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Vera Fonseca tem 40 anos e esteve infetada com coronavírus.
A trabalhadora da Avipronto, empresa onde ocorreu um dos maiores surtos no país, diz que é uma mulher que recusa esconder que teve a doença, e acredita que o seu testemunho pode servir para que mais pessoas se consciencializem quanto à Covid-19. Residente em Casais de Baixo, Azambuja, conta que nunca sofreu discriminação mas sabe que ela existe. Valeu-lhe durante as semanas em que esteve em casa confinada o apoio da família, mas também dos vizinhos e amigos. Foi em abril que teve os primeiros sintomas. Estava a trabalhar na secção de frio, naquela altura, e ao fim do dia começou a sentir um “cansaço anormal como se tivesse corrido uma meia maratona e ficasse mesmo exausta”. No dia seguinte “parecia que tinha levado uma tareia”. Foi das primeiras trabalhadoras da empresa a ser diagnosticada. Entre os sintomas também relata “tonturas e perda de equilíbrio”. Logo nesse dia e a conselho do chefe foi ao hospital mas não lhe foi feito o teste para deteção do vírus. “Foi-me dito pelo médico que se tratava de síndrome vertiginoso."Receitou-me uns comprimidos e nada mais”. Depois vieram mais sintomas: “febre e sensação de desidratação na garganta que não chegava a ser tosse, e uma vontade constante de beber água”. Voltou ao hospital para fazer o teste, e dois dias depois sabia que estava infetada com o Sars Cov 2. Face à enorme carga psicológica e social que a doença assumiu em todo o mundo, a sua primeira reação foi entrar em pânico, porque “como sou asmática pensei logo que ia morrer”. Mas decidiu enfrentar a doença de frente – “Respirei fundo e pensei para comigo, o que tiver de ser, será”. Casada e mãe de dois filhos, ficou de imediato em isolamento no quarto. Nessa altura o marido fez o teste que deu negativo, contudo uma semana depois apareceram os primeiros sintomas e nessa altura foi dado como positivo no teste à presença do vírus. Apenas o filho mais velho, com 18 anos, esteve assintomático durante todo o percurso da doença enquanto o mais novo apresentou sintomas de tosse e indisposição. Toda a família dormia em divisões separadas, e a única divisão partilhada era a casa de banho. Com a família infetada, o filho mais velho acabou por ser o único sem sintomas e passou a gerir a confeção das refeições e das demais tarefas domésticas. “Sempre que usava a casa de banho desinfetava tudo antes de regressar ao quarto”, conta Vera Fonseca que esteve 10 dias isolada até deixar de ter sintomas. “Não tenho televisão no quarto. Passava o tempo ao telefone e a fazer vídeochamadas com os meus amigos e familiares." Refugiei-me nas boas memórias da minha vida, a ver fotografias e a ler livros. Mas nos primeiros dias nem conseguia ter forças para reagir, porque só queria estar deitada, pois os sintomas são tão severos que e o mal-estar é enorme”. Vera Fonseca diz que não ficou com sequelas da doença, já o marido não pode dizer o mesmo, pois até hoje não voltou a recuperar o olfato e o paladar – “Os médicos ainda não conseguem explicar se é transitório ou se ficará assim para sempre. Por um lado, torna-se complicado porque ele é um bom garfo, por outro lado, a falta do cheiro pode atrapalhar muito a vida de uma pessoa, como está a ser o caso”. Até hoje “não deixou de sentir aquele desconforto físico” muito característico de quem passou por doenças graves do foro respiratório. A Avipronto registou um dos maiores surtos no setor da indústria em Portugal com 129 pessoas infetadas. Na empresa os trabalhadores vão falando dos sintomas. Vera Fonseca conta que há de tudo um pouco, desde quem não tenha ido além de uma dor nas costas, até aos completamente assintomáticos, mas houve outros que “ficaram bastante debilitados e até mais novos