Concelho com maior aumento populacional Arruda dos Vinhos: A terra para onde todos querem ir morar
Sílvia Agostinho 04-08-2020 às 15:54
Um pouco por todo o território do país, a desertificação é uma das batalhas dos municípios. A população está cada vez mais idosa e os mais jovens escolhem viver no litoral nas grandes cidades. Em 264 municípios (85,7% do total) o número de residentes diminuiu, segundo os últimos censos. Não tem sido assim em Arruda dos Vinhos nos últimos 20 anos. Desde que foi inaugurado o primeiro troço da A10 entre Bucelas e aquela localidade do Oeste, muitos têm sido os que escolheram o denominado Vale Encantado para vir morar. Segundo os censos de 2019 agora dados a conhecer, este concelho registou o maior sobressalto demográfico dos últimos 10 anos com um aumento de 12,5% na população face a 2011, o que corresponde a mais 1.710 residentes num concelho que conta agora com 15.412 habitantes entre os 308 municípios do país. Já entre 2000 e 2011 tinha crescido 29 por cento mas atrás de outros concelhos, nomeadamente, Mafra.
Sofia Rodrigues e Nuno Figueiredo são um jovem casal de Odivelas que vai assentar arraiais na localidade de Ajuda, na freguesia de Arranhó. Ambos com 28 anos, ainda estão a viver na casa dos pais, mas só até conseguirem construir a sua casa num terreno que foi adquirido há poucos meses. “Somos ambos entusiastas da natureza e da qualidade de vida e este foi o local que nos fez sentido, apesar de também termos procurado casa na Malveira e em Venda do Pinheiro, mas Arruda não foi segunda escolha”, enfatizam.
O entusiasmo destes jovens é visível e já começaram a frequentar o comércio local, nomeadamente, uma barbearia existente na zona, bem como, alguma restauração na sede de concelho. Trabalham ambos por turnos. Sofia Rodrigues é enfermeira numa clínica do setor privado em Lisboa e Nuno Figueiredo é gestor aeronáutico no aeródromo de Cascais, e “como tal o nosso grande objetivo é passar, com qualidade de vida, os poucos dias de folgas que teremos no futuro”. Desde há dois anos que procuravam um terreno. Entre os fatores que pesaram na opção esteve também o facto de um dos familiares residir na zona de Bucelas, e ser mais económico em comparação com o concelho de Mafra “que está a ficar saturado” a nível das deslocações para o trabalho de Sofia Rodrigues. No próximo ano, esperam já estar a viver em Ajuda, Arranhó, e sentem que a população vê com bons olhos os novos residentes da freguesia. Apesar de ainda não viverem em pleno no concelho, “está a ser como idealizámos”. “É estar perto da cidade no meio do campo”. Para ser o pleno “bastava existir mais um acesso da autoestrada a esta zona”, refere Nuno Figueiredo. “Não se pode ter tudo mas demora um bocadinho mais a cá chegar”, junta Sofia Rodrigues que elogia, ainda, o mercado local e a abundância de produtos da terra. No trajeto para o aeródromo de Cascais, Nuno Figueiredo vai demorar uma hora e dez minutos a chegar ao trabalho, num total de ida e volta de 106 quilómetros. Já Sofia Rodrigues, demora 20 a 30 minutos a chegar à clínica. O casal confessa que em tempos tinha uma ideia desfasada quanto a estas localidades do distrito de Lisboa, mas mais afastadas da capital, como sendo longínquas e que não compensavam sequer uma deslocação a um restaurante para ir jantar. Os dois referem ainda que têm amigos que já estão à procura ou que já encontraram casa para viver neste concelho.
Sandro Silva é um dos denominados novos residentes de Arruda dos Vinhos. Tem 32 anos, é natural de Ponte de Lima mas veio estudar para Santarém. Conheceu a sua esposa, natural de Arruda, na altura em que ambos frequentavam o ensino superior na cidade scalabitana. Depois de terminarem os respetivos cursos nunca tiveram muitas dúvidas onde viriam a residir no futuro. Sandro Silva conheceu Arruda quando ainda namorava, “há cerca de oito ou nove anos”. O concelho nessa altura já conhecia um boom demográfico, grosso modo, “mas era diferente”. “Achava que a terra era um bocado mais parada do que hoje. Noto que agora há mais dinamização cultural por parte do município”. Depois de acabar o curso estagiou em Lisboa “e Arruda pareceu logo uma boa opção para viver, porque era perto, e como a minha namorada era de cá fez sentido”.
Residente no Bairro Fonte do Ouro na sede de concelho, comprou casa há cerca de quatro anos, e, nessa altura, apercebeu-se que o mercado imobiliário era mais barato na localidade do Carregado ou no concelho do Sobral, que também registou alguns picos de aumento da população nos últimos 20 anos, “mas considerámos que era mais interessante vir para cá em termos de qualidade de vida”.
Atualmente trabalha no regime teletrabalho, ainda antes da pandemia, mas em tempos chegou a deslocar-se todos os dias para Lisboa e no local de emprego havia muitas ideias divergentes sobre a dicotomia: viver num meio rural e fazer carreira na capital. “Tinha colegas que viviam na zona da Ericeira ou Malveira, e que possuíam uma visão semelhante à minha, que valia a pena fazer mais alguns quilómetros, porque demorávamos o mesmo tempo ou menos a chegar ao emprego do que os colegas que vinham da linha de Sintra, mas que julgavam, inicialmente, que Arruda era muito longe, que distava mais de 100 quilómetros”. Sendo oriundo do norte do país, nota que esta perceção dos lisboetas em relação a zonas limítrofes como Arruda é “muito própria do sentimento de quem vive na capital, onde parece que as pessoas não conhecem mais nada a não ser Lisboa, porque têm tudo ao pé”. “No norte, as pessoas que vivem nas capitais de distrito como Braga ou Viana do Castelo não olham para as periferias como lugares remotos ou fora de mão, porque também fazem mais trajetos para fora”. Os sentimentos de pertença a uma região são mais arreigados no Norte onde “as festas que acontecem em determinadas zonas como é o caso de Ponte de Lima trazem muita gente de muitas cidades como Braga e outras localidades da região, enquanto que no caso das festas de Arruda, salvo raras exceções, não são frequentadas pela população da capital”.
Para Sandro Silva uma das grandes mais-valias de viver em Arruda são as pessoas “que acolhem bem, por norma, os novos residentes”. “Penso que Arruda conseguiu um bom equilