"Tauromaquias"
Por Joaquim Ramos
20-08-2016 às 22:00
Às vezes sou atacado por esta angústia de não saber decidir sobre que tema escrever quando sou convidado para uma crónica de tema livre. Vou falar sobre o Brexit? Vou falar sobre as sanções da Comunidade, zero ou não? Não há cão nem gato que não tenha já emitido a sua opinião sobre estes temas...Sobre temas de política local não falo, por razões óbvias.
Mas desta vez a minha opção foi facilitada porque um dos temas fortes desta edição do ValorLocal – sei-o porque o Miguel Rodrigues tem porr hábito dizer-me os temas antecipadamente, para o caso de eu querer escrever sobre eles – é o futuro dos praças de toiros e, implicitamente, da Tauromaquia em geral.
Como devem calcular, este é um tema particularmente sensível para mim. Porque foi o Executivo Municipal por mim liderado que tomou a decisão de construir uma praça de toiros em Azambuja quando a precária praça antiga foi definitivamente interditada por razões de segurança e enquadramento legal. Mas fui eu o principal responsável, não só por ser eu o Presidente de Câmara – qualquer Presidente de Câmara é, em ultima instância, o principal responsável pelas decisões do Executivo – mas também porque fui eu quem propôs à Câmara esse obra. Acrescento que tive sempre o apoio dos restantes Vereadores do PS nessa decisão.
Não vale a pena recordar a contestação que surgiu duma parte da população – principalmente na zona média e alta do Concelho – nem voltar a expressar as razões que levaram a fazer tal proposta e a tomar a decisão. Continuo, seis anos volvidos, a pensar que a não existência duma praça de toiros – mesmo que pouco utilizada – constituiria um golpe profundo numa parte significativa na nossa cultura tradicional: acabariam por desaparecer a escola de toureio, os forcados, a Poisada do Campino, que se justificam porque a Tauromaquia e as questões com ela relacionadas é o cerne da nossa identidade. Seria óbvio que, volvidos poucos anos, seríamos apenas um dormitório de Lisboa, sem manifestações culturais nem “genes” identitários. Por alguma razão a generalidade dos Municípios ribatejanos da Lezíria têm uma praça de toiros. Azambuja seria a excepção.
Devo dizer que, pessoalmente, tenho uma posição muito concreta sobre as manifestações tauromáquicas. Subscrevo o Canal dos Toiros espanhol, não só pelas corridas, mas pelas excelentes reportagens que transmite sobre o toiro no seu habitat natural : os cuidados na sua selecção e apuramento de raça, a liberdade total de quatro anos, aquele misticismo da lezíria ribatejana ou dum montado de Andaluzia onde os toiros se misturam com a paisagem e a natureza que os envolve, as tentas de bezerras, o apartar dos machos, as corridas diárias para ganharam ritmo. Mas subscrevo-o também porque acho a corrida espanhola uma manifestação de arte, que se pode ver ao mesmo tempo como um duelo de vida e morte e como um ballet entre toiro e toureiro. Em Espanha as coisas são, neste campo, tratadas com profissionalismo, arte, emoção e, acima de tudo, seriedade e regras. As praças estão cheias – com bilhetes bem pagos...- e o público sabe quando deve pedir orelha, aplaudir ou vaiar. E os toureiros sabem avaliar o seu desempenho e têm – mesmo as grandes figuras como Manzanares, Castella ou Ponce – a humildade de pedir ao público apenas aquilo que mereceram.
Infelizmente, não é nada disto que se passa em Portugal. Nas corridas à portuguesa não há regras – ou se as há não são cumpridas-, as lides arrastam-se penosamente, os cavaleiros dão voltas e voltas à arena, primeiro a cavalo e depois a pé, mesmo que tenham espetado os ferros à surrelfa na parte traseira do animal. E que me desculpem os que se sentirem visados, mas há uma grande parte do público que vai às praças – normalmente com um esforço financeiro dos Municípios – que é totalmente ignorante em termos do que é uma actuação em que todos os participantes devem ser respeitados, aplaude tudo o que o cavaleiro faz e exige sempre mais um ferro mesmo que dois ou três não tenham acertado no toiro. Não há o menor sentido crítico nem em termos de actuação nem de qualidade da mesma. Só em casos extremos vou a uma corrida em Portugal.
E devo dizer também, sem quaisquer preconceitos ou receios de ferir sensibilidades, que me parece inevitável que, a longo prazo, se venha a generalizar o que já aconteceu na Catalunha, que proibiu as corridas de praça. Não tenhamos ilusões : o rodar dos tempos e das mentalidades corre a favor dos “defensores dos direitos dos animais”. Ponho o título entre aspas porque não lhes reconheço, à maior parte, essa qualidade de paladinos do bem estar dos seres vivos em geral: nunca os vi esbracejar com a criação intensiva de porcos, coelhos, vacas, galinhas, confinados a espaços mínimos e alimentos transgénicos para criar “fibra” em tempo recorde, nem à carnificina que se passa nalguns matadouros industriais.
