A Política e o Natal
Por Joaquim Ramos
Mais um Natal, dirão alguns quando se aproxima a noite em que as famílias se juntam, muitas vezes a única vez no ano que tal acontece. Andamos atarefados nos presentes que poremos nos sapatinhos dos nossos familiares e amigos, nos perus e bacalhaus que iremos comprar e como os pagaremos nestes tempos em que o décimo terceiro mês é, para uma grande maioria dos Portugueses, esfumado nas despesas correntes dos meses pelos quais o seu pagamento foi repartido.
Mas, no meu ponto de vista, este é um Natal diferente dos últimos natais que os portugueses têm passado. É que, pela primeira vez em muitos anos, temos um governo apoiado por partidos cujo ideário político e princípios fundamentais se baseiam nos mesmos princípios humanísticos que norteiam o espírito do Natal: a solidariedade, a maior igualdade entre todos, a entreajuda e o calor humano.
Não estou com isto a dizer que estes princípios são património exclusivo da esquerda. Não. Eu próprio trabalhei e vivi com pessoas de Direita – e vem-me logo e em primeiro lugar à cabeça o Eng. Nuno Abecasis – para quem estes são também vectores que prevalecem no seu pensamento e acção políticos. Mas uma coisa são os princípios e outra é a prática. E a prática, nos anos em que a Direita tem governado o País, particularmente no último quadriénio, não foi nada consentânea com aqueles o humanismo natalício : cavou-se o fosso maior entre ricos e pobres, lançaram-se milhares de famílias no desemprego, obrigaram-se centenas de milhares de jovens a desistir do seu País, entre outros desmandos governativos.
Eu tenho uma interpretação para o facto de, pela primeira vez em quarenta anos, poder vir a ter sucesso- e espero sinceramente que o tenha – uma governação do Partido Socialista apoiado pelos partidos à sua esquerda. Não acredito, no entanto, que num ápice, uma esquerda e extrema-esquerda que elegeram o Partido Socialista como inimigo principal a abater, se tenham tornado nuns entusiastas apoiantes do Governo Costa. Mais o Bloco que o PCP. Mas isso é natural. O Bloco de Esquerda é a mais recente agregação ideológica aparecida em Portugal com consistência, não tem princípios rígidos e alberga várias matizes ideológicas que se adaptam com alguma facilidade às circunstâncias e à natural evolução da Sociedade, à excepção dalgumas franjas que vêm da militância hardcore da UDP e similares.
Não é o caso do PCP – uma ideologia velha de duzentos anos, forjada nas lutas operárias e na clandestinidade, com princípios rígidos e imutáveis e cujos militantes, mesmo que nascidos depois de oitenta e nove, continuem pendurados no Muro de Berlim, fingindo que ele não se desmoronou. Por isso eu – que faço força para que esta solução governativa resulte, a bem dos portugueses – receio mais que ela se quebre pelo lado do PCP que do Bloco de Esquerda.
Mas há uma constatação que me dá esperança – daí essa minha interpretação que, se calhar, não agradará a muitos : eu acho que o PCP e o Bloco aprenderam a lição de 2011 e não querem que ela se repita.
Temem que os portugueses lhes continuem a apontar, como o fizeram até hoje, o pecado de terem sido eles quem, de facto, em 2011, entregaram de bandeja e com maioria absoluta a poder à Direita, que durante quatro anos relegou o Estado Social para a gaveta dos fundos ee renegou a generalidade dos princípios que eles defendem e dos quais fazem a sua bandeira política.
Porque, na verdade, foi a sua aliança com o PSD e o PP que derrubou o Governo Sócrates e escancarou as portas à Troika, quando a Europa e o Banco Central Europeu já tinham aprovado as medidas contidas no PEC IV. E não querem, agora, voltar a ser acusados de, mais uma vez, depôr o poder nas mãos da Direita, que é o que acontece se este Governo não se aguentar. Aliás, foi notória a mudança radical de discurso dos dirigentes dum e doutro – mais de Catarina Martins do que de Jerónimo de Sousa – na noite em que perceberam que o destino do País estava nas suas mãos.
Espero que assim se mantenham. Espero que este espírito natalício que apela à tolerância, à luta contra a desigualdade qualquer que ela seja e ao humanismo, se estenda muito para além da época de Natal e que nos aproximemos do velho sonho, tantas vezes garantido e tão poucas concretizado, de ser Natal todo o ano.
Bom Natal e um Bom ano de 2016 para todos.
(texto integrante da edição impressa de dezembro do Valor Local)
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