Opinião João Santos: Riscos Existenciais: estará a “Hipótese da Dobradiça da História” a concretizar-se?
O ponto em que nos encontramos corresponde a “apenas” mais um dos períodos de maior dinâmica transformadora que vão ocorrendo ciclicamente ao longo dos tempos
|30 Mar 2021 17:19
Nunca o mundo registou tantas alterações como nos últimos duzentos anos. Este processo de transformação acentuada teve início com a Revolução Industrial. Em pouco mais de dois séculos, passámos da chamada “Indústria 1.0” para a “5.0”. Esta última, segundo muitos especialistas, a dar agora os primeiros passos.
Durante grande parte da sua existência, o Homem conviveu com a ideia de que somente o embate de um asteroide na Terra ou algum acontecimento de natureza transcendental poderiam desencadear a sua extinção. Mais tarde, com a evolução do conhecimento, veio também a reconhecer-se, por exemplo, o potencial cataclísmico dos supervulcões. Na atualidade, é ainda possível conceber outras formas de risco para a Humanidade, mas cujo impacto se projeta para um futuro relativamente distante. É disso exemplo a problemática da emergência climática. Mesmo que decidíssemos não combater o flagelo das alterações climáticas, dificilmente a Terra deixaria de ser habitável. Tornar-se-ia, decerto, menos resiliente e mais vulnerável a eventuais fontes adicionais de choque (fossem elas de origem natural ou antropogénica), mas não totalmente inabitável. No contexto deste texto, merece também destaque o vertiginoso crescimento económico que a história económica contemporânea regista. Este crescimento, impulsionado por uma transformação tecnológica sem precedentes, leva alguns académicos a afirmar que a realidade do presente não terá sustentação num futuro mais ou menos longínquo. Numa outra perspetiva, mais fatal, se considerarmos o cenário plausível de um acontecimento nuclear, a eventualidade de crises sanitárias como a pandemia por Covid-19 e a possibilidade verosímil de acontecimentos desta natureza poderem ser planeados, a probabilidade de extinção da Humanidade aumenta definitivamente. Outro desenvolvimento atual a merecer o alerta da comunidade científica mundial é a Inteligência Artificial. De acordo com especialistas das diversas áreas do conhecimento, todos os aspetos desta dimensão tecnológica devem ser cuidadosamente programados. De outro modo, os resultados poderão ser catastróficos. De acordo com o filósofo britânico Derek Parfit (1942-2017), “em breve, teremos ainda mais poder para transformar não só o ambiente em que vivemos, mas para nos transformarmos enquanto seres humanos e aos nossos sucessores. Só agindo com sabedoria nos próximos anos a Humanidade sobreviverá ao seu período mais perigoso e decisivo.” Um outro filósofo, o australiano Toby Ord, refere que “nos encontramos atualmente num momento muito especial da história da Humanidade, na medida em que as nossas ações têm potencial plausível para destruir o mundo.” Na verdade, não restam dúvidas de que atravessamos um tempo incomum. Ainda assim, também não é menos é certo que para outros proeminentes pensadores contemporâneos, o ponto em que nos encontramos corresponde a “apenas” mais um dos períodos de maior dinâmica transformadora que vão ocorrendo ciclicamente ao longo dos tempos. É o que pensa o professor William MacAskill, da Universidade de Oxford (Inglaterra). Este filósofo escocês defende que a história dos seres humanos poderá vir ainda a “estender-se por biliões de anos”. Para além disso, também salienta que o progresso da Humanidade resulta de um processo de desenvolvimento já com dezenas ou centenas de milhares de anos (dependendo do momento considerado para reconhecer a relevância do papel histórico das civilizações). Assim sendo, se o objetivo é identificar o século mais crítico da história do ser humano, MacAskill refere que não é possível ignorar os biliões de anos que, potencialmente, temos pela frente. O filósofo remata o seu pensamento desta forma: “de todos estes anos, se o atual momento fosse o mais influente […] isso seria uma coincidência extraordinária, o que nos deve levar a desconfiar de qualquer raciocínio que nos conduza até essa conclusão.” Finalmente, independentemente das conceções filosóficas que relativizam o período que atravessamos e das que, ao invés, asseguram estarmos a viver a “dobradiça da História”, os filósofos contemporâneos não deixam de concordar em absoluto quanto à existência de algumas evidências que tornam este século excecionalmente importante. Por essa razão, as principais preocupações da atualidade merecem amplo consenso. Não restam dúvidas de que o combate aos chamados “riscos existenciais” requer uma maior determinação política nos processos de alocação de recursos aos setores considerados prioritários (saúde, ambiente, ética, solidariedade e dignidade). Só assim se reverterá o curso das atividades humanas perigosas e se mitigará as ameaças reais para o futuro próximo da Humanidade. |
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