Opinião Joaquim Ramos: "Animais e as suas leis""Mas, na verdade, a maioria das leis são empurradas por uma consciência coletiva que traduz uma mudança na forma como se olha para uma minoria, para um semelhante, para um animal."
12-11-2018 às 16:14
![]() As leis mudam à medida que a sociedade se altera. Normalmente com atrasos significativos, mas acabam por mudar. O processo de fazer leis é uma caminho frio, cauteloso, oportunista. Antes de se votar uma lei tem que se fazer um longo caminho de consensos, o legislador tem que se rodear das cautelas próprias de quem avalia todas as implicações dum acto que não é facilmente reversível. Mas acima de tudo, tem que se avaliar da oportunidade da futura lei, ou seja, da sua aceitação pela sociedade. Salvo raras exceções, esta avaliação, na prática, resume-se a avaliar se dá ou não mais votos. Por isso o processo legal é oportunista.
Mas, na verdade, a maioria das leis são empurradas por uma consciência coletiva que traduz uma mudança na forma como se olha para uma minoria, para um semelhante, para um animal. Há vários anos que a sociedade portuguesa vem produzindo leis que protegem e conferem direitos aos animais. Isso apenas significa que, felizmente, pelo menos uma parte significativa dos portugueses ganhou uma nova visão sobre os animais. Há poucas dezenas de anos a função dos canis municipais era guardar cães, muitas vezes em condições “abaixo de cão”, para depois lhes dar um destino final – a morte – caso ninguém os reclamasse num determinado prazo. Era aquilo a que, em saúde pública, se chamava luta anti-rábica, que justificava a morte dos cães com o controlo da raiva. Houve até um presidente de Câmara que ficou conhecido pelo Mata-Cães, pois a sua obra maior foi livrar a terra duma epidemia canina. Ganhámos uma nova forma de olhar os animais. Não é que eu tenha uma simpatia especial pelo PAN – Partido dos Animais e Natureza -, nem sei o nome do único Deputado que tem. Mas nunca olhei um animal como uma besta de trabalho, um brinquedo, uma fonte de proteínas. Encarei-os sempre como seres com direitos que deveriam ser protegidos. Coloquei-me primeiro num patamar moral, mas cedo percebi que era preciso uma plataforma legal que lhes reconhecesse direitos e os protegesse da brutalidade humana. Talvez porque cresci ao pé das vacas dos meus avós, conhecia cada uma pelo seu nome, as suas teimas e reações e dormia a sesta no feno da manjedoura, a sentir-lhes o calor do bafo. Talvez porque não me lembro de haver um tempo da minha vida em que não houvesse pelo menos um cão em casa – o que me fez, penso eu, considerá-los como “moradores”. Hoje em dia a lei obriga a que os canis municipais, num espaço de poucos anos, tenham condições para que os animais vivam com a dignidade que devem ter e os Tribunais já decretaram penas aos abusadores de animais. É um bom sinal. É a consciência da sociedade a ditar a lei, como em tudo e, a meu ver, um sinal positivo da evolução da espécie humana. Na minha vida profissional, estou agora envolvido num estudo para um canil intermunicipal que respeita todas as condições que a lei impõe: tem celas individuais amplas e arejadas, espaços comuns de exercício e recreio, enfermaria, sala de lavagens e tosquias e, até, um hotel para cães. Como vão longe os tempos da luta anti-raiva… Tudo começa por uma atitude moral. Uma abordagem diferente. Uma chamada de atenção para coisas que muitas vezes nos escapam. Sim, porque às vezes, basta chamar a atenção. Um dia passava por uma das aldeias do nosso Concelho, e vi um homem ao lado duma carroça puxada por uma burra velhinha, velhinha, daqueles velhinhos de passos miudinhos e casquinhados. Mas o homem queria ir mais depressa e espancava o animal com uma vara- o que não influenciava em nada o andamento, porque a burra não andava mais. Era demasiado velha. “Saltou-me a tampa”, como diz a nova geração, e perguntei-lhe: ”O senhor já viu que esta burra tem a idade equivalente à da sua avó? Gostava que fizessem isso à sua avó?”. O homem hesitou, pensou um bocado, fraquejou-lhe a rudez da cara e dos gestos e respondeu-me: ”Tem razão. Nunca mais bato à burra!”.
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