Alta tensão em Casais das Boiças devido ao projeto do parque solar da Torre Bela
Em causa o atravessamento da localidade da freguesia de Alcoentre por linhas de muito alta tensão. Moradores já pensam numa providência cautelar, embora Câmara assegure que promotor está disponível para alterar traçado
| 15 Maio 2021 20:06
Sílvia Agostinho/Miguel António Rodrigues Os moradores de Casais das Boiças, Alcoentre, estão contra o traçado das linhas de muito alta tensão ( 400 KV) inscrito no projeto do parque fotovoltaico da Torre Bela e que passa por cima de suas casas. Depois de muita insistência junta da empresa, foi sugerido por esta um traçado alternativo (ver imagem) com desvio das linhas da localidade, mas a passarem rente à povoação de Alcoentre, o que também é recusado pelos moradores. "Não estamos contra o parque solar, mas para nos livrarmos de um problema, não temos a intenção de o imputar à população da vila de Alcoentre", refere António Loureiro, morador em Casais das Boiças, aldeia com cerca de 200 habitantes.
A Linha de Muito Alta Tensão (LMAT) para o projeto de energia solar em causa compreende um complexo de duas linhas que liga as centrais fotovoltaicas de Rio Maior e Torre Bela à subestação de Rio Maior, a 400kV, com uma extensão de cerca de 20 quilómetros, sujeita a avaliação de impacte ambiental. "O que não queremos é ficar num triângulo de linhas e assim sofrer ainda mais impactes", refere Loureiro. O morador até chega a usar do sentido de humor - "Corremos o risco de ficar eletrocutados com esta carga de linhas elétricas de muito alta tensão". A proposta dos residentes implica a passagem das linhas a leste, na zona do atual olival. Mas segundo estes moradores - "Possivelmente os promotores (Aura Power e CSRTB) não quererão incomodar o senhorio que ali faz o seu cultivo de oliveiras", arriscam. António Loureiro não compreende o traçado amarelo, apresentado mais recentemente pela empresa, porque "implica uma aproximação brutal à localidade de Alcoentre". Neste conflito há questões que têm de prevalecer como "o direito das pessoas à saúde, a manterem o valor das suas prioridades, e a qualidade de vida". A solução que os moradores apresentam não coloca em causa nenhuma habitação à partida e "se for mais dispendiosa para o promotor isso é lá com ele". "Não podemos é ficar prejudicados embora não tenhamos nada contra o parque fotovoltaico" (ver vídeo abaixo). António Loureiro explicita o traçado almejado pela população de Casais das Boiças: "A ideia era atravessar o olival, ligar lá mais à frente em Vale de Judeus /IC2 e não junto à casa dos moradores como o Francisco ou a Patricia como está no traçado verde. Com essa aposta as linhas também não interfeririam com Alcoentre porque o traçado amarelo também não é o ideal", continua a acrescentar Loureiro, que foi também presidente de junta de Alcoentre entre 2013 e 2017. O antigo autarca refere que a proposta dos moradores reúne consenso entre o presidente da Câmara, Luís de Sousa, e Francisco Morgado, atual presidente da junta de Alcoentre. Francisco Dionísio dá a achega "É possível fazer o circuito passando sempre por terrenos de mato ou floresta e possivelmente os custos até nem serão maiores". No estudo providenciado pela empresa Geolayer, contratada pelo promotor, que diz respeito à ocupação dos solos, considera-se que o corredor amarelo é visto com maior impacte nas classes de solos com maior valor ambiental, como os agrícolas, privilegiando o traçado do corredor verde - a afetação de matos e pastagens que são usos compatíveis com a passagem das linhas elétricas. Ou seja embora abdicando da ideia inicial, os promotores consideram-na como a mais indicada. Casais das Boiças, uma aldeia sobrecarregada com torres de alta tensão
A pequena aldeia da freguesia de Alcoentre já é bastante fustigada pela realidade das linhas de muito alta tensão. Há torres gigantes dentro dos quintais de vários vizinhos na Rua da Capela. Patricia Pellissier veio morar para esta localidade há três anos e meio. É francesa e há 20 anos que sonhava vir viver para Portugal. Este que parecia ser um cantinho no paraíso é já um "emaranhado de campos magnéticos" com repercussões "temíveis" no entender da nova moradora. "Não é nada normal estarmos mesmo junto a estas torres, as quais não têm proteção nenhuma estando ao alcance de qualquer criança", refere para ilustrar este quadro emblemático da localidade. Nas várias moradias da Rua da Capela vemos postes enfiados mesmo no meio dos quintais, quais árvores psicadélicas. Dizem-nos que morreu de cancro uma das moradoras, recentemente. No meio deste processo, os moradores criticam a postura da contratada pelo promotor, que segundo a população tem tido uma postura agressiva no contacto com a população de Casais das Boiças, "oferecendo indemnizações, mas ameaçando que no caso de as pessoas não aceitarem, poderem ser obrigadas a isso" tendo em linha de conta que o projeto previsto para a Torre Bela é considerado de interesse público nacional. Patricia Pellissier critica o presidente da Câmara de Azambuja, Luís de Sousa, "porque não preveniu as pessoas de que seriam contactadas neste sentido". No seu caso pessoal refere que foi abordada pela empresa que num dia surgiu do nada a pedir para ver os seus terrenos. "Perguntei quem eram eles mas não quiseram responder". A somar a isto "na planta desenharam as linhas como se não houvesse casas". Uma circunstância que deixa a moradora desolada com o estado de coisas - "Vim morar para Portugal há três anos e meio e este era o meu sonho. Os meus filhos já são adultos, e deixei a França para vir para cá, mas nunca pensei passar por um pesadelo assim".
