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Opinião Joaquim Ramos: "John D'Leon""O meu amigo Serafim, o Joaquim Moreira, o
John D´Leon na primeira edição para não ferir suscetibilidades, publicou o mês passado “Amores em tempo de guerra”, com tanto sucesso que já está a preparar a segunda edição, mas agora sem se refugiar em pseudónimos. Vale a pena lê-lo." |
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30-10-2019 às 18:22
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A minha crónica deste mês sairá um pouco dos seus moldes habituais. Não é que o mês de Outubro não tenha sido um mês recheado de acontecimentos que mereçam a atenção de qualquer cidadão interessado no dia a dia do seu País e do Mundo: as eleições para a Assembleia da República, a nível interno, o Brexit e a Catalunha a nível internacional, são matérias que dariam pano para mangas a nível de comentários e observações. Mas, singularmente, surgiu um acontecimento a nível da nossa terra que me merece que lhe dedique particular atenção: o meu amigo Serafim publicou um livro. Eu insisto em tratá-lo por Serafim, porque era assim que era conhecido na escola primária, embora o seu nome “oficial” seja Joaquim Moreira. Não é todos os dias que um azambujense publica um livro e, em especial, o processo que trouxe à luz o livro do Serafim é todo ele uma história de vida, da transformação social da nossa terra desde há cinquenta anos para cá, de como foi formada e evoluiu uma geração que é a minha e a dele. Por isso o livro “Amores em tempo de guerra” do meu amigo Serafim, ou melhor, do Joaquim Moreira, ou melhor, do John D´Leon, pseudónimo que escolheu para mascarar a primeira edição, será hoje o primeiro tema desta minha crónica.
Nos meus tempos de escola primária, a velha escola paroquial que é hoje a Biblioteca de Azambuja, coexistiam na aprendizagem das primeiras letras e números diversos tipos de meninos e meninas. Tantos como as estratificadas classes sociais que nesses tempos de estanquicidade social se ignoravam na comunidade, desenvolvendo relações que eram, quase exclusivamente, do tipo laboral. Havia os patrões e os empregados, os pobres, os remediados e os ricos, os instruídos e os analfabetos, os bem nascidos e os mal nascidos e só muito pontualmente esses diversos estratos sociais se entrecruzavam. A escola primária era um desses lugares e nós tivemos o privilégio de ter professores para os quais todos éramos iguais, independentemente do sítio onde vivíamos, dos rendimentos dos nossos pais ou dos amigos que frequentávamos. Rico ou pobre, calçado ou descalço, aprendíamos as mesmas letras, serras e rios e levávamos as mesmas reguadas e orelhas de burro. O Serafim era do Alto da Torre. Era um rapaz quezilento, agressivo – pelo menos assim o entendia – de quem os meninos da Vila tinham medo, particularmente eu que com ele mantive algumas guerras de criançada, sempre perdidas para o meu lado, porque ele era forte, violento e “danado para a porrada”, como dizia o Professor Mota. Só muitos anos mais tarde, não porque ele mo dissesse, mas ao ler um extraordinário Conto que ele publicou no Facebook – O Lobo – percebi as razões daquela agressividade juvenil que o tornavam no terror do Alto da Torre, pelo menos nos meus pesadelos. A escola acabou e as nossas vidas desencontraram-se: eu fui para Lisboa e o Serafim arregimentou-se como paraquedista na guerra colonial para fugir à miséria doméstica, como tantos, e foi bater com os costados em Angola. Muitas décadas se passaram. Cruzávamo-nos por vezes nas ruas de Azambuja e cumprimentávamo-nos longinquamente com um aceno de mão, eu ainda com aquele ressabiamento da escola primária, ele sem qualquer interesse em manter uma relação com o antigo colega de escola, dum mundo, a esse tempo, diferente do dele. Há uns tempos atrás, já entradotes os dois, estava eu a tomar a bica matinal na esplanada, quando ele passou e me abordou. “Olá, estás bom?”