Opinião Catarina Gaspar: "25 de Abril Sempre!"
"Hoje, este Abril é quase cinquentão. Eu sei bem o que isso é. É aquela idade em que começamos a gostar de ficar em casa, confortáveis no nosso sofá, a ouvir uma boa música ou na companhia de um bom livro. Em que beber um copo com os amigos só nos faz sentido se for num sítio sossegado, longe das confusões"
|19 Maio 2022 11:07
Abril faz em 2024 50 anos. Pouco mais velha sou do que ele, por isso sei bem como se sente um cinquentão. Sei bem das alegrias, mas também das dores desta meia-idade!
Lembro-me de o ter visto nascer numa madrugada fria e cinzenta de abril. Criança muito desejada e amada por um país vergado sobre si próprio, onde “vivia o mais infeliz dos povos à beira terra”. Vi nascer essa criança que trazia nas mãos dois cravos vermelhos, a que chamavam esperança e liberdade. Confesso que não entendia muito bem tanta euforia e entusiasmo pelo seu nascimento. Fui aprendendo nos olhos do meu pai, no sorriso da minha avó, na música que tocava na rádio, nas imagens da televisão, no Toica que voltou de Angola, na vizinha Alice que deixou de ir aos sábados a Caxias, nas lágrimas e no abraço do vizinho António que por um dia se esqueceu do luto de um filho desaparecido. Também eu aprendi a amar essa criança, quase da minha idade, como se ama um irmão mais novo! Vivi com ele aquela fase irreverente da adolescência, com borbulhas no rosto é certo, com calças de ganga e sapatos de tacão. Aquela fase de alvoroços, inseguranças, conflitos, mas de sonhos grandes, de fé inquebrável, de convicções fortes na construção da liberdade e da democracia. Depois vi-o crescer, fazer a barba, trabalhar como um danado, e volta e meia via-o olhar-se ao espelho e sair para beber uns copos. Às vezes voltava ziguezagueando pelas calçadas. Um pouco tonto à procura do rumo certo. Coisas necessárias à construção da vida. Dores de crescimento. Aquela fase do casamento, da gravata, da água-de-colónia estrangeira, dos cigarros caros, das calças vincadas e dos sapatos mocassins, também a vivi com ele. Estranhei-o. Senti-o mais distante. Aquele meu irmão, mais novo, acomodou-se. Deixou de estar atento, deixou que o poder que lhe foi dado pelo povo passasse por mãos estranhas e os cravos começassem a ganhar outros aromas e variassem de tom. Muitas vezes o olhei, com medo que se esquecesse do tom rubro dos cravos. Muitas vezes senti que ele tinha vergonha das palavras que tinham marcado o seu nascimento. Muitas vezes julguei que o perdera. Nesse período, vivi com ele também as preocupações e os desassossegos que sentem os irmãos mais velhos, quando percebem que o “benjamim” perdeu a alegria, o entusiasmo e a vontade de lutar pelos valores que o destino lhe traçou: a devolução da liberdade, a afirmação da paz, a consolidação da democracia, a abertura ao desenvolvimento. Hoje, este Abril é quase cinquentão. Eu sei bem o que isso é. É aquela idade em que começamos a gostar de ficar em casa, confortáveis no nosso sofá, a ouvir uma boa música ou na companhia de um bom livro. Em que beber um copo com os amigos só nos faz sentido se for num sítio sossegado, longe das confusões. É aquela idade em que nos acomodamos à rotina e a paixão dá lugar a outros sentimentos menos excessivos e exaltados. Em que nos tornamos um pouco mais egoístas e nos centramos nas nossas próprias prioridades. É aquela idade em que começam as dores físicas, uma dorzinha aqui, outra acolá. Eu sei, porque sou irmã mais velha e o meu “caçula” já vai fazer cinquenta anos. O coração dele já passou por tantas emoções! A vida dele já teve tantos altos e baixos. No seu caminho já ultrapassou tantos obstáculos! E quantas vezes percorreu veredas escuras e húmidas para de novo encontrar o sol! Eu sei, que nesta altura da vida, este Abril pensava que podia finalmente usufruir de bons tempos, consolidada que estaria a liberdade, a paz e a democracia. Aprendida que estaria a história de um povo que renasceu da fome, da escravatura, da prisão e da miséria. Mas os homens nunca aprendem com a história, meu irmão Abril! E cinquenta anos de idade é uma idade tão boa como outra qualquer para voltar à luta. Os tempos de descrédito na democracia e nas suas virtudes, o afastamento dos valores primordiais e essenciais, as tensões e os conflitos que resultam das naturais diferenças de perspetivas sobre a forma de organização do mundo e das sociedades, servem-nos de desculpa para acentuarmos a crescente simpatia por sistemas alternativos que difundem e promovem valores contrários ao modelo que Abril nos ensinou. Meu irmão Abril! Quase meio século de existência e continuas a ser uma fonte de inspiração para todos nós. E continuas a fazer-nos sonhar com um mundo melhor. Vou celebrar o teu aniversário, sim. Celebrar-te é não perder a memória da resistência que devemos honrar. É passar o testemunho às novas gerações para que elas possam renovar os teus valores, para que possam pensar os problemas urgentes e os desafios imperiosos da tua/nossa democracia. É lutar contra o populismo, as desigualdades, a corrupção, o medo e o ódio que sempre a ameaçam. Embora mais velha do que tu, embora me apeteça a quietude e a tranquilidade de uma tarde soalheira, vou continuar a celebrar-te, ano após ano, porque a paz e a liberdade que nos ensinaste é o fundamento da dignidade humana. Continuarei a defender-te, a erguer os braços, a vir para a rua entoar o hino nacional porque desejo que se renova e se aperfeiçoe a democracia que inauguraste. Porque desejo que a tua essência nos convoque a unir, a olhar o futuro. Porque sei que nas tuas mãos os cravos vermelhos, de liberdade e esperança, não envelhecem. Com convicção e orgulho digo: 25 de Abril Sempre! Presidente da Assembleia Municipal de Arruda dos Vinhos (Este artigo faz parte da edição de abril de 2022 em que convidámos quatro presidentes de assembleia municipal da nossa região a escrever sobre o 25 de abril) Comentários Simplesmente Catarina! Maria Francisco 21-05-2022 às 01:34 |
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