20 anos de Euro, a moeda do nosso descontentamento
Sílvia Agostinho
08-02-2022 às 10:01
Sílvia Agostinho
08-02-2022 às 10:01
Já foi há 20 anos que Portugal deu início numa nova fase revolucionária da sua vida económica com a entrada no Euro, a moeda única do espaço da União Europeia. Que alterações veio trazer à vida dos portugueses, do comércio e das empresas foi o que quisemos saber nesta reportagem.
No início de janeiro, e de um dia para o outro os portugueses tiveram acesso a moedas e notas de euro, dado que há largos meses e antes do início de 2002 a operação estava a ser preparada junto dos bancos para que nada falhasse. Vinte anos depois e até fevereiro podem ainda ser trocados os últimos escudos, que os portugueses possam ter guardados numa qualquer gaveta, por euros. Oficialmente o euro nasceu em 1999 quando foram fixadas as taxas de conversão com as antigas moedas nacionais dos países da zona Euro. Nesta altura são 19 os países da União Europeia que têm o euro como moeda. Estes 20 anos ficaram marcados por duas crises de grande impacto na moeda única, a crise financeira internacional em 2008 e a crise da zona euro em 2009. Mário Centeno, governado do Banco de Portugal, num comunicado à imprensa, sintetizava que estes 20 anos foram de uma importância incontestável, mas que o seu futuro permanece por escrever, cabendo aos cidadãos europeus essa responsabilidade.
No início de janeiro, e de um dia para o outro os portugueses tiveram acesso a moedas e notas de euro, dado que há largos meses e antes do início de 2002 a operação estava a ser preparada junto dos bancos para que nada falhasse. Vinte anos depois e até fevereiro podem ainda ser trocados os últimos escudos, que os portugueses possam ter guardados numa qualquer gaveta, por euros. Oficialmente o euro nasceu em 1999 quando foram fixadas as taxas de conversão com as antigas moedas nacionais dos países da zona Euro. Nesta altura são 19 os países da União Europeia que têm o euro como moeda. Estes 20 anos ficaram marcados por duas crises de grande impacto na moeda única, a crise financeira internacional em 2008 e a crise da zona euro em 2009. Mário Centeno, governado do Banco de Portugal, num comunicado à imprensa, sintetizava que estes 20 anos foram de uma importância incontestável, mas que o seu futuro permanece por escrever, cabendo aos cidadãos europeus essa responsabilidade.
Hoje, são muitos os portugueses que têm saudados do escudo, pois apesar de tudo “dava a sensação de que se tinha mais dinheiro no bolso”. Foi isso que apurámos quer junto do comércio quer junto dos consumidores. Manuel Canha é proprietário de um café-restaurante em Azambuja. Já na altura da entrada em circulação da moeda única, teve a sensação de que “tudo ficou mais caro” de um dia para o outro. “Os meus clientes acharam muita graça a vinda do euro, porque era uma coisa nova, mas não se aperceberam que 50 cêntimos eram 100 escudos e não 50 escudos”, refere. Tal como a generalidade dos empresários deste ramo, Manuel Canha também não se fez rogado, e o preço da bica passou para o dobro, para os 50 cêntimos. “Mas há que ver que os nossos fornecedores também aumentaram o preço. Todos se aproveitaram como puderam.” Reclamações por parte dos clientes não faltaram – “Disseram logo que era uma roubalheira, porque de um dia para o outro mudou tudo” na escala de venda dos produtos. Canha considera que passados 20 anos, “o euro só beneficiou os grandes porque no geral a economia portuguesa piorou em todos os aspetos”. Por outro lado, e no seu entender os ordenados apesar de terem subido, o nível de vida médio do cidadão português piorou bastante – “Antigamente com 150 contos, o equivalente hoje a 600 euros dava para se comprarem muitas coisas, e levar uma vida mais ou menos, hoje é considerado um valor de miséria”. Atualmente “é num instante que você vê 50 euros a voarem para fora da carteira, se for aí a uma loja qualquer comprar seja o que for”.
Ao cidadão comum, o euro continua a dizer pouco, e numa incursão do Valor Local no Mercado Municipal de Vila Franca de Xira abordámos alguns reformados residentes na cidade: Maria Figueiredo, 73 anos, e Manuel Marques, 77 anos, não têm dúvidas em afirmar que o euro encareceu o preço dos bens. “Tivemos de começar a fazer o que nos mandaram. No meu caso não tive muitas dificuldades em adaptar-me ao euro”, refere a reformada. Já Manuel Marques salienta que estando há 15 anos reformado, que o valor da pensão é mínimo. Para além de que “antes do euro 20 escudos davam para almoçar aqui na zona, e agora por 20 euros não consigo”. E também ilustra com os 50 cêntimos/100 escudos do café, o exemplo clássico de que muitos se socorrem para enfatizar o aumento dos bens – “Tudo aumentou de um dia para o outro, mas no caso dessas pequenas coisas que custavam centavos a diferença foi para o dobro”.
