"Pintar e Cantar os Reis em Terras de Alenquer"
Por Rodrigues Guapo
07-03-2015 às 19:41
Todos os anos, na madrugada do dia seis de Janeiro, nalgumas aldeias de Alenquer, ocorre o estranho e complexo ritual de “pintar e cantar os Reis”. Esta velhíssima tradição, ainda hoje bem viva, ocorre em algumas aldeias e casais da área sub-serrana do concelho: Meca; Catém, Casal Monteiro, Penafirme, Olhalvo, Penedos, Abrigada, Ota.
Nessa noite, nestas aldeias, tudo se inicia com os desenhos que grupos de rapazes vão fazendo, às portas das casas das suas aldeias, deixando com símbolos e letras, desejos de felicidade, para o ano que começa. Este grupo de “pintores reiseiros”, dois ou três elementos, vai marcar com os seus desenhos e pinturas, o trajeto do grupo mais numeroso, dos cantores que os seguem.
Cantam eles, velhas e ingénuas histórias, da mítica viagem dos Reis Magos a caminho de Belém, para visitarem o Deus Menino. Completa-se assim, este velho e complexo ritual dos Reis, neste concelho.
As melodias cantadas nesta mágica noite, apresentam de lugar para lugar, algumas diferenças. No entanto, todas elas obedecem à mesma estrutura: os cânticos iniciam-se sempre com um “solo” do “Apontador”, que invoca as Almas. Seguem-se as vozes do “Coro” que canta a narração mais ou menos completa da viagem dos Magos.
Tudo acaba com “graças à Virgem e ao Menino” e, já no fim, surge o pedido de “alguma coisa”, para os “pintores “ e “cantores”. A tarefa dos pintores na noite de Reis é bastante complexa. Com uma lanterna, pincéis e caldeiras com tinta vermelha e azul, o grupo vai visitar todas as casas da aldeia.
Os desenhos e pinturas, são feitas naquelas duas cores. O vermelho traduz a ideia da vida e de alegria. O azul simboliza a tristeza. Numa casa onde haja luto, apenas o azul se utiliza.
Junto de cada porta, o pintor deixa para os moradores, na sua complexa simbologia, uma mensagem com votos de felicidade para o ano que começa. Pinta corações floridos ou vasos de flores, para representar o lar visitado. A estes pictogramas, acrescenta os símbolos dos filhos do casal que ali mora.
Um losango, a “pinta” dos ouros nas cartas de jogar, representa o filho varão. Um pequeno coração simboliza a filha do casal. Estes desenhos, colocados dentro dos vasos ou dos corações floridos, representam a composição das famílias.
Se a filha está na idade casadoira, o pequeno coração que a representa, é desenhado no exterior do símbolo do lar: vaso ou coração floridos.
Se na casa visitada mora um casal de recém-casados, o pintor desenha dois corações floridos com os ramos entrelaçados.
A este núcleo central da “pintura”, acrescenta o pintor, algumas siglas e palavras: BONS REIS, BR, BRM, BR VR, a que se junta a indicação do ano da celebração. Estes “desenhos falantes” completam-se com círculos cruzados, estrelas de cinco ou seis pontas, e por vezes com símbolos alusivos às profissões dos moradores.
Nalguns lugares, os pintores servem-se de moldes para os desenhos.Na Ota, as pinturas dos Reis são diferentes.
De acordo com a tradição, no domingo seguinte ao dia de Reis, ”os reiseiros” fazem um peditório. Dos donativos recolhidos uma parte destina-se à celebração de uma missa por alma dos defuntos e outra, para uma “patuscada”, como eles dizem.
Michel Giacometti, o conhecido etnomusicólogo, no seu valioso “Cancioneiro Popular Português” a propósito desta tradição alenquerense, escreveu: “Pela noite fora grupos de homens cantam às portas, com um cerimonial de origem remota”.
Sobre a antiguidade desta festividade cíclica de Alenquer, poderemos noutra ocasião, formular a nossa opinião.
