O 25 de Abril e a Liberdade
Contactámos vários Presidentes de Junta da região para que nos contassem as suas memórias do 25 de Abril de 1974, ou nalguns casos, por não serem nascidos na altura, do que lhes contaram sobre esta data, e quando é que ela começou a fazer sentido. Seguidamente falámos sobre liberdade, sobre as atuais medidas de confinamento e as suas repercussões na liberdade pessoal, e sobre a emergência de partidos da denominada extrema-direita nos tempos que correm.
Sílvia Carvalho d’Almeida
25-04-2021 às 19
Contactámos vários Presidentes de Junta da região para que nos contassem as suas memórias do 25 de Abril de 1974, ou nalguns casos, por não serem nascidos na altura, do que lhes contaram sobre esta data, e quando é que ela começou a fazer sentido. Seguidamente falámos sobre liberdade, sobre as atuais medidas de confinamento e as suas repercussões na liberdade pessoal, e sobre a emergência de partidos da denominada extrema-direita nos tempos que correm.
Sílvia Carvalho d’Almeida
25-04-2021 às 19
Jorge Pisca- Presidente da Junta de Freguesia de Pontével
Jorge Pisca encontrava-se no dia Revolução dos Cravos, “no colégio, no 1º ano”. “Mandaram-nos para casa, e nós ficámos todos contentes. Recordo-me de estar com a minha irmã e de ter ouvido falar de que tinha ocorrido uma Revolução”. No fundo “quando veio a liberdade, as pessoas começaram a falar livremente”, sintetiza desta forma simples o que significou para si o 25 de Abril. Relativamente às medidas de confinamento e se são uma ameaça à liberdade das pessoas, refere que só o serão “se permitirmos que isso aconteça”, porque “está provado que se andarmos em liberdade neste momento algo muito mau pode acontecer”. Em primeiro lugar “estão as vidas das pessoas. Obviamente que estamos preocupados com a economia, mas sem pessoas não há economia. Aqui não considero que estejamos privados de liberdade, porque são precauções que temos de tomar. Penso que quando a pandemia passar vamos voltar a um estado normal, pois estamos num estado democrático, e acho que nunca mais vamos permitir que nos roubem a nossa liberdade”. Já quanto à legalização do Chega, diz: "Permitiram a legalização desse partido. Eu tenho que acreditar que quem está à frente das instituições faz o seu papel". Sobre o facto de André Ventura ser a favor de mudanças constitucionais, ressalva: "Provavelmente não vai querer mudar tudo, apenas alguns artigos, que em 1976 faziam sentido e que agora já não fazem, mas em prol de um estado de direito democrático, e com aprovação de dois terços da Assembleia da República, e não é algo que seja feito de ânimo leve, tem que ser ponderado." João Santos- Presidente da Junta de Freguesia de Vila Franca de Xira
O presidente que se segue conta-nos que ainda criança teve noção do que significava a data que se comemora há 47 anos: "Comecei a ter perceção do que significava o 25 de Abril com oito ou nove anos. Tinha um pai muito orientado para ideais de esquerda e que dava muita importância à liberdade, e ao que tinha sido atingido com aquele acontecimento, portanto fui ouvindo desde muito novo, referências à Revolução e o que tinha significado, mais liberdade para todos”. Diz, contudo, que o que entende neste momento relativamente ao valor simbólico do 25 de Abril é que “as liberdades que os seres humanos devem ter são absolutamente intocáveis, mas deparamo-nos com muitos paradoxos e temos que ter atenção a eles”. “Por exemplo, há liberdade de escolha individual, mas resulta também da revolução um exacerbamento da consciência coletiva e da importância do coletivo”, numa alusão ao pensamento mais à esquerda. Explica ainda que “a liberdade em muitas circunstâncias leva os seres humanos a passar linhas vermelhas que não devem ser atravessadas, o que faz com que às vezes exista consequências negativas. Também a liberdade deve ter limites. Aqueles que fazem uso da mesma não podem fazer tudo