Com 70 anos como cortador de carne, e 84 de idade, Mário Real já leva uma bagagem considerável quanto a este negócio. A entrada do euro na sua opinião retirou poder de compra ao português comum. “Desde que veio o euro que muito piorou. Por exemplo este mercado de Vila Franca de Xira nem parece o mesmo. Está tudo mais caro e as pessoas preferem ir para os supermercados”. No seu caso confessa que também teve de aumentar os preços porque aumentaram igualmente a montante nos seus fornecedores. “As pessoas têm menos dinheiro em comparação com antigamente. Há 40 anos nunca pensei passar por estes tempos de agora, que são de uma crise mundial”. Com o 25 de abril “a situação melhorou bastante, muita gente comprava carne para encher as arcas, e nos últimos anos, e se calhar depois do euro, que se compra muito menos”.
Já na banca de peixe de Maria Virgínia, 70 anos, que é uma das mais antigas do mercado, esta lembra-se bem da entrada do euro em circulação e na sua opinião foi “uma das maiores trapalhadas” de que tem memória. “Eu com a quarta classe tive muita dificuldade. Íamos ao banco para nos explicarem, mas a confusão era muita. Custou um bocadinho até nos habituarmos a fazer os trocos aos clientes, embora houvesse notas e moedas em quantidade suficiente”. Considera que ainda há muita gente que continua a fazer contas em escudos sobretudo pessoas mais velhas, e na sua opinião o euro rende muito menos do que a antiga moeda. “Nós com dois contos aviávamo-nos e ainda sobrava dinheiro, e agora com 10 euros não chega para nada”. Por outro lado, “os ordenados não aumentaram e para além disso descontei bastante ao longo da vida para agora ter 300 euros de reforma”.
Num dos cafés do mercado, um grupo de senhoras diz que sentiu bem na pele a mudança para o euro. É o caso de Maria Madalena que até faz a comparação – “Um molho de nabiças custava 50 escudos e passou logo a ter o valor de um euro. Ou seja, aumentou para o dobro”. Considera mesmo que “tudo aumentou nestes últimos 20 anos, mas nada é compatível com os ordenados que se ganha”. “Basta irmos à vizinha Espanha para percebermos que as pessoas vivem melhor do que nós. As coisas lá também aumentaram, mas sem retirar poder de compra. Uma bilha de gás custa 18 euros lá.” Confessa que já não faz contas em escudos, ao contrário de Beatriz Barroca com 96 anos de idade - “Era tudo muito mais barato quando tínhamos o escudo”, refere. Maria Madalena acrescenta – “Por exemplo, antigamente, quando uma criança nascia, mesmo a ganharmos pouco, tínhamos a possibilidade de comprar uma pulseirinha de ouro. Agora só se for de prata, porque a diferença é muita”. “De facto a vida agora é muito diferente e se formos deitar as contas todas não há comparação”, acrescenta Maria de Lurdes que até considera que as moedas de um euro “deviam passar a notas que era para ver se se dava mais importância ao dinheiro”. “Se reparar e se for dar um euro ao arrumador de carros, ele olha e acha que é pouco, mas são 200 escudos”, sintetiza Maria Madalena.
Com 70 anos como cortador de carne, e 84 de idade, Mário Real já leva uma bagagem considerável quanto a este negócio. A entrada do euro na sua opinião retirou poder de compra ao português comum. “Desde que veio o euro que muito piorou. Por exemplo este mercado de Vila Franca de Xira nem parece o mesmo. Está tudo mais caro e as pessoas preferem ir para os supermercados”. No seu caso confessa que também teve de aumentar os preços porque aumentaram igualmente a montante nos seus fornecedores. “As pessoas têm menos dinheiro em comparação com antigamente. Há 40 anos nunca pensei passar por estes tempos de agora, que são de uma crise mundial”. Com o 25 de abril “a situação melhorou bastante, muita gente comprava carne para encher as arcas, e nos últimos anos, e se calhar depois do euro, que se compra muito menos”.
