O percurso imparável da médica Lurdes Queimado que hoje é investigadora de topo nos Estados Unidos
O seu grupo foi o primeiro no mundo a demonstrar que o cigarro eletrónico destrói o DNA das células, sendo nesse aspeto quase tão maléfico quanto o cigarro comum
|10 Maio 2021 16:39
Sílvia Agostinho Foi para os Estados Unidos em 1996, e o que era para ser apenas uma experiência na sua área de três meses, acabou por ser o início de uma carreira de investigação abundante na área da pesquisa do cancro da cabeça e do pescoço. Lurdes Queimado, 57 anos, é da Pocariça em Olhalvo, concelho de Alenquer, e tem um percurso comandado pelo sonho. Médica, ainda se lembra de andar na escola primária da aldeia, onde desde cedo se fez notar. Oriunda de uma família humilde, o pai a dada altura queria que deixasse de estudar para ajudar no trabalho do campo. Foi o professor primário que convenceu a família a não o fazer. Hoje, e muitos anos depois, está ligada ao Departamento de Otorrinolaringologia, e Cirurgia da Cabeça e do Pescoço (Department of Otolaryngology, Head, & Neck Surgery) da Universidade de Oklahoma.
É professora e investigadora nesta universidade e o seu percurso profissional passa ainda por uma prolífica carreira editorial na sua área. O seu extenso currículo de mais de 77 páginas que enviou ao nosso jornal atesta um percurso imparável desta médica do concelho de Alenquer, que ultimamente tem dado que falar porque o seu grupo de investigação foi o primeiro no mundo a demonstrar algo que ainda não estava científica e cabalmente provado: que o cigarro eletrónico destrói o DNA das células, sendo nesse aspeto quase tão maléfico quanto o cigarro comum. Até meados dos anos 90 trabalhava no Instituto Português de Oncologia em Portugal, e foi aos Estados Unidos apenas para aprender “umas técnicas”. Na altura “o genoma ainda não estava totalmente descodificado e eles aqui na América possuíam conhecimentos para se ir mais além no conhecimento dos tumores das glândulas salivares”. Nessa altura foi convidada para ficar na Universidade do Texas no Southwestern Medical Center. Seguiu uns tempos para a Universidade de Oklahoma. Mas foi ainda em Portugal “onde o bichinho da investigação cresceu tremendamente quando trabalhei no Porto com a equipa do doutor Sobrinho Simões e da professora Raquel Silva com quem aprendi imenso”, recorda-se.
As diferenças na investigação que se faz nos dois países assentam sobretudo nas verbas disponíveis, “até porque se faz muito boa pesquisa em Portugal, mesmo com pouco dinheiro”. Com uma carreira consolidada conta que a pesquisa na área dos tumores das glândulas salivares concentra-se muito na análise da biologia molecular. O tabaco que “causa muitas lesões no ADN das células” é a principal causa deste tipo de cancros e a toxicologia tem sido uma área bastante explorada pela investigadora. Com a explosão sobretudo nos Estados Unidos do uso do cigarro eletrónico, a sua pesquisa tem estado voltada para este dispositivo. A equipa de Lurdes Queimado conseguiu provar que mesmo “uma dose baixa pode provocar danos nas células e no seu ADN”, e com isso funcionar como uma porta aberta para a entrada do cancro e de síndromes no corpo humano. “O cigarro eletrónico altera as proteínas e inibe o nosso organismo de corrigir o dano causado”. Apesar de tudo o tabaco convencional “não deixa de causar mais danos à nossa saúde” do que o cigarro eletrónico, acrescenta Lurdes Queimado, que contudo especifica que as diferenças não são muitas – “Numa análise à primeira vista das células verificamos que o cigarro eletrónico pode causar menos danos, mas, quando vamos analisar mais à lupa a dinâmica celular de uma forma bastante mais específica, aí percebemos que causa tantos malefícios como o tabaco”. OUÇA O ÁUDIO
Este é um trabalho de anos e cada vez mais desafiante porque o mercado nos Estados Unidos assiste a uma explosão de vários tipos de cigarros eletrónicos. “Há mais de sete mil géneros de líquidos dentro destes cigarros que não são todos iguais”. Mais de 25 por cento dos jovens entre os 18 e os 25 anos usam cigarro eletrónico naquele país.