. “Senta-te”, convidei perplexo com aquela aproximação. “Olha, sabes, andei a escrevinhar umas coisas sobre os tempos em que andei na guerra em Angola e gostava que tu lhes desses uma vista de olhos, para ver se achas que aquilo que escrevi e a que chamei as minhas amigas de Luanda tem ponta por onde se lhe pegue…”. “Okay, manda-me por email que eu vejo isso.” Passado uns dias recebi no email uma narrativa, ainda um pouco desorganizada, daquilo que considero ser um dos mais impressionantes testemunhos dos amores e desamores, das alegrias e das dores, dos encontros e desencontros, dos estados de alma, dos sonhos e dos pesadelos daquela que foi a minha geração, obrigada a combater numa terra estranha uma guerra que não era sua, a esconder-se em matas e bolanhas de bombardeamentos e ataques, a ver morrer camaradas ao lado, sempre à espera que a próxima rajada lhe fosse destinada. Com a mitigação das cervejarias de Luanda, das praias de Angola, da generosidade e a paixão das mulheres que não hesitavam em acalmar os ardores daqueles jovens que tanto podiam estar ali como embalados num caixão no dia seguinte. Percebi que tinha à minha frente uma pérola em bruto que, depois de trabalhada e burilada, poderia dar um notável romance de guerra. E deu. O meu amigo Serafim, o Joaquim Moreira, o John D´Leon na primeira edição para não ferir suscetibilidades, publicou o mês passado “Amores em tempo de guerra”, com tanto sucesso que já está a preparar a segunda edição, mas agora sem se refugiar em pseudónimos. Vale a pena lê-lo. É daqueles livros viciantes que não apetece fechar quando se começa a desfolhar. |
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Mais duas breves notas:
1. Cada vez percebo menos os ingleses e a trapalhada do Brexit. Ressalvo à partida que, sendo eu um europeísta convicto, daqueles que acha até que a União Europeia deveria evoluir para uma Federação de Estados, olho de esguelha para o Brexit . Mas mesmo despindo-me dessa azia primária contra quem quer fazer um caminho inverso da integração da Europa, parece-me que os Ingleses se movem dentro dum cenário que não é real, que não corresponde à real vontade do povo do Reino Unido e que parte dum erro de avaliação que se consubstanciou no resultado do referendo ao qual, embora reconhecendo intimamente que se baseou numa avaliação errada, continuam teimosamente agarrados. Não percebo porque razão, sendo um facto quer todas as sondagens indicam que a maioria quer continuar na União Europeia e que o Reino Unido corre o risco de se desagregar – a Escócia ameaça claramente “dar o salto”- as instituições inglesas insistem nesta pantomina política digna duma série cómica da Netflix. Acho que é mesmo um caso de teimosia britânica, de complexo de ilha, do mesmo bate pé que os fez manter a libra mesmo entrando na U.E.. Veremos o que o futuro reserva, mas não me espantaria que daqui a alguns anos a União Europeia continue a integrar o Reino Unido. 2. Também não alcanço bem o que se passa com a Catalunha e o seu desejo de independência. À primeira vista, parece-me uma questão ditada por egoísmo e falta de solidariedade. Sendo a Catalunha a região mais rica de Espanha, parecem querer ver-se livres das Autonomias mais pobres e colherem os frutos da sua maior riqueza. Será uma visão simplista do problema, mas é o que parece e o que é dito abertamente por alguns catalães entrevistados pelos media. É um assunto que ainda fará correr muita tinta e não será aqui escalpelizado, mas uma coisa parece-me segura: embora reconheça que à Justiça espanhola, nesta fase e à luz do quadro legal vigente, não haveria grandes alternativas às pesadas sentenças proferidas, esta é uma matéria que tem que ter uma solução política negociada e nunca se resolverá pela via Judicial. |
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