Já na banca de peixe de Maria Virgínia, 70 anos, que é uma das mais antigas do mercado, esta lembra-se bem da entrada do euro em circulação e na sua opinião foi “uma das maiores trapalhadas” de que tem memória. “Eu com a quarta classe tive muita dificuldade. Íamos ao banco para nos explicarem, mas a confusão era muita. Custou um bocadinho até nos habituarmos a fazer os trocos aos clientes, embora houvesse notas e moedas em quantidade suficiente”. Considera que ainda há muita gente que continua a fazer contas em escudos sobretudo pessoas mais velhas, e na sua opinião o euro rende muito menos do que a antiga moeda. “Nós com dois contos aviávamo-nos e ainda sobrava dinheiro, e agora com 10 euros não chega para nada”. Por outro lado, “os ordenados não aumentaram e para além disso descontei bastante ao longo da vida para agora ter 300 euros de reforma”.
Num dos cafés do mercado, um grupo de senhoras diz que sentiu bem na pele a mudança para o euro. É o caso de Maria Madalena que até faz a comparação – “Um molho de nabiças custava 50 escudos e passou logo a ter o valor de um euro. Ou seja, aumentou para o dobro”. Considera mesmo que “tudo aumentou nestes últimos 20 anos, mas nada é compatível com os ordenados que se ganha”. “Basta irmos à vizinha Espanha para percebermos que as pessoas vivem melhor do que nós. As coisas lá também aumentaram, mas sem retirar poder de compra. Uma bilha de gás custa 18 euros lá.” Confessa que já não faz contas em escudos, ao contrário de Beatriz Barroca com 96 anos de idade - “Era tudo muito mais barato quando tínhamos o escudo”, refere. Maria Madalena acrescenta – “Por exemplo, antigamente, quando uma criança nascia, mesmo a ganharmos pouco, tínhamos a possibilidade de comprar uma pulseirinha de ouro. Agora só se for de prata, porque a diferença é muita”. “De facto a vida agora é muito diferente e se formos deitar as contas todas não há comparação”, acrescenta Maria de Lurdes que até considera que as moedas de um euro “deviam passar a notas que era para ver se se dava mais importância ao dinheiro”. “Se reparar e se for dar um euro ao arrumador de carros, ele olha e acha que é pouco, mas são 200 escudos”, sintetiza Maria Madalena.
20 anos de Euro, a perspetiva do Crédito Agrícola de Azambuja
“Nos primeiros anos do euro, acabámos por perder o valor real do dinheiro”
Nuno Pereira, do Crédito Agrícola de Azambuja, oferece-nos a sua opinião sobre como foram estes anos. Como tem sido o processo de ajudar os clientes nas dificuldades que foram sentindo com a entrada em circulação da moeda única. Apesar de Portugal ter entrado neste comboio na mesma altura que as economias mais prósperas da União Europeia, no bolso dos portugueses o impacto foi pesado, e ainda há quem tenha muitas saudades do escudo.
Valor Local - Apesar de só ter entrado em circulação em janeiro de 2002, ainda em 2001 os bancos começaram a receber notas e moedas de modo a prepararem-se para o início do Euro. Relembre-me esse processo, nomeadamente, quais eram as expetativas do Crédito Agrícola e quais as principais dúvidas dos bancários e da própria administração da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo (CCAM) e se houve alguma formação específica?
Nuno Pereira - Efetivamente, foi um processo precedido de formação específica dos colaboradores de algumas áreas funcionais da Caixa, nomeadamente as áreas comercial e de suporte, bem como do seu órgão de administração. O processo de formação incluiu também visitas ao Banco de Portugal para contacto prévio com as notas de euro. Para além disso foi necessário adequar equipamentos e aplicações informáticas. As expectativas da Caixa e julgo da banca em geral, foi garantir a melhor preparação possível para acompanhar e executar este processo de transição junto da população, sempre com seriedade e transparência.
E quanto aos clientes - Havia receios ou dúvidas? Como é que a CCAM preparou os clientes para a entrada do euro?
Numa fase inicial, julgo que os principais receios prendia-se com entender e aplicar o fator da conversão, 1 euro = 200,482 escudos, nos levantamentos, nos depósitos em numerário ainda em escudos e qual o valor correspondente em euros. E, mais tarde, também na conversão dos montantes existentes. Por exemplo, nas contas à ordem, nas contas a prazo, e até nas contas empréstimo. Para o efeito, foi divulgada informação diversa com colocação de folhetos e cartazes nas agências e junto de clientes institucionais, com denominações das moedas e notas de euro e respetivas equivalências em escudos. Nas agências, foram disponibilizados kits de moedas com as conhecidas denominações, de 1 cêntimo a dois euros, que os clientes podiam adquirir, para primeiro contacto físico com o euro. Lembro-me de disponibilizarmos, mediante oferta, uns porta-chaves que permitiam realizar a conversão imediata de escudos para euros.