Por Rodrigues Guapo
07-03-2015 às 19:41
Todos os anos, na madrugada do dia seis de Janeiro, nalgumas aldeias de Alenquer, ocorre o estranho e complexo ritual de “pintar e cantar os Reis”. Esta velhíssima tradição, ainda hoje bem viva, ocorre em algumas aldeias e casais da área sub-serrana do concelho: Meca; Catém, Casal Monteiro, Penafirme, Olhalvo, Penedos, Abrigada, Ota.
Nessa noite, nestas aldeias, tudo se inicia com os desenhos que grupos de rapazes vão fazendo, às portas das casas das suas aldeias, deixando com símbolos e letras, desejos de felicidade, para o ano que começa. Este grupo de “pintores reiseiros”, dois ou três elementos, vai marcar com os seus desenhos e pinturas, o trajeto do grupo mais numeroso, dos cantores que os seguem.
Cantam eles, velhas e ingénuas histórias, da mítica viagem dos Reis Magos a caminho de Belém, para visitarem o Deus Menino. Completa-se assim, este velho e complexo ritual dos Reis, neste concelho.
As melodias cantadas nesta mágica noite, apresentam de lugar para lugar, algumas diferenças. No entanto, todas elas obedecem à mesma estrutura: os cânticos iniciam-se sempre com um “solo” do “Apontador”, que invoca as Almas. Seguem-se as vozes do “Coro” que canta a narração mais ou menos completa da viagem dos Magos.
Tudo acaba com “graças à Virgem e ao Menino” e, já no fim, surge o pedido de “alguma coisa”, para os “pintores “ e “cantores”. A tarefa dos pintores na noite de Reis é bastante complexa. Com uma lanterna, pincéis e caldeiras com tinta vermelha e azul, o grupo vai visitar todas as casas da aldeia.
Os desenhos e pinturas, são feitas naquelas duas cores. O vermelho traduz a ideia da vida e de alegria. O azul simboliza a tristeza. Numa casa onde haja luto, apenas o azul se utiliza.
Junto de cada porta, o pintor deixa para os moradores, na sua complexa simbologia, uma mensagem com votos de felicidade para o ano que começa. Pinta corações floridos ou vasos de flores, para representar o lar visitado. A estes pictogramas, acrescenta os símbolos dos filhos do casal que ali mora.
Um losango, a “pinta” dos ouros nas cartas de jogar, representa o filho varão. Um pequeno coração simboliza a filha do casal. Estes desenhos, colocados dentro dos vasos ou dos corações floridos, representam a composição das famílias.
Se a filha está na idade casadoira, o pequeno coração que a representa, é desenhado no exterior do símbolo do lar: vaso ou coração floridos.
Se na casa visitada mora um casal de recém-casados, o pintor desenha dois corações floridos com os ramos entrelaçados.
A este núcleo central da “pintura”, acrescenta o pintor, algumas siglas e palavras: BONS REIS, BR, BRM, BR VR, a que se junta a indicação do ano da celebração. Estes “desenhos falantes” completam-se com círculos cruzados, estrelas de cinco ou seis pontas, e por vezes com símbolos alusivos às profissões dos moradores.
Nalguns lugares, os pintores servem-se de moldes para os desenhos.Na Ota, as pinturas dos Reis são diferentes.
De acordo com a tradição, no domingo seguinte ao dia de Reis, ”os reiseiros” fazem um peditório. Dos donativos recolhidos uma parte destina-se à celebração de uma missa por alma dos defuntos e outra, para uma “patuscada”, como eles dizem.
Michel Giacometti, o conhecido etnomusicólogo, no seu valioso “Cancioneiro Popular Português” a propósito desta tradição alenquerense, escreveu: “Pela noite fora grupos de homens cantam às portas, com um cerimonial de origem remota”.
Sobre a antiguidade desta festividade cíclica de Alenquer, poderemos noutra ocasião, formular a nossa opinião.
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