Operacionais da região no incêndio de Pedrogão Grande: “Parecia um cenário de guerra”
Socorristas descrevem cenário de horror e a impotência das populações numa experiência que deixará marcas para sempre
Miguel A. Rodrigues
22-06-2017 às 12:00 A Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) de Aveiras de Cima foi das primeiras instituições da região a chegar a Pedrogão Grande no passado sábado, 17 junho. De Aveiras partiram três elementos coordenados por Paulo Silva. Andre Torrão e Valter Almeida completaram a equipa que viveu momentos que jamais esquecerão e partilham à nossa reportagem a experiência e a dor de uma população que perdeu tudo.
A saída do quartel de Aveiras de Cima deu-se por volta das 10 horas da noite de sábado. Os socorristas em causa já viram de tudo, mas não estavam à espera de um cenário tão dantesco como aquele que encontraram, apesar de pelo cominho se irem atualizando com as notícias. “Parecia um cenário de guerra”, recorda Paulo Silva ao Valor Local, salientando que por muito preparado que se esteja, aquilo que encontrou no terreno acabaria por deixar marcas. A equipa esteve baseada primeiro na localidade de Avelar, depois em Castanheira de Pêra, onde pernoitou no quartel dos bombeiros locais. Depois passou para Vilar, onde coordenou cerca de 30 evacuações de várias casas com uma equipa de dez homens e mulheres e uma viatura do INEM. Foi quando tomou em mãos a equipa que se apercebeu da “grande necessidade de evacuação das aldeias”. Paulo Silva fala naquilo que considerou ser uma “excelente coordenação” entre as forças no teatro de operações. Lamenta apesar disso que as comunicações tenham falhado, nomeadamente no sistema do SIRESP que só trabalhava parcialmente. No caso da CVP, refere Paulo Silva, o sistema próprio de comunicações, esteve à altura das necessidades no terreno, embora admita alguma ansiedade nas comunicações para fora, sobretudo através do telemóvel. “Foi difícil para a família, nomeadamente, para quem tem crianças, 3 que ouvia nas notícias situações perturbadoras e não nos conseguia contactar”. A falta de comunicações que limitou o uso do GPS e dos telemóveis, nomeadamente, às equipas que vieram de fora, deu algumas dores de cabeça aos socorristas, todavia “a nossa formação, que é sempre importante, deu-nos ferramentas, nomeadamente, no que toca às cartas militares”. Paulo Silva e a equipa usaram cartas militares para conseguir chegar ao terreno. Muitas das aldeias não tinham acessos “decentes” num cenário destes e por isso, na ausência de comunicações eletrónicas, “a velha carta” acabou por ser uma ferramenta para chegar ao destino. No terreno as dificuldades foram muitas. Mas mais difícil foi para os bombeiros locais. Paulo Silva diz que foi sobretudo penoso para os bombeiros de Castanheira de Pêra terem de socorrer pessoas conhecidas, amigos e familiares e testemunharem a tragédia de pessoas tão próximas. O operacional reforça o carinho dos colegas, de todos os elementos no terreno e claro da população “que foi muito querida e correspondeu às nossas solicitações”. Situações dramáticas vividas nas aldeias
Apesar do carinho manifestado pelas populações, a missão da equipa de Paulo Silva era a de evacuar as habitações em risco. Foram muitas: cerca de trinta as pessoas evacuadas de várias aldeias. O cenário foi dramático. Paulo Silva recorda que muitos não queriam abandonar as suas casas: “São fruto de uma vida de trabalho, temos de entender isso”, mas a perigosidade causada pela proximidade e velocidade do fogo obrigou muitas vezes a medidas mais musculadas. A estratégia foi sempre “abordar as pessoas calmamente e chamá-las à razão e isso nem sempre foi fácil”. A equipa de Paulo Silva “bateu a pé as ruas das aldeias e tentou trazer as pessoas para um ponto de encontro”. Depois esses populares eram recolhidos pelas viaturas. O operacional revela que a formação em psicologia dada pela CVP é importante, “mas o bom senso também o é”. Paulo Silva vinca, entretanto, os momentos de receio e pânico encontrado nas pessoas que teve de evacuar. O facto de irem para fora de casa, incertas quanto a um regresso aos seus lares e em que condições encontrariam as suas casas quando regressassem, ou se voltariam a ver os seus pertences, teve um peso muito significativo em toda a situação à qual se junta a carga dramática vivida. “Notava-se muito a sensação de impotência por parte das pessoas” refere o socorrista que lembra que esta sensação se estendeu também aos operacionais no terreno. “As pessoas quando nos viam desvalorizavam, queriam era ver carros de bombeiros para apagar o fogo, e nós tínhamos de dizer que já vinham aí. Sabendo nós que estavam a colmatar outras situações, e que viriam mas mais tarde. Foi muito difícil… muito”. Barricado em Casa