Uma vez em circulação, como é que foi naqueles primeiros tempos, havia notas e moedas em quantidade suficiente sempre que alguém levantava dinheiro?
Sim. Até porque se garantia essa suficiência evitando a troca direta de escudos por euros, privilegiando o depósito em conta e a imediata conversão para euros. Os montantes disponíveis nas agências gradualmente foram adequados às necessidades dos clientes. Reconheço também que foi um período de muita compreensão de parte a parte, ao fim e ao cabo, esta mudança criou-nos a todos, desafios a vários níveis.
Que dificuldades se notaram mais no período de adaptação que durou cerca de dois meses quando quer o euro quer o escudo ainda circulavam?
As dificuldades foram notórias, nomeadamente, junto da população mais idosa. Houve alguma resistência à aceitação da nova moeda, a não efetuarmos troca por troca. O facto de já não poderem levantar escudos, também criou alguns constrangimentos.
Nota que ainda houve muita gente que demorou anos a entregar numerário na antiga moeda no banco?
Sim. Já em circulação, o facto de não haver troca por troca, em especial de grandes montantes, criou alguma resistência junto da população e explica em parte a pouca quantidade de escudos recolhida, numa fase inicial. Por outro lado, o facto da troca de notas não prescritas, junto do Banco de Portugal, poder ocorrer até 28/02/2022. O que explica que atualmente, existam ainda cerca de onze milhões de notas de escudos por recolher, o equivalente a noventa e cinco, noventa e seis milhões de escudos.
O euro na sua opinião veio criar a falsa sensação de que as pessoas tinham dinheiro, e com isso também podem ter tido alguns percalços financeiros? (Recordo que por exemplo 100 contos passaram a ser 500 euros). Pensa que na generalidade os portugueses ainda demoraram a conseguir entender o real valor do dinheiro com a nova moeda?
R: Da nossa perspetiva bancária e em termos operacionais, aplicou-se um procedimento de conversão X escudos = Y euros. Em termos de economia, com a adesão ao euro, deu-se um ajuste nos preços, o que no imediato, nos retirou poder de compra, talvez não percetível no imediato. Por exemplo, um café que custava 50 escudos, passou a custar 50 cêntimos. De um modo geral as pequenas despesas e não só, duplicaram de um dia para o outro. Desde então, passámos a “tirar” mais dinheiro da carteira, para comprar os mesmos produtos. Creio que nos primeiros anos do euro, acabámos por perder o valor real do dinheiro. De acordo com uma análise apresentada pela PORDATA, o salário mínimo em janeiro de 2002 era cerca de 348 euros, e em 2021 cerca de 665 euros. No entanto, o rendimento médio das famílias subiu cerca de 7 por cento, francamente baixo para o atual custo de vida. Desde então, assistimos a uma estabilização na evolução dos preços.
Consegue perceber pelos clientes se ainda há quem se mostre saudosista do escudo tendo em conta que se organizavam melhor financeiramente com a antiga moeda?
Claramente, o saudosismo em relação ao escudo ainda é latente, penso que ainda muitos de nós produzimos esse juízo de valor, em especial quando estamos perante uma compra de um produto ou serviço, que já adquiríamos de forma regular antes do euro. Também a descida nas taxas de juros do depósito a prazo foi e é motivo para nos últimos anos, ouvirmos, “antes do euro o dinheiro rendia”. De uma forma ou de outra perdemos poder de compra e naturalmente, o escudo continua a ser uma referência comparativa com o euro, em particular para as “gerações do escudo”.
“Nos primeiros anos do euro, acabámos por perder o valor real do dinheiro”
Nuno Pereira, do Crédito Agrícola de Azambuja, oferece-nos a sua opinião sobre como foram estes anos. Como tem sido o processo de ajudar os clientes nas dificuldades que foram sentindo com a entrada em circulação da moeda única. Apesar de Portugal ter entrado neste comboio na mesma altura que as economias mais prósperas da União Europeia, no bolso dos portugueses o impacto foi pesado, e ainda há quem tenha muitas saudades do escudo.
Valor Local - Apesar de só ter entrado em circulação em janeiro de 2002, ainda em 2001 os bancos começaram a receber notas e moedas de modo a prepararem-se para o início do Euro. Relembre-me esse processo, nomeadamente, quais eram as expetativas do Crédito Agrícola e quais as principais dúvidas dos bancários e da própria administração da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo (CCAM) e se houve alguma formação específica?