o que entenderem. Não deve ser permitido que se interfira com a liberdade de escolha de outra pessoa". Quando lhe perguntamos se a Revolução ainda está por cumprir, diz ser fundamental que “se consiga aproveitar as condições criadas para se fazerem apostas fortes na sociedade portuguesa.” “Temos algum atraso estrutural por termos saído da ditadura mais tarde em relação a outros países. Temos algum défice de democracia que devemos suprir necessariamente. Mas devemos moderar muito bem o conceito de liberdade e aliás, dar-lhe a definição que deve ter. A liberdade e a escolha individual, são absolutamente fundamentais desde que não interfiram com a liberdade do outro." Jorge Ribeiro- Presidente da União de Freguesias de Póvoa-Forte
Jorge Ribeiro recorda-se de que na sua casa sempre se falou de política: "Os meus pais estavam ligados a esse espírito, e desde miúdo que me recordo deles conversarem comigo acerca da ação repressiva da PIDE, da censura do lápis azul, das restrições de ajuntamentos de pessoas, e por exemplo, das licenças para se usar isqueiro. Há, portanto, um conjunto de pormenores que acabam por nos ir marcando." No entanto, foi com os professores e no ensino que começou a perceber o que realmente implicava esta data: "Fui tomando conhecimento mais pormenorizado do 25 de Abril, os seus antecedentes , e o que se passou quase no imediato, em que tudo podia ir por água abaixo (essa é uma versão da historia), mas mais ainda sobre a importância da manutenção dos valores de Abril que ainda hoje se aplicam e que importa que se mantenham". Quando lhe perguntamos se sente que os valores foram cumpridos é perentório: "A revolução constrói-se todos os dias, deu-se num espaço e num tempo concreto, mas são valores que perduram e que é importante irmos sempre renovando, especialmente quando surgem grupos radicais que poderão pôr em causa o que são os seus princípios, de livremente podermos expressar a nossa opinião e lutar pelo que acreditamos. Queremos continuar e viver num país livre em que cada um pode viver livremente". Refere que "a Constituição é um conjunto de pressupostos que fazemos todos os dias por cumprir, tais como o direito à educação, saúde", e que “regulam a nossa vida em sociedade". Quanto a eventuais mudanças na Constituição, diz: "É importante perceber que querendo alguns alterar essa lei, devemos saber que caminho é que essa alteração preconiza. A legislação e a Constituição que temos hoje defendem uma sociedade justa, livre, fraterna, solidária, e é com alguma apreensão que vejo à viva força essa vontade imperar". Esclarece que esta "ainda hoje se adequa ao que são os valores de Abril." Quanto ao partido Chega e às alegações de que é um partido que é anticonstitucional esclarece: “Se foi aprovado pelo Tribunal Constitucional é porque os juízes fizeram uma leitura de que este não feriria os valores constitucionais". António Torrão- Presidente da Junta de Freguesia de Aveiras de Cima
António Torrão, autarca de Aveiras de Cima, recorda como foi no seu caso o dia 25 de abril de 1974 - "Foi há muitos anos. Era criança e andava numa vinha, a fazer de aguadeiro. Ouviu-se na rádio à hora de almoço que possivelmente havia uma revolução em Lisboa. Nós não sabíamos o que era uma revolução, ninguém sabia há 47 anos. Mantivemo-nos a fazer o que estávamos a fazer. O meu pai estava comigo na altura. Já tínhamos saído da escola, trabalhávamos na agricultura, e o que é que podíamos fazer?”, interroga-se, continuando a desfiar as memórias daquele dia – “Lembro-me que não havia televisão, o conhecimento que tínhamos era pela rádio". Sobre se sente saudades de algo na época, diz: "Aqui tínhamos o nosso mundinho, não imaginávamos o que existia lá fora. Nunca tínhamos ido a Lisboa, nem sequer tínhamos televisão. Para nós estava bem assim. Depois é que tivemos mais informação sobre as coisas". Quarenta e sete anos depois: "o país alterou-se, houve