Recorde-se que esta abordagem aos moradores daquela localidade da freguesia de Alcoentre aconteceu numa altura em que o projeto ainda não tinha sido debatido na Câmara nem estava em consulta pública, o que atesta que as movimentações no terreno não se ficaram apenas pelo arranque dos eucaliptais e pela montaria de dezembro por parte dos proprietários da Torre Bela. No caso de António Loureiro refere que não foi contactado porque a sua casa já fica para além da banda dos 45 metros em relação ao local contemplado no traçado inicial, mas "houve pessoas que aceitaram as indemnizações alegando o interesse público do projeto e quando ainda nada está decidido". "Este tipo de abordagem é desrespeitosa e está contra a lei", junta Patricia Pellissier, que desabafa - "Dizem que é nocivo passar as linhas por cima do olival porque prejudica a natureza, mas parece que não faz mal que passem por cima das nossas cabeças".
Francisco Dionísio mora junto à Vigia do Moinho onde no traçado verde está prevista a ligação da LMAT Rio Maior- Torre Bela às linhas atuais sendo por isso um dos mais prejudicados. As linhas do traçado verde passam a 30 metros da sua propriedade. As que já existem passam entre 500 a 800 metros. "Não estamos contra o parque fotovoltaico, mas no caso destas linhas de muito alta tensão acreditamos que a nossa proposta é tecnicamente viável e não vai interferir nem com a qualidade de vida da população de Casais das Boiças nem com a de Alcoentre", suscita, enfatizando - "Enquanto o parque fotovoltaico só vai existir durante algumas décadas, a LMAT vai ser perpétua e isso não é admissível e não se resolve com os mil ou dois mil euros euros que eles estão a oferecer a cada morador. As pessoas na sua simplicidade pensam que ficam acauteladas perante um prejuízo permanente". O morador diz que in extremis pondera colocar uma providência cautelar contra os promotores mas aguarda pelo resultado das negociações entre a autarquia e as diversas entidades implicadas. Em setembro de 2020 estes moradores promoveram uma recolha de assinaturas entre a população de Casais das Boiças que aderiu na sua maioria. "Apenas uma ou duas pessoas não se opõem à LMAT da Torre Bela, mas segundo se sabe já assinaram papéis com vista à compensação", dá a conhecer António Loureiro. Simon Coulson da Aura Power diz estar disponível para estudar novas soluções Simon Coulson, promotor do projeto e CEO da Aura Powwer, empresa ligada ao parque fotovoltaico na Torre Bela, perante os anseios da população, refere em declarações ao nosso jornal, que aguarda por indicações da Agência Portuguesa do Ambiente, salvaguardando contudo que o projeto tal como se apresenta atualmente "respeita as distâncias" preconizadas pela Comissão Internacional de Proteção Contra a Radiação Não Ionizante (portaria nº 1421/2004, de 23 de novembro). O promotor diz ainda que agradece o feed-back das comunidades locais. O empresário confia na avaliação que está a ser feita pela equipa multidisciplinar envolvida no Estudo de Impacte Ambiental do projeto que contempla a ligação das linhas elétricas subjacentes à central solar e daí até à rede nacional. O promotor garante que as implicações dos campos magnéticos está sob avaliação no estudo de impacte ambiental e que o fator humano é pedra de toque do seu projeto "que está completamente comprometido com a legislação existente bem como com uma gestão adequada e segura em conformidade com os mais elevados padrões internacionais". Já depois do nosso encontro com os moradores de Casais das Boiças e em declarações ao nosso jornal, o presidente da Câmara que se reuniu esta sexta-feira, dia 14 de maio, com a Agência Portuguesa do Ambiente tendo em conta as pretensões da população da localidade da freguesia de Alcoentre, refere que "há disponibilidade do Governo em aceitar o traçado proposto pelos moradores". Luís de Sousa diz ainda que nas conversações com o promotor, este garantiu que não se importa de voltar a mexer no traçado das linhas indo ao encontro das pretensões da população, apesar disso não ter sido levado a cabo numa primeira instância. Na primeira reunião de Câmara do mês de junho, a autarquia vai levar o famigerado projeto do campo fotovoltaico da Torre Bela a votação, depois de ter retirado a proposta em outubro, numa assembleia municipal, por pressão da oposição. De lá para cá, este projeto caiu nas bocas do mundo com o episódio da caçada na Torre Bela, em dezembro passado, que terminou no abate de 540 animais tendo em vista a central fotovoltaica. Previsto para uma área de 775 hectares, trata-se de um investimento de 170 milhões de euros com a criação de 1000 postos de trabalho na fase de construção e 10 postos permanentes após esta fase. A central está prevista para a quinta na parte em que fica de frente para a Companhia Logística de Combustíveis prolongando-se até à entrada de Alcoentre para um total de 638 mil 400 painéis solares. O projeto da Central Fotovoltaica O Projeto da Aura Power Rio Maior também designado como Central Fotovoltaica de Rio Maior, e o Projeto da CSRTB Unipessoal - Central Fotovoltaica da Torre Bela, mas que respeitam ao mesmo parque fotovoltaico a implementar naquela herdade em questão têm como objetivo a produção de energia elétrica a partir de uma fonte renovável, o sol, contribuindo para a diversificação das fontes energéticas do país e para o cumprimento dos compromissos assumidos pelo Estado Português no que diz respeito à produção de energia a partir de fontes renováveis. A nível nacional os projetos pretendem contribuir para as metas previstas na Estratégia Nacional para a Energia que fixou como objetivo que pelo menos 80 por cento de eletricidade produzida e 47 por cento do consumo de energia final tenha, até 2030, origem em fontes renováveis. Deixe a sua Opinião sobre este Artigo
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