Nuno Pereira - Efetivamente, foi um processo precedido de formação específica dos colaboradores de algumas áreas funcionais da Caixa, nomeadamente as áreas comercial e de suporte, bem como do seu órgão de administração. O processo de formação incluiu também visitas ao Banco de Portugal para contacto prévio com as notas de euro. Para além disso foi necessário adequar equipamentos e aplicações informáticas. As expectativas da Caixa e julgo da banca em geral, foi garantir a melhor preparação possível para acompanhar e executar este processo de transição junto da população, sempre com seriedade e transparência.
E quanto aos clientes - Havia receios ou dúvidas? Como é que a CCAM preparou os clientes para a entrada do euro?
Numa fase inicial, julgo que os principais receios prendia-se com entender e aplicar o fator da conversão, 1 euro = 200,482 escudos, nos levantamentos, nos depósitos em numerário ainda em escudos e qual o valor correspondente em euros. E, mais tarde, também na conversão dos montantes existentes. Por exemplo, nas contas à ordem, nas contas a prazo, e até nas contas empréstimo. Para o efeito, foi divulgada informação diversa com colocação de folhetos e cartazes nas agências e junto de clientes institucionais, com denominações das moedas e notas de euro e respetivas equivalências em escudos. Nas agências, foram disponibilizados kits de moedas com as conhecidas denominações, de 1 cêntimo a dois euros, que os clientes podiam adquirir, para primeiro contacto físico com o euro. Lembro-me de disponibilizarmos, mediante oferta, uns porta-chaves que permitiam realizar a conversão imediata de escudos para euros.
Uma vez em circulação, como é que foi naqueles primeiros tempos, havia notas e moedas em quantidade suficiente sempre que alguém levantava dinheiro?
Sim. Até porque se garantia essa suficiência evitando a troca direta de escudos por euros, privilegiando o depósito em conta e a imediata conversão para euros. Os montantes disponíveis nas agências gradualmente foram adequados às necessidades dos clientes. Reconheço também que foi um período de muita compreensão de parte a parte, ao fim e ao cabo, esta mudança criou-nos a todos, desafios a vários níveis.
Que dificuldades se notaram mais no período de adaptação que durou cerca de dois meses quando quer o euro quer o escudo ainda circulavam?
As dificuldades foram notórias, nomeadamente, junto da população mais idosa. Houve alguma resistência à aceitação da nova moeda, a não efetuarmos troca por troca. O facto de já não poderem levantar escudos, também criou alguns constrangimentos.
Nota que ainda houve muita gente que demorou anos a entregar numerário na antiga moeda no banco?
Sim. Já em circulação, o facto de não haver troca por troca, em especial de grandes montantes, criou alguma resistência junto da população e explica em parte a pouca quantidade de escudos recolhida, numa fase inicial. Por outro lado, o facto da troca de notas não prescritas, junto do Banco de Portugal, poder ocorrer até 28/02/2022. O que explica que atualmente, existam ainda cerca de onze milhões de notas de escudos por recolher, o equivalente a noventa e cinco, noventa e seis milhões de escudos.
O euro na sua opinião veio criar a falsa sensação de que as pessoas tinham dinheiro, e com isso também podem ter tido alguns percalços financeiros? (Recordo que por exemplo 100 contos passaram a ser 500 euros). Pensa que na generalidade os portugueses ainda demoraram a conseguir entender o real valor do dinheiro com a nova moeda?
R: Da nossa perspetiva bancária e em termos operacionais, aplicou-se um procedimento de conversão X escudos = Y euros. Em termos de economia, com a adesão ao euro, deu-se um ajuste nos preços, o que no imediato, nos retirou poder de compra, talvez não percetível no imediato. Por exemplo, um café que custava 50 escudos, passou a custar 50 cêntimos. De um modo geral as pequenas despesas e não só, duplicaram de um dia para o outro. Desde então, passámos a “tirar” mais dinheiro da carteira, para comprar os mesmos produtos. Creio que nos primeiros anos do euro, acabámos por perder o valor real do dinheiro. De acordo com uma análise apresentada pela PORDATA, o salário mínimo em janeiro de 2002 era cerca de 348 euros, e em 2021 cerca de 665 euros. No entanto, o rendimento médio das famílias subiu cerca de 7 por cento, francamente baixo para o atual custo de vida. Desde então, assistimos a uma estabilização na evolução dos preços.