Quer isto dizer que eu acho que a tauromaquia não tem futuro? Claro que tem. Quando se começarem a explorar as potencialidades turísticas e lúdicas das actividades taurinas de campo – como já se faz há anos em Espanha e especialmente na Camarga francesa e começa agora a esboçar-se em Portugal. E penso também que a tauromaquia de rua, as largadas e esperas de toiros, os encierros e todas essas manifestações que movimentam multidões irão contribuir para uma nova visão da Tauromaquia em Portugal.
Poderá então perguntar-se porque raio de contradição é que, tendo eu uma visão da evolução da tauromaquia como espectáculo, como uma actividade de natureza ou de rua, assumi a decisão de construir uma praça de toiros.
Responderia que não só pelas razões que acima expliquei, mas também porque uma praça de toiros pode ser concebida para ter muitos outros tipos de actividades, como aliás a de Azambuja já tem tido: espectáculos tauromáquicos das mais diversas índoles, concertos, manifestações tradicionais de folclore e etnografia a cargo das Associações dos Concelho e até, em minha opinião, feiras e mercados temáticos ao ar livre – na arena- ou nos espaços sob as bancadas. Tem espaço, tem casas de banho condignas e em número suficiente, tem bares. Já o referi à ACISMA. É pôr a imaginação a trabalhar: um mercado mensal de produtos do Concelho, uma Feira de Velharias, uma Feira de Saldos dos comerciantes do Concelho, um encontro de folclore, representações de cenas da lezíria e do Tejo. Aquele é um espaço, talvez o único espaço, que tem possibilidades para um uso polivalente que o rentabilize e justifique. É só uma questão de, em vez de dizer à partida “ não pode ser”, começarmos a pensar o que e como “pode ser”.
Por Joaquim Ramos
20-08-2016 às 22:00
Às vezes sou atacado por esta angústia de não saber decidir sobre que tema escrever quando sou convidado para uma crónica de tema livre. Vou falar sobre o Brexit? Vou falar sobre as sanções da Comunidade, zero ou não? Não há cão nem gato que não tenha já emitido a sua opinião sobre estes temas...Sobre temas de política local não falo, por razões óbvias.
Mas desta vez a minha opção foi facilitada porque um dos temas fortes desta edição do ValorLocal – sei-o porque o Miguel Rodrigues tem porr hábito dizer-me os temas antecipadamente, para o caso de eu querer escrever sobre eles – é o futuro dos praças de toiros e, implicitamente, da Tauromaquia em geral.
Como devem calcular, este é um tema particularmente sensível para mim. Porque foi o Executivo Municipal por mim liderado que tomou a decisão de construir uma praça de toiros em Azambuja quando a precária praça antiga foi definitivamente interditada por razões de segurança e enquadramento legal. Mas fui eu o principal responsável, não só por ser eu o Presidente de Câmara – qualquer Presidente de Câmara é, em ultima instância, o principal responsável pelas decisões do Executivo – mas também porque fui eu quem propôs à Câmara esse obra. Acrescento que tive sempre o apoio dos restantes Vereadores do PS nessa decisão.
Não vale a pena recordar a contestação que surgiu duma parte da população – principalmente na zona média e alta do Concelho – nem voltar a expressar as razões que levaram a fazer tal proposta e a tomar a decisão. Continuo, seis anos volvidos, a pensar que a não existência duma praça de toiros – mesmo que pouco utilizada – constituiria um golpe profundo numa parte significativa na nossa cultura tradicional: acabariam por desaparecer a escola de toureio, os forcados, a Poisada do Campino, que se justificam porque a Tauromaquia e as questões com ela relacionadas é o cerne da nossa identidade. Seria óbvio que, volvidos poucos anos, seríamos apenas um dormitório de Lisboa, sem manifestações culturais nem “genes” identitários. Por alguma razão a generalidade dos Municípios ribatejanos da Lezíria têm uma praça de toiros. Azambuja seria a excepção.