A pesquisa não para e Lurdes Queimado e a sua equipa garantiu um fundo do “National Cancer Institute” nos Estados Unidos no valor de 2,2 milhões de dólares para estudo do impacto do cigarro eletrónico no cancro da cabeça e do pescoço em que serão analisados grupos de pessoas que usam este dispositivo, ou apenas o tabaco tradicional, ou ambos. O cancro da cabeça e do pescoço é o sexto com maior prevalência a nível mundial. A Índia encabeça as estatísticas no que toca à doença associada ao uso do tabaco combustível, enquanto os Estados Unidos estão no topo com o cigarro eletrónico, o que é bem ilustrativo das implicações que o dispositivo acarreta, e da necessidade de se apostar no aprofundar do conhecimento científico, e quando 80 por cento dos seus consumidores têm menos de 50 anos. Por outro lado, e ainda na análise dos efeitos do cigarro eletrónico foi possível comprovar “que as células expostas a estes dispositivos não respondem bem à quimioterapia”. Contudo a polémica quanto a este tipo de cigarros, “ainda prevalece na comunidade científica, como por exemplo, em Inglaterra, onde se pensa que mudar do cigarro combustível para este pode ser uma solução”. “É difícil chegar a um consenso porque é algo relativamente novo e quando existem muitos dispositivos, que vão aparecendo e desaparecendo muito depressa no mercado”. Lurdes Queimado costuma vir todos os anos a Portugal e diz-nos que sente muitas saudades da “família em primeiro lugar”, mas também “da praia e do mar”, dos “campos da nossa região que são lindos”, e do clima “porque aqui praticamente só temos verão e inverno”. “Lembro-me de ir à praia em pequena no trator do meu pai e a distância parecer enorme, mas nós aqui para chegarmos à costa levamos oito a dez horas de carro”. Voltar a trabalhar em Portugal na sua área não esconde que poderia ser uma hipótese mas remota. “Seria bom estar novamente próxima da família”, contudo “em Portugal e nesta área existem muitas capelinhas e seria difícil continuar uma carreira sem voltar ao início”. Oriunda de uma família “onde ninguém foi estudar”, deixa a mensagem – “Não é por sermos de uma pequena aldeia e sem muito acesso à informação que isso nos deve impossibilitar de sonhar mais alto. Se quem nos estiver a ler tiver um sonho não deve deixar de ir atrás dele”. Deixe a sua Opinião sobre este Artigo
|
|
Leia também
Militares da GNR fazem de psicólogos de idosos isolados do concelho de AlenquerEm tempo de pandemia, têm sido estes homens e mulheres, por vezes, um dos poucos pontos de contacto das pessoas que vivem sozinhas
|
História de uma tempestade perfeita onde tudo "correu mal". Passados dois meses do surto que afetou 129 trabalhadores, ouvimos a história na primeira pessoa
|
As vozes e os programas da Rádio que se Ouve em todo o Lado. Associada ao Jornal Valor Local pretende preencher uma lacuna após o desaparecimento, nos últimos anos, de várias estações em FM na nossa região
|
Vertical Divider
|
Notícias Mais Populares
Acidente da Póvoa de Santa Iria: 30 Anos depois a dor continua Suspeita de toma indevida de vacinas em lar de Aveiras de Cima Recolha de resíduos em Azambuja pode ir parar às mãos da dona do aterro ou continuar na Ecoambiente Centrais solares podem levar ao desaparecimento de centenas de espécies de aves da região Assembleia de Freguesia de Azambuja está contra as centrais solares |