Consegue perceber pelos clientes se ainda há quem se mostre saudosista do escudo tendo em conta que se organizavam melhor financeiramente com a antiga moeda?
Claramente, o saudosismo em relação ao escudo ainda é latente, penso que ainda muitos de nós produzimos esse juízo de valor, em especial quando estamos perante uma compra de um produto ou serviço, que já adquiríamos de forma regular antes do euro. Também a descida nas taxas de juros do depósito a prazo foi e é motivo para nos últimos anos, ouvirmos, “antes do euro o dinheiro rendia”. De uma forma ou de outra perdemos poder de compra e naturalmente, o escudo continua a ser uma referência comparativa com o euro, em particular para as “gerações do escudo”.

Associações empresarias da região reconhecem prós e contras na adesão ao Euro
Sílvia Carvalho d'Almeida
Ouvimos ainda neste trabalho o ponto de vista de duas associações que representam os empresários de alguns dos nossos concelhos, a Associação Comercial e Industrial do Concelho de Alenquer (ACICA) e a Associação do Comércio, Indústria e Serviços dos Concelhos de Vila Franca de Xira e Arruda dos Vinhos (ACIS). Quisemos saber quais as apreensões que os seus associados registaram no início da moeda única, e quais os benefícios e inconvenientes que advieram desta transformação, numa Europa que se pretende mais forte e unida.
Quando o euro entrou em circulação, Hélder Miguel não era presidente da ACICA (Associação Comercial e Industrial do Concelho de Alenquer). Isto apenas ocorreu posteriormente. Não se sente confortável, por isso, em avaliar as apreensões dos empresários da associação, na altura, no entanto, lembra-se que as pessoas em geral tinham “grandes dúvidas relativamente à nova moeda”. Tinham sobretudo “medo” de que os preços subissem e com isso se agravassem as condições de vida. O que acabou por acontecer, segundo o atual membro do corpo diretivo da ACICA. “Nos arredondamentos, houve uma ligeira inflação dos produtos. Um café custava cem escudos e de repente passou a custar 50 cêntimos”, com a taxa de conversão de 200,482 escudos por cada euro gasto. Isto é apenas “um exemplo menor”, mas somado aos muitos aumentos, levou a que os portugueses, regra geral, na sua opinião, “perdessem poder de compra, já que os salários não acompanharam a inflação”. As pessoas ficaram, por isso, com a sensação real, de que “esta moeda se gastava mais rapidamente do que o escudo” e que “os ordenados, especialmente os mais baixos, já não chegavam para as despesas”. “Os ordenados, não tiveram nenhum acréscimo, foi somente converter uma moeda na outra.”, resume.
No entanto, Hélder Miguel reconhece vantagens especialmente para os empresários, mas também para quem vai trabalhar para fora, ou viaja muito. Deixou de haver a necessidade de se fazerem câmbios, e “há mutos países que não sendo da zona euro, aceitam o euro como moeda de troca, e nesse aspeto penso que ficámos todos a ganhar”. Quanto à diferença de salários noutros países aderentes ao euro, uma possível vantagem, é que “se ficou a perceber as discrepâncias que existem, tendo nós uma maior perceção de quanto ganhamos em termos relativos. O fosso é maior do que poderíamos pensar”. Sendo uma das promessas da entrada em vigor de um mercado único, uma Europa mais forte na qual os países mais pobres se aproximariam dos mais ricos em termos de condições de vida, Hélder Miguel sente que isto não se concretizou “a nível macro”. O que se passou, na sua opinião, é que “o BCE tornou a moeda mais estável”. No entanto, concorda que Portugal perdeu alguma soberania a nível económico ao transferir competências para as organizações europeias: “O Estado português, como de resto qualquer país da zona económica de que fazemos parte não pode, por exemplo, lidar com a inflação como fazia porque não tem controlo sobre a moeda em termos económicos.”
Relativamente a fundos europeus, acredita que “a maior parte deles, não chega aos empresários mais pequenos, sobretudo devido à burocracia, às normas demasiado complicadas, e à falta de apoio de um gabinete, um acompanhamento técnico, que ajude os comerciantes que não têm tanto know-how a concorrer, evitando também que o dinheiro tenha que ser devolvido por não ser aplicado”. Isto faz com que normalmente seja sempre o mesmo conjunto de empresas a beneficiar destes apoios. Entende que uma das agravantes é que há falta de fiscalização na observação da aplicação dos fundos. Pensa ainda que os fundos deveriam ser canalizados por setores, e distribuídos por todas as empresas que se candidatam, proporcionalmente. É o que espera que aconteça com a mais recente transferência de verbas europeias aprovada no final do ano passado, a chamada bazuca.
