessado por espécies de aves protegidas, minimiza – “Esse parque ainda vai ficar muito longe, e pelo que sei não se perspetiva que as aves morram assadas nos painéis fotovoltaicos”. Quanto ao impacte que possa surgir na área do Castro, José Avelino Correia acredita que será mínimo porque não está na linha de alcance visual mais próxima, mas Rui Corça fornece uma visão mais pessimista – “A paisagem vai ficar desfigurada, porque quem for ao Castro nessa altura só vai ver painéis”. Por outro lado, suscita que segundo o estudo “vão existir impactes na Ribeira da Asseca que faz parte do mesmo conjunto da Ribeira da Maçussa e da Ribeira do Judeu que já vão sofrer prejuízos com o projeto da Torre Bela”. Por último, Corça lamenta que a Câmara “não saiba nem queira saber o que está a acontecer neste campo. O presidente diz que falou com os colegas da CILMT e pelos vistos conformou-se com o que se possa vir a passar”.
A perspetiva do Cartaxo
No concelho do Cartaxo, o parque solar situa-se nas imediações do Valley Park mas de acordo com Pedro Nobre, vereador do planeamento urbanístico na autarquia, as consequências não serão importantes a esse nível. Contudo o município ainda não acenou com luz verde ao projeto, dado que existem algumas condicionantes à sua aprovação. O autarca especifica que dos 529 hectares que dizem respeito ao empreendimento, o maior que deu entrada até à data nos serviços municipais do concelho, apenas 210 hectares dizem respeito à área do município, os restantes ficam no concelho vizinho de Santarém. O território consagrado à central tem 2319 hectares pelo que “apenas 22 por cento estarão ligados ao parque”. Contudo não esconde que haverá “um grande impacto visual” nomeadamente na freguesia de Vila Chã de Ourique, bem como uma pequena parte em Cartaxo/Vale da Pinta.
O autarca refere que a obra ainda não obteve parecer favorável “porque apresenta questões que ainda não estão bem enquadradas ou explicadas”. O município está a ter em linha de conta o PDM em vigor e o regulamento municipal para este tipo de edificações, sendo que ainda vão ser consultadas as entidades do Estado, apesar de a APA já ter dado parecer favorável condicionado.
O município emitiu parecer desfavorável no final de junho tendo em conta que o estudo não observa questões como as distâncias em relação aos caminhos municipais, ou as distâncias mínimas para a implantação da vedação em relação ao eixo das vias. O município não pretende ainda que possa vir a interferir com uma variante a construir e que já estava projetada. O projeto tem ainda de obter licença de utilização dos recursos hídricos bem como cumprir com os condicionamentos tendo em vista as obras de construção. A Escalabis Solar entrou com o pedido de licenciamento das obras na Câmara do Cartaxo no início de julho. Este tipo de infraestrutura está em consonância com o PDM do Cartaxo já que de acordo com a nova legislação teria de salvaguardar espaço para este género de investimentos de estruturas amovíveis de energia solar.
Apesar de o projeto, segundo o município, não trazer nenhuma mais valia também não vem prejudicar o concelho porque não se situa perto de aglomerados populacionais. Os únicos vizinhos são o Valley Park e a autoestrada. Entre pedidos de informação e licenciamentos já chegaram 22 projetos à Câmara do Cartaxo. Licenciados estão apenas dois, um deles no Alto do Gaio. Tal como outros projetos similares na região não deverá empregar muito mais do que uma dezena de trabalhadores após a fase de construção.
Francisco Colaço, deputado do Bloco de Esquerda na Assembleia Municipal do Cartaxo, e morador em Casal de Além contesta de viva voz este projeto, tendo sido o único partido a dar conta do seu desagrado junto da comunicação social, apelidando-o de “aberração ambiental com uma visão monetarista”. O simultaneamente autarca do Cartaxo e residente no concelho de Azambuja ainda se lembra da Quinta do Falcão de Cima ser uma vasta área agrícola, “mas depois deu lugar a uma floresta de eucaliptos para servir as indústrias papeleiras, e acaba agora como campo fotovoltaico numa autêntica barbaridade ecológica”. Neste sentido atira culpas para o Governo e para o ministro do Ambiente Matos Fernandes e não para o município “que não tem capacidade para decidir estas questões”. “Do ponto de vista do enquadramento legal não podia impedir o licenciamento”. No seu entender o município “fez bem em não pedir contrapartidas para manter alguma independência, e no fundo até nem tem consciência do que vai ser esta barbaridade em que se vai cobrir com painéis solares centenas de quilómetros de terras a nível do país”. Para si o que tem de existir “é um forte movimento nacional contra esta estratégia de parques solares em terrenos agrícolas, porque somos uma zona mediterrânica em que o coberto vegetal é necessário para que as terras não entrem em erosão”.
No seu ponto de vista, a população de Casal de Além e Vila Nova de São Pedro também “não tem ideia do que vai surgir ali, porque a informação é muito escassa”. Para Francisco Colaço “este ministério do Ambiente devia mudar de nome ou de ministro, porque este senhor não serve”.