As pessoas evacuadas no incêndio de Pedrogão Grande tinham uma média idades entre os 50 e os 80 anos. São pessoas que moram muitas vezes isoladas, sendo que a única coisa que possuem na vida, são as suas casas e os seus terrenos. A falta de mobilidade física e o isolamento foram questões que levaram a que muitos resistissem à ajuda. Foi o caso de um homem, amputado das pernas, que se terá recusado a sair de casa. Paulo Silva diz que os relatos dos vizinhos eram contraditórios, fazendo aumentar por vezes a confusão no terreno: “Um vizinho dizia que não estava em casa, e outro referia o seu contrário, e que o homem ainda permanecia na habitação”. O socorrista diz que nesta altura teve de arriscar e por isso pediu apoio à GNR “que esteve sempre connosco e nunca questionou os nossos pedidos”. A GNR acabaria por arrombar a porta e a CVP conseguiria assim retirar o idoso à força pois não queria sair de casa. Mas a CVP tinha a razão do seu lado - “Pouco depois de o retirarmos, o fogo passou por cima da sua casa, e foi “uma sorte” refere o socorrista que tão cedo não apagará da memória este incêndio. CVP de Aveiras ativa na tragédia Para além desta equipa, a CVP responsável pelas missões de socorro tem também uma grande responsabilidade na logística do teatro de operações. De Aveiras partiu também um camião frigorífico e pedido emprestado a uma empresa do Carregado. A equipa composta por Jorge Ferreira, Marco Teles, e Nélson Santos, acabou por desmobilizar, no entanto, a viatura que teria como missão acolher os cadáveres, já que a viatura da Proteção Civil não tinha condições técnicas. José Torres, comandante da Cruz Vermelha de Aveiras de Cima, salientou ao Valor Local o empenho dos seus socorristas. José Torres que tinha uma ideia do que os seus homens iam encontrar desejou-lhes boa sorte, e relembrou que deviam “ter em atenção as questões de segurança”. Por outro lado, agradeceu ao Valor Local a difusão da notícia sobre os donativos para as populações. Em poucos minutos, a notícia do nosso jornal deu frutos e começaram a chegar inúmeros donativos de vários pontos da região ao quartel da Cruz Vermelha. A esta iniciativa juntou-se depois a Câmara de Azambuja que recolheu uma quantidade significativa de alimentos e águas. Aliás José Torres vinca que utilizou o transporte da Câmara para fazer chegar a Pedrogão os donativos. O comandante vinca no entanto que a Cruz Vermelha continua a receber donativos, cujo IBAN aqui deixamos: IBAN PT50 001000003631911000174 Corporações da Região no Terreno Aveiras de Cima, através da Cruz Vermelha, Azambuja e Alcoentre têm ajudado ao combate às chamas no grande incêndio de Pedrogão. Eifel Garcia, comandante dos voluntários de Alcoentre, está desde domingo a ajudar a combater as chamas. O operacional já esteve em várias localidades e não tem ainda, segundo familiares contatados pelo Valor Local, data para regressar a casa. Dos bombeiros de Azambuja, partiu ontem (quarta-feira) mais uma comitiva de quatro elementos para combater as chamas naquela região do país. Aliás os bombeiros de Azambuja participaram desde a primeira hora também no combate a este incêndio. À semelhança de outras tantas corporações, tambem Azambuja evacuou aldeias inteiras e ajudou no que pode no combate a este fogo. Nota de redação: O Valor Local nas suas reportagens escolhe determinado ponto de abordagem que julga ser ilustrativo de determinado caso, situação, acontecimento, e que implica sempre fazer opções independentemente de serem do agrado ou não de outros atores. Somos um jornal livre que procura fazer o seu papel da forma mais independente possível pese embora eventuais pressões que possam surgir ComentáriosAntes de mais, como Português e freguês de Azambuja o meu mais profundo agradecimento e reconhecimento pela disponibilidade e abnegação de todos os elementos das Instituições do concelho de Azambuja envolvidas neste trágico acontecimento.