No geral, crê que a entrada no Euro foi uma vantagem, caso contrário “estaríamos mais isolados e isso é de rejeitar”. No caso de Inglaterra, que não aderiu ao Euro e que inclusivamente saiu da União Europeia, Helder Miguel reflete que “o Reino Unido tinha uma moeda muito forte e não quis abdicar disso para se juntar a uma moeda que não poderia controlar”, preferindo assim manter a soberania económica.
Sílvia Carvalho d'Almeida
Ouvimos ainda neste trabalho o ponto de vista de duas associações que representam os empresários de alguns dos nossos concelhos, a Associação Comercial e Industrial do Concelho de Alenquer (ACICA) e a Associação do Comércio, Indústria e Serviços dos Concelhos de Vila Franca de Xira e Arruda dos Vinhos (ACIS). Quisemos saber quais as apreensões que os seus associados registaram no início da moeda única, e quais os benefícios e inconvenientes que advieram desta transformação, numa Europa que se pretende mais forte e unida.
Quando o euro entrou em circulação, Hélder Miguel não era presidente da ACICA (Associação Comercial e Industrial do Concelho de Alenquer). Isto apenas ocorreu posteriormente. Não se sente confortável, por isso, em avaliar as apreensões dos empresários da associação, na altura, no entanto, lembra-se que as pessoas em geral tinham “grandes dúvidas relativamente à nova moeda”. Tinham sobretudo “medo” de que os preços subissem e com isso se agravassem as condições de vida. O que acabou por acontecer, segundo o atual membro do corpo diretivo da ACICA. “Nos arredondamentos, houve uma ligeira inflação dos produtos. Um café custava cem escudos e de repente passou a custar 50 cêntimos”, com a taxa de conversão de 200,482 escudos por cada euro gasto. Isto é apenas “um exemplo menor”, mas somado aos muitos aumentos, levou a que os portugueses, regra geral, na sua opinião, “perdessem poder de compra, já que os salários não acompanharam a inflação”. As pessoas ficaram, por isso, com a sensação real, de que “esta moeda se gastava mais rapidamente do que o escudo” e que “os ordenados, especialmente os mais baixos, já não chegavam para as despesas”. “Os ordenados, não tiveram nenhum acréscimo, foi somente converter uma moeda na outra.”, resume.
No entanto, Hélder Miguel reconhece vantagens especialmente para os empresários, mas também para quem vai trabalhar para fora, ou viaja muito. Deixou de haver a necessidade de se fazerem câmbios, e “há mutos países que não sendo da zona euro, aceitam o euro como moeda de troca, e nesse aspeto penso que ficámos todos a ganhar”. Quanto à diferença de salários noutros países aderentes ao euro, uma possível vantagem, é que “se ficou a perceber as discrepâncias que existem, tendo nós uma maior perceção de quanto ganhamos em termos relativos. O fosso é maior do que poderíamos pensar”. Sendo uma das promessas da entrada em vigor de um mercado único, uma Europa mais forte na qual os países mais pobres se aproximariam dos mais ricos em termos de condições de vida, Hélder Miguel sente que isto não se concretizou “a nível macro”. O que se passou, na sua opinião, é que “o BCE tornou a moeda mais estável”. No entanto, concorda que Portugal perdeu alguma soberania a nível económico ao transferir competências para as organizações europeias: “O Estado português, como de resto qualquer país da zona económica de que fazemos parte não pode, por exemplo, lidar com a inflação como fazia porque não tem controlo sobre a moeda em termos económicos.”
Relativamente a fundos europeus, acredita que “a maior parte deles, não chega aos empresários mais pequenos, sobretudo devido à burocracia, às normas demasiado complicadas, e à falta de apoio de um gabinete, um acompanhamento técnico, que ajude os comerciantes que não têm tanto know-how a concorrer, evitando também que o dinheiro tenha que ser devolvido por não ser aplicado”. Isto faz com que normalmente seja sempre o mesmo conjunto de empresas a beneficiar destes apoios. Entende que uma das agravantes é que há falta de fiscalização na observação da aplicação dos fundos. Pensa ainda que os fundos deveriam ser canalizados por setores, e distribuídos por todas as empresas que se candidatam, proporcionalmente. É o que espera que aconteça com a mais recente transferência de verbas europeias aprovada no final do ano passado, a chamada bazuca.
