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Opinião João Santos: "Vacina contra a Covid-19? Devemos estar otimistas, mas sem dispensar uma boa dose de realismo""Embora a esperança e o otimismo sejam indispensáveis nos tempos que atravessamos, também é crucial fazer uso de transparência (...) o pior inimigo de um Programa de vacinação contra a Covid-19 em Portugal seria o sentimento coletivo de falsa segurança."
12-11-2020 às 10:48
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Um programa de imunização pode oferecer-nos alguma proteção, mas não garante o “regresso à normalidade", referem os imunologistas.
Nesta fase, a esperança está depositada n’A Vacina. Muito se tem falado sobre como o mundo regressará ao normal quando A Vacina estiver amplamente disponível. No entanto, de acordo com muitos virologistas, isso não corresponde inteiramente à verdade. É muito importante que estejamos todos esclarecidos acerca do que A Vacina nos permitirá alcançar. As vacinas protegem-nos contra doenças e, em alguns casos, também contra infeções, mas nenhuma vacina é 100% eficaz. Para antecipar a proporção de uma comunidade que alcançará a imunidade no seguimento de um programa de vacinação, é necessário fazer uso de alguma aritmética. De acordo com os especialistas, deve multiplicar-se a proporção vacinada de uma população pela efetividade da vacina. De acordo com dados do Observador.pt, Portugal tem atualmente uma das maiores coberturas nacionais de vacina contra gripe do mundo, tendo sido vacinados, na época gripal 2019/2020, cerca de 76% dos portugueses com 65 ou mais anos. Esta era, aliás, uma das metas estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde. Quanto aos portadores de doenças crónicas, a percentagem de cobertura da vacina contra a gripe em Portugal foi de 72% na mesmo período (2019/2020). Assim, em Portugal, é expectável que esta ordem de grandeza no nível de cobertura, quer na classe etária dos 65 anos ou mais, quer no conjunto dos portadores de doenças crónicas, possa ser igualmente alcançada no âmbito de um eventual programa de vacinação contra a Covid-19. Ainda com muita relevância para esta análise, de acordo com dados do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, referentes à época 2018/2019, a efetividade da vacina contra a gripe nos grupos-alvo da vacinação foi de 59%. Portanto: (1) Considerando a aritmética conhecida; (2) Constatando que, em Portugal, de acordo com dados da época gripal 2019/2020, a vacina contra a Covid-19 poderá vir a ser ministrada a 76% da população considerada de maior risco; (3) e Conhecendo a taxa de efetividade da vacinação contra a gripe nos grupos de risco, que foi de 59% em 2018/2019; (4) Concluímos que há uma forte probabilidade de “somente” cerca de 45% dos grupos-alvo se tornarem imunes após uma campanha de vacinação contra a Covid-19 em Portugal. Na verdade, de acordo com os dados disponíveis, é expectável que um programa de vacinação contra a Covid-19 proteja, ou imunize, 59% dos 76% de vacinados, isto é, cerca de 45% da população-alvo. Podemos então admitir que este nível de eficácia não seria suficiente para impedir a circulação do vírus em Portugal. Mais de metade dos grupos populacionais de maior risco permaneceriam suscetíveis ao contágio, e sem que pudéssemos conhecer com rigor a identidade dos mais vulneráveis. Ao olharmos com atenção para estes números, parece óbvio que, mesmo com um plano de vacinação contra a Covid-19 ativo em Portugal, o relaxamento das regras de distanciamento social seria um erro crasso. Para além de protegerem cada indivíduo, as vacinas podem proteger comunidades completas, pois permitem interromper o processo de transmissão. Mas para esse grande objetivo ser alcançado, são necessários elevados níveis de proteção (cobertura x efetividade da vacina) em todas as idades. Só deste modo será possível garantir o sucesso de um eventual Programa contra a Covid-19 em Portugal. Só assim se assegura que inclusivamente os que não são vacinados também não são contagiados pelos seus contactos mais próximos, pois a maioria destes contactos estará vacinada. E mesmo que Portugal adote uma estratégia de interrupção da transmissão em detrimento de uma política de proteção individual, os obstáculos não desaparecerão. A eficácia deste processo dependerá muito do sucesso alcançado na vacinação (provavelmente com duas doses, referem os especialistas) de pessoas que não se consideram de “risco elevado”. A este propósito, um dos grandes desafios será convencer os jovens a serem vacinados, não para seu próprio benefício, mas para o benefício de outras pessoas. E, de acordo com dados do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, acrescerá um outro problema relativamente a estes grupos populacionais: a efetividade da vacina contra a gripe é francamente menor nestes grupos. “A maior percentagem de falhas da vacina ocorreu no grupo etário dos 15 aos 44 anos”, refere aquele Instituto em relatório relativo à época gripal 2018/2019. Embora a esperança e o otimismo sejam indispensáveis nos tempos que atravessamos, também é crucial fazer uso de transparência. Por todos os argumentos apresentados anteriormente, o pior inimigo de um Programa de vacinação contra a Covid-19 em Portugal seria o sentimento coletivo de falsa segurança. Portanto, mesmo com um Programa de vacinação em desenvolvimento no nosso país, as atuais regras de prevenção deverão, necessariamente, manter-se ativas durante bastante mais tempo. De outro modo, recuperar “a vida tal como a conhecíamos” continuará a ser uma miragem para todos nós. |
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