um desenvolvimento louco, houve alturas em que este não foi positivo. As pessoas eram mais humildes na altura, e foram perdendo a humildade. Cada um quis construir o seu castelo, e nós precisamos uns dos outros." Sobre o Partido Chega ou a ascensão de partidos mais à direita do que o que era costume na vida partidária portuguesa, é perentório: "As pessoas têm que abrir os olhos. Falo pela minha freguesia, em que não esperava ter tanta gente a votar no partido. Vão na conversa fiada de que aquele partido vai resolver tudo. Eu pertenço a um partido que anda na luta pelos trabalhadores há mais de 100 anos, e enquanto este partido (PCP) existir, o Chega não passará neste país. As pessoas também podem e devem lutar mais pelos seus direitos." |
Mário Parruca, Presidente da Junta de Vila Nova da Raínha
Mário Parruca conta-nos que era muito jovem quando tudo se passou: "Eu tinha perto de 10 anos e estava na escola primária. O que me lembro dessa altura é que saímos da escola e fomos para a estrada nacional acenar à coluna que passava com destino a Lisboa. De resto, já não tenho memória. Falava-se num golpe de estado para as pessoas terem mais liberdade, mas já foi há 47 anos, ou seja muito tempo." Opina que com o 25 de Abril foi ganha liberdade de expressão mas perdeu-se o respeito pelas pessoas mais velhas. A nova ordem social alterou isso devido à liberdade que se ganhou. “Se tivéssemos continuado no regime em que estávamos isso não teria acontecido. Mas a vida das pessoas em geral melhorou". Relativamente a este confinamento e as restrições à liberdade individual, diz serem “um mal menor, porque a saúde está acima de tudo.” “Toda a gente deve compreender e tentar cumprir dentro dos possíveis, mas todos os dias ouvimos que isso não acontece". Quando lhe perguntamos se está preocupado com a emergência de partidos de extrema-direita, esclarece que são fruto do descontentamento de algumas pessoas, o que faz com que “apoiem e deem voz a quem aparece para dizer mal, em vez de tentarem perceber porque é que as coisas não estão como deviam”. “A extrema-direita está a crescer de uma maneira que qualquer dia teremos restrições à liberdade das pessoas e não vai haver igualdade entre seres. Isso é que é mau que volte a acontecer, porque somos todos diferentes mas todos iguais. Todos viemos a este mundo e temos direito a viver. Temos é que tentar perceber o que está mal e tentar corrigir essas situações.” José Martins- Presidente da União de Freguesias Carregado/Cadafais
Para José Martins, as memórias da Revolução são muito límpidas: "Lembro-me bem de tudo. No próprio dia do 25 de Abril acordei cedo. Os meus pais eram polícias e foram chamados. Eu tinha cerca de 12 anos e fiquei durante três dias sozinho em casa a tomar conta do meu irmão. Vivi de perto a situação, morava em Lisboa, e acompanhei através dos poucos meios de comunicação que existiam na altura, pela televisão também, o que se passava. Os meus pais iam passando alguma informação, para eu ter cuidado, e não sair de casa. Nesse dia não houve escola. Na cidade de Lisboa as escolas nem chegaram a abrir. Eu para a idade que tinha considero que era bastante informado. Vivi tudo de acordo com a minha idade. Tinha a noção que tinha o meu irmão e que tinha que tomar conta dele, e também a esperança de que o futuro fosse um bocadinho melhor, para nós todos, sentimento que me foi passado pelos meus pais". Quando lhe perguntamos se os ideais de Abril foram concretizados, acha que não, “porque houve um grande aproveitamento por determinadas fações da sociedade. Os valores com os quais se fez o 25 de Abril, a génese do 25 de Abril perdeu-se”. Sobretudo acha que o poder após o 25 de Abril passou para as mãos de pessoas erradas. Quanto à ascensão de partidos de extrema-direita particularmente em Portugal e na Europa, e o seu lugar nas sociedades atuais, acredita que essas forças radicais radicais “colidem com o bom senso de uma sociedade democrática”. “A história ensina-nos que a radicalização das ideias não é saudável para uma vida feliz. Assenta sempre em não aceitar o que vem do outro lado. Devemos não só ser tolerantes como ecléticos. Aproveitar tudo o que vem de bom venha de onde vier.” José Avelino- Presidente da União de Freguesia de Manique do Intendente, Maçussa e Vila Nova de S. Pedro
