A Rentrée
Por Joaquim Ramos
01-10-2015
17:51
Não, não vou falar da rentrée política que ocorre normalmente em princípios de Setembro, depois de os políticos retemperarem forças nas areias portuguesas, de Moledo a Vila Real de Santo António. Mas como este ano há eleições à porta, a rentrée não se fez, porque não houve férias de Agosto para a política.
Estou a falar naquelas centenas de milhares de jovens que, nos diversos níveis de ensino, fazem a transição do “dolce fare niente”de Verão - alguns, porque outros aproveitam a pausa da escola para juntar uns cobres em qualquer emprego sazonal, seja de salva-vidas na costa, a apanhar fruta por esse País fora ou na campanha do tomate ( o exemplo mais caseiro!).
Faz-se a busca aos materiais escolares, decoram-se horários, compram-se livros novos, mochilas, sapatilhas, as mães dão a volta à roupa de inverno e tudo se conjuga para mais nove ou dez meses de rotina diária casa/escola.
O que se espera destes jovens em que o País – ou seja, nós todos através dos nossos impostos – investe muitos milhões de euros e nos quais os pais vêm sumir-se grande parte dos seus rendimentos ? Espera-se naturalmente que estudem, que se armem de conhecimentos e técnicas, que se empenhem na sua formação escolar, na aprendizagem duma profissão, na aquisição duma consciência social que os transforme em cidadãos plenos, produtivos e solidários, que garantam o seu futuro mas também o futuro de Portugal e das gerações vindouras. É isto que se espera deles. E , na generalidade, eles correspondem às expectativas que neles pomos. São informados, bem apetrechados do ponto de vista profissional, generosos, alegres e confiantes no futuro. É vê-los, a ir ou vir das escolas em grupos, mochila às costas e olhos brilhantes de confiança no futuro.
O que esperam estes jovens do País em que nasceram e cresceram, que gastou o dinheiro dos seus pais num longo percurso de aprendizagens que os obrigou a renunciar a muitas festas e fins-de-semana, que lhes causou várias noites de insónia mergulhados em livros e apontamentos, que os fez passar por testes, exames e provas de aptidão da mais diversa índole - enfim, um conjunto de agruras e obstáculos pelos quais tiveram que passar, porque também eles fazem parte do processo de aprendizagem e crescimento?
Pouco , infelizmente. Pouco lhes podemos oferecer. O trabalho passou a ser considerado uma mercadoria, um factor de produção a que é preciso baixar os custos. Deixou de ser o corolário duma aprendizagem profissional . Passou a ser visto como um meio e não como um dos mais importantes vectores da nossa realização enquanto pessoas – e também da nossa sobrevivência. É por isso que assistimos a esse gigantesco e ultrajante desperdício de dar uma formação profissional a centenas de milhares de jovens e depois obrigá-los a aplicar esses conhecimentos no estrangeiro, por falta de alternativa. É um desperdício e uma violência, com toda a panóplia de sofrimentos que a emigração comporta.
Perguntar-me-ão se isso não seria inevitável, dada a crescente substituição do homem pela máquina. Sim, é inevitável quando temos uma orientação liberal do tipo “ o mercado resolve tudo”. Mas numa sociedade moderna não pode ser essa a filosofia de quem governa, há que criar e impôr ao mundo empresarial mecanismos que garantam progressivamente o emprego como um dever social.
Por Joaquim Ramos
01-10-2015
17:51
Não, não vou falar da rentrée política que ocorre normalmente em princípios de Setembro, depois de os políticos retemperarem forças nas areias portuguesas, de Moledo a Vila Real de Santo António. Mas como este ano há eleições à porta, a rentrée não se fez, porque não houve férias de Agosto para a política.
Estou a falar naquelas centenas de milhares de jovens que, nos diversos níveis de ensino, fazem a transição do “dolce fare niente”de Verão - alguns, porque outros aproveitam a pausa da escola para juntar uns cobres em qualquer emprego sazonal, seja de salva-vidas na costa, a apanhar fruta por esse País fora ou na campanha do tomate ( o exemplo mais caseiro!).
Faz-se a busca aos materiais escolares, decoram-se horários, compram-se livros novos, mochilas, sapatilhas, as mães dão a volta à roupa de inverno e tudo se conjuga para mais nove ou dez meses de rotina diária casa/escola.
O que se espera destes jovens em que o País – ou seja, nós todos através dos nossos impostos – investe muitos milhões de euros e nos quais os pais vêm sumir-se grande parte dos seus rendimentos ? Espera-se naturalmente que estudem, que se armem de conhecimentos e técnicas, que se empenhem na sua formação escolar, na aprendizagem duma profissão, na aquisição duma consciência social que os transforme em cidadãos plenos, produtivos e solidários, que garantam o seu futuro mas também o futuro de Portugal e das gerações vindouras. É isto que se espera deles. E , na generalidade, eles correspondem às expectativas que neles pomos. São informados, bem apetrechados do ponto de vista profissional, generosos, alegres e confiantes no futuro. É vê-los, a ir ou vir das escolas em grupos, mochila às costas e olhos brilhantes de confiança no futuro.
O que esperam estes jovens do País em que nasceram e cresceram, que gastou o dinheiro dos seus pais num longo percurso de aprendizagens que os obrigou a renunciar a muitas festas e fins-de-semana, que lhes causou várias noites de insónia mergulhados em livros e apontamentos, que os fez passar por testes, exames e provas de aptidão da mais diversa índole - enfim, um conjunto de agruras e obstáculos pelos quais tiveram que passar, porque também eles fazem parte do processo de aprendizagem e crescimento?
Pouco , infelizmente. Pouco lhes podemos oferecer. O trabalho passou a ser considerado uma mercadoria, um factor de produção a que é preciso baixar os custos. Deixou de ser o corolário duma aprendizagem profissional . Passou a ser visto como um meio e não como um dos mais importantes vectores da nossa realização enquanto pessoas – e também da nossa sobrevivência. É por isso que assistimos a esse gigantesco e ultrajante desperdício de dar uma formação profissional a centenas de milhares de jovens e depois obrigá-los a aplicar esses conhecimentos no estrangeiro, por falta de alternativa. É um desperdício e uma violência, com toda a panóplia de sofrimentos que a emigração comporta.
Perguntar-me-ão se isso não seria inevitável, dada a crescente substituição do homem pela máquina. Sim, é inevitável quando temos uma orientação liberal do tipo “ o mercado resolve tudo”. Mas numa sociedade moderna não pode ser essa a filosofia de quem governa, há que criar e impôr ao mundo empresarial mecanismos que garantam progressivamente o emprego como um dever social.
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