do que eu, sendo que sou das mais novas que lá trabalha”. Vera Fonseca sentiu alguns dedos apontados a si na fábrica por parte de alguns colegas. “É muito duro ouvir as pessoas comentarem que fui trabalhar infetada e que não disse nada. Já basta a situação em si, e ainda ter de enfrentar essa parte psicológica é pesado, porque não faço ideia como apanhei a doença. Só sabemos que o vírus anda a circular e que qualquer um num momento ou noutro pode ficar infetado”. Passados quatro meses do surto “ainda predominam alguns pensamentos tacanhos de se atribuir a culpa a este ou àquele lá dentro”. A trabalhadora da Avipronto testou positivo durante dois meses. Fez 11 testes no total. Foi testando intermitentemente positivo e negativo. Só quando testou duas vezes seguidas negativo é que foi dada como curada. Ainda hoje Vera Fonseca cumpre religiosamente a questão do uso de máscara e de desinfeção das mãos. Nunca saiu de casa até ter ultrapassado a doença. “Pedíamos aos amigos para fazerem as compras por nós”. O marido de Vera Fonseca ficou curado ao fim de três testes, contudo as sequelas permanecem. “Um colega da Avipronto também ficou sem olfacto e sem paladar e com dores nas articulações”. Acompanhada pela Saúde Pública, refere que “foram incansáveis”. Aquela entidade e a Avipronto estiveram debaixo de fogo em todo o processo, mas Vera Fonseca admite que não tem razões de queixa de ninguém. “A empresa perguntou-me logo com quem tinha estado em contacto lá dentro quer no trabalho propriamente dito quer durante as refeições, e segundo sei colocaram logo essas pessoas em isolamento, que felizmente testaram negativo”, refere e conclui que no seu caso “foram tomadas todas as medidas necessárias”. Regressou ao trabalho apenas há três semanas, mas com vários receios. “As coisas estão mais calmas agora na fábrica, espaçaram mais os postos de trabalho com divisórias na linha, e que eu saiba não têm aparecido novos casos”. Contudo e pela abrangência do espetro do foco nesta empresa, houve pessoas que ficaram curadas mas que voltaram a contrair a doença, caindo assim por terra uma das teses da comunidade científica, que vigorou durante algumas semanas, mas que depois foi corrigida, que assentava na ideia de que a mesma pessoa não podia contrair a doença mais do que uma vez. Para além da carga debilitante da doença associada aos impactos sociais e psicológicos não é fácil para estes doentes ouvir poucas ou nenhumas explicações dos médicos, face aos enigmas por decifrar da Covid-19. Quando fez testes atrás de testes, “bastante desconfortáveis e em que parecia que a zaragatoa tocava no cérebro”, apenas lhe foi dito que podiam ser “vestígios do vírus”. “Pura e simplesmente não há explicações”. “Sentia-me bem e pronta para retomar a minha vida normal, mas continuava a dar positivo e isso foi uma frustração enorme”. Residente em Casais de Baixo assume que nunca quis esconder que tinha Covid-19. Diz que todos na comunidade a apoiaram e que não se sentiu estigmatizada, apesar de ter sentido uns olhares de receio que considera normais. “Se fosse ao contrário também teria medo de apanhar a doença”. “Fui muito apoiada por parte das pessoas que estão à frente do supermercado da aldeia, que foram sempre muito prestativas. Foi importante essa ajuda”. Apesar das boas perspetivas quanto a vacinas, não se pode dizer que a doença já tem os dias contados. Depois de meses de confinamento, há quem arrisque ajuntamentos e alguma negligência nos comportamentos. Vera Fonseca deixa a mensagem – “Vejo que a camada jovem é a mais inconsciente e apelo para que os jovens se protejam, sobretudo tendo em conta as pessoas que eles amam como os pais e os avós, que podem vir a passar mal e a falecer. Tenham consciência!” |
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