Devo dizer que, pessoalmente, tenho uma posição muito concreta sobre as manifestações tauromáquicas. Subscrevo o Canal dos Toiros espanhol, não só pelas corridas, mas pelas excelentes reportagens que transmite sobre o toiro no seu habitat natural : os cuidados na sua selecção e apuramento de raça, a liberdade total de quatro anos, aquele misticismo da lezíria ribatejana ou dum montado de Andaluzia onde os toiros se misturam com a paisagem e a natureza que os envolve, as tentas de bezerras, o apartar dos machos, as corridas diárias para ganharam ritmo. Mas subscrevo-o também porque acho a corrida espanhola uma manifestação de arte, que se pode ver ao mesmo tempo como um duelo de vida e morte e como um ballet entre toiro e toureiro. Em Espanha as coisas são, neste campo, tratadas com profissionalismo, arte, emoção e, acima de tudo, seriedade e regras. As praças estão cheias – com bilhetes bem pagos...- e o público sabe quando deve pedir orelha, aplaudir ou vaiar. E os toureiros sabem avaliar o seu desempenho e têm – mesmo as grandes figuras como Manzanares, Castella ou Ponce – a humildade de pedir ao público apenas aquilo que mereceram.
Infelizmente, não é nada disto que se passa em Portugal. Nas corridas à portuguesa não há regras – ou se as há não são cumpridas-, as lides arrastam-se penosamente, os cavaleiros dão voltas e voltas à arena, primeiro a cavalo e depois a pé, mesmo que tenham espetado os ferros à surrelfa na parte traseira do animal. E que me desculpem os que se sentirem visados, mas há uma grande parte do público que vai às praças – normalmente com um esforço financeiro dos Municípios – que é totalmente ignorante em termos do que é uma actuação em que todos os participantes devem ser respeitados, aplaude tudo o que o cavaleiro faz e exige sempre mais um ferro mesmo que dois ou três não tenham acertado no toiro. Não há o menor sentido crítico nem em termos de actuação nem de qualidade da mesma. Só em casos extremos vou a uma corrida em Portugal.
E devo dizer também, sem quaisquer preconceitos ou receios de ferir sensibilidades, que me parece inevitável que, a longo prazo, se venha a generalizar o que já aconteceu na Catalunha, que proibiu as corridas de praça. Não tenhamos ilusões : o rodar dos tempos e das mentalidades corre a favor dos “defensores dos direitos dos animais”. Ponho o título entre aspas porque não lhes reconheço, à maior parte, essa qualidade de paladinos do bem estar dos seres vivos em geral: nunca os vi esbracejar com a criação intensiva de porcos, coelhos, vacas, galinhas, confinados a espaços mínimos e alimentos transgénicos para criar “fibra” em tempo recorde, nem à carnificina que se passa nalguns matadouros industriais.
Quer isto dizer que eu acho que a tauromaquia não tem futuro? Claro que tem. Quando se começarem a explorar as potencialidades turísticas e lúdicas das actividades taurinas de campo – como já se faz há anos em Espanha e especialmente na Camarga francesa e começa agora a esboçar-se em Portugal. E penso também que a tauromaquia de rua, as largadas e esperas de toiros, os encierros e todas essas manifestações que movimentam multidões irão contribuir para uma nova visão da Tauromaquia em Portugal.
Poderá então perguntar-se porque raio de contradição é que, tendo eu uma visão da evolução da tauromaquia como espectáculo, como uma actividade de natureza ou de rua, assumi a decisão de construir uma praça de toiros.
Responderia que não só pelas razões que acima expliquei, mas também porque uma praça de toiros pode ser concebida para ter muitos outros tipos de actividades, como aliás a de Azambuja já tem tido: espectáculos tauromáquicos das mais diversas índoles, concertos, manifestações tradicionais de folclore e etnografia a cargo das Associações dos Concelho e até, em minha opinião, feiras e mercados temáticos ao ar livre – na arena- ou nos espaços sob as bancadas. Tem espaço, tem casas de banho condignas e em número suficiente, tem bares. Já o referi à ACISMA. É pôr a imaginação a trabalhar: um mercado mensal de produtos do Concelho, uma Feira de Velharias, uma Feira de Saldos dos comerciantes do Concelho, um encontro de folclore, representações de cenas da lezíria e do Tejo. Aquele é um espaço, talvez o único espaço, que tem possibilidades para um uso polivalente que o rentabilize e justifique. É só uma questão de, em vez de dizer à partida “ não pode ser”, começarmos a pensar o que e como “pode ser”.
Comentários
Escrita Bem Planeada de Forma de Simples Leitura, só Poderia ser de uma Pessoa Simples, Honesta nas Suas Convicções e Muito Afirmativo.
Dtr Joaquim Ramos foi Um Bom Presidente do Povo e Respeitando a Cultura do Mesmo.
Bem Aja e Muito Obrigado por Este Bom Texto! Sempre Grato Ernesto Manuel
Ernesto Ferreira
Alenquer
seg 22/08/2016 11:16
Dtr Joaquim Ramos foi Um Bom Presidente do Povo e Respeitando a Cultura do Mesmo.
Bem Aja e Muito Obrigado por Este Bom Texto! Sempre Grato Ernesto Manuel
Ernesto Ferreira
Alenquer
seg 22/08/2016 11:16