No geral, crê que a entrada no Euro foi uma vantagem, caso contrário “estaríamos mais isolados e isso é de rejeitar”. No caso de Inglaterra, que não aderiu ao Euro e que inclusivamente saiu da União Europeia, Helder Miguel reflete que “o Reino Unido tinha uma moeda muito forte e não quis abdicar disso para se juntar a uma moeda que não poderia controlar”, preferindo assim manter a soberania económica.

ACIS: “O Euro não é só uma moeda, é um comportamento perante a moeda”
Para João Paulo Range, presidente da Associação do Comércio, Indústria e Serviços dos Concelhos de Vila Franca de Xira e Arruda dos Vinhos (ACIS) “havia em 2002 uma euforia por parte das empresas em fazer um caminho diferente do que tinha sido feito até ali, que era um caminho europeu, no qual estaríamos junto das grandes economias da Europa. Para uns era uma perspetiva de evolução, enquanto para outros de estagnação”. Isto teria sobretudo a ver com a “as habilitações académicas e a idade” das pessoas. Na sua opinião, “Portugal só teve a ganhar com a entrada no Euro, porque este abriu fronteiras”, possibilitou que “mais pessoas de outros países nos visitassem” e “nos proporcionassem receitas astronómicas” ao nível do turismo, que fazem com que “a nossa economia cresça”. No entanto, é importante referir que “temos problemas internos no país que não foram solucionados, e que os empresários portugueses pugnam para que sejam resolvidos, para que tenham as mesmas oportunidades dos empresários europeus”.
No entanto, compreende que este é um processo que ainda não foi conseguido, pois estas questões “estão enquadradas politicamente”. Na generalidade, “as empresas precisam de ter fatores de produção e de criação de valor que sejam mais atrativos, e para que isso aconteça, existem vários mecanismos e ferramentas ao dispor, na Europa, que em Portugal, gostaríamos que fossem mais aplicados, tais como, por exemplo, criar melhores condições para que os clientes se possam dirigir aos espaços comerciais”. No entanto, “não existe uma cultura em Portugal, em que as entidades que se comprometem a realizar uma obra, o façam no período proposto.”
Na sua opinião, “o Euro não é só uma moeda, é um comportamento perante a moeda. O que nos trouxe foi a possibilidade de os portugueses reagirem e terem as mesmas perspetivas relativamente aos seus congéneres europeus”. Considera que “as entidades devem ser responsabilizadas pelas suas ações” à semelhança de outros países da Europa. Acrescenta que numa moeda única, “as responsabilidades e oportunidades devem ser iguais para todo o território que esta abrange”.
Para João Paulo Range, presidente da Associação do Comércio, Indústria e Serviços dos Concelhos de Vila Franca de Xira e Arruda dos Vinhos (ACIS) “havia em 2002 uma euforia por parte das empresas em fazer um caminho diferente do que tinha sido feito até ali, que era um caminho europeu, no qual estaríamos junto das grandes economias da Europa. Para uns era uma perspetiva de evolução, enquanto para outros de estagnação”. Isto teria sobretudo a ver com a “as habilitações académicas e a idade” das pessoas. Na sua opinião, “Portugal só teve a ganhar com a entrada no Euro, porque este abriu fronteiras”, possibilitou que “mais pessoas de outros países nos visitassem” e “nos proporcionassem receitas astronómicas” ao nível do turismo, que fazem com que “a nossa economia cresça”. No entanto, é importante referir que “temos problemas internos no país que não foram solucionados, e que os empresários portugueses pugnam para que sejam resolvidos, para que tenham as mesmas oportunidades dos empresários europeus”.
No entanto, compreende que este é um processo que ainda não foi conseguido, pois estas questões “estão enquadradas politicamente”. Na generalidade, “as empresas precisam de ter fatores de produção e de criação de valor que sejam mais atrativos, e para que isso aconteça, existem vários mecanismos e ferramentas ao dispor, na Europa, que em Portugal, gostaríamos que fossem mais aplicados, tais como, por exemplo, criar melhores condições para que os clientes se possam dirigir aos espaços comerciais”. No entanto, “não existe uma cultura em Portugal, em que as entidades que se comprometem a realizar uma obra, o façam no período proposto.”
Na sua opinião, “o Euro não é só uma moeda, é um comportamento perante a moeda. O que nos trouxe foi a possibilidade de os portugueses reagirem e terem as mesmas perspetivas relativamente aos seus congéneres europeus”. Considera que “as entidades devem ser responsabilizadas pelas suas ações” à semelhança de outros países da Europa. Acrescenta que numa moeda única, “as responsabilidades e oportunidades devem ser iguais para todo o território que esta abrange”.