José Avelino tinha 15 anos no Dia da Revolução dos Cravos. “Lembro-me de estar a acontecer uma grande confusão, e de estarmos preocupados com o que poderia vir a acontecer”. Estava na sua casa em Vila Nova de São Pedro. Confessa que sentiu uma grande sensação de alívio, pois sofreu na pele a repressão, de “não poder dizer o que queria”. “Cheguei a ser confrontado por professores por falar demais até numa simples redação, porque critiquei o Governo e o mundo do futebol, até pelo dinheiro que os jogadores ganhavam na altura (o que ainda hoje acontece) e o professor perguntou se eu sabia do que estava a fazer. Alertou-me que podia ir preso. Eu tinha noção disso, mas aquelas eram as minhas ideias”. Sobretudo o 25 de Abril significou o fim da Guerra Colonial e mais três anos, e teria de ir para o campo de batalha, pelo que a revolução significou também “um grande alívio”. Sobre restrições relativas à Covid, concorda que são a bem da saúde pública. Acerca do partido Chega, e do facto de muitos considerarem aquela força política desrespeitadora do princípio constitucional da igualdade, classificando-o como xenófobo e racista, prefere não valorizar essa contenda, “porque se eles se candidatam e têm votos, temos que respeitar a democracia, se não estamos a fazer o que criticámos no regime anterior”. “O Chega é um reflexo das pessoas que estão descontentes e revoltadas com o sistema que temos e com o Governo, mas não significa que venha aí a ditadura”, refere o autarca eleito pela CDU. Fábio Morgado- Presidente da Junta de Arruda dos Vinhos
Na casa dos 30, Fábio Morgado ainda não era nascido em 74, sendo que os ideais de Abril começaram a fazer mais sentido quando acabou o ensino secundário e começou a interessar-se pela política. “O meu avô materno era quem me falava mais dessa época, pois estava em Lisboa na altura, e ficou lá retido. Assistiu a quase tudo in loco. A minha mãe ainda era muito nova e não se recorda. O meu pai ainda estava na escola, acabou por vivenciar mais o pós 25 de Abril, e conta que não houve aulas nesse dia”. Tanto o pai como o avô tiveram uma participação política mais ativa, ligados a partidos de esquerda. Quando lhe perguntamos se a constituição e os valores de Abril estão cumpridos, diz que “há muitos aspetos que se foram cumprindo, e isto deve-se muito ao que foi o espírito de Abril e o que norteou a constituinte. A Constituição Portuguesa é uma das que mais garantias apresenta”. “Os direitos estão lá consagrados, os deveres também, mas ainda falta muito para se cumprirem muitos deles. Para uma parte da população, o direito à habitação, saúde, educação estão cumpridos, mas não para todos. Falta que estes direitos sejam cumpridos para todos os cidadãos de Portugal". Quanto à ascensão de partidos da denominada extrema direita em Portugal e na Europa, considera: "Acho que acima de tudo falta noção do que foi o antes do 25 de Abril. Há quem tenha a ideia de que se não tivesse ocorrido a Revolução não haveria problemas, nomeadamente, na Justiça, mas lembro-me de ouvir a minha avó dizer que uma sardinha tinha que chegar para três, e como tal é isto que temos de reter”. O jovem autarca socialista ainda se lembra de ouvir dizer que “havia uma enorme pobreza em Portugal e um atraso crónico, mas que muitos tentam omitir ou esconder, e assim puxar por um nacionalismo bacoco. Não deixa de ser preocupante, contudo, analisarmos a ascensão de partidos de extrema-direita, pois a culpa é dos políticos que não souberam dar resposta a alguns problemas”. |