Se me é permitido o reparo, foi com alguma indignação que li este apontamento do Miguel Rodrigues com o título; Operacionais da região no incêndio de Pedrogão Grande: “Parecia um cenário de guerra” A razão é muito simples. Do longo texto com os relatos de quem esteve no terreno o enfoque está todo na narração do Paulo Silva, elemento da CVP de Aveiras de Cima o que contrasta com o título do apontamento ( Operacionais ) ou seja, plural mais que uma pessoa. Mas não é o que acontece, o enfoque está exclusivamente no elemento e acção da CVP. Apenas no final do apontamento e em dois parágrafos é mencionado a participação dos bombeiros de Alcoentre e Azambuja sem mais nenhum tipo de comentário relevante sobre a intervenção destes nesta tragédia. Será que também os elementos dos bombeiros de Alcoentre e Azambuja não viveram e presenciaram casos semelhantes aos relatados pelo Paulo Silva ? Será que quem esteve sempre na linha de fogo colocando muitas vezes as suas vidas em risco não deveriam ter também uma oportunidade de partilharem as suas experiências com os leitores do Valor Local sobre esta tragédia? Eu penso que sim, porque estes também não ficaram mal na “fotografia” comparativamente com os elementos da CVP. Refiro-me em concreto aos bombeiros de Azambuja, Alenquer e Alcoentre, que a dado momento foi transmitido em directo pelas várias televisões a suas intervenções na defesa de pessoas e bens. Espero dentro de dias poder ler aqui um artigo relatando também alguns testemunhos de quem viveu de muito perto com a devastação e sofrimento daquelas populações. Obrigado Pedro Monteiro Azambuja 23/06/2017 08:35 Como Português e freguês de Azambuja em particular quero agradecer e enaltecer a disponibilidade e espírito de sacrifício de todos os elementos das instituições que estiveram a ajudar as populações. Pretendo também deixar um desafio ao Valor Local. Esta reportagem centra em mais de 90% do enunciado a participação do núcleo da CVP de Aveiras de Cima. Em relação aos bombeiros do concelho; Azambuja e Alcoentre o texto resume-se apenas a dois parágrafos. O Miguel Rodrigues com certeza que sabe que os bombeiros do concelho estiveram desde sábado a participar no combate a incêndios fora da sua zona, nomeadamente no grande incêndio de Pedrogão, aliás todo o país teve oportunidade de os ver a actuar, já que por diversas vezes foram captadas imagens da sua intervenção nos directos das televisões. Miguel, será que estes homens e mulheres também não terão presenciado e assistido de perto ao sofrimento das populações tal como os elementos da CVP de Aveiras e por isso não terão também algum episódio que possam partilhar com os leitores? Claro que terão, e mais, eles estiveram sempre na linha de fogo e não na zona envolvente, colocando muitas vezes em risco a sua própria vida. Por tudo isto eles (bombeiros) merecem mais do que uma síntese de dois parágrafos. Talvez fique para o próximo post do Valor Local. Deixo o desafio ao Miguel Rodrigues. Obrigado. Pedro Monteiro Azambuja 23/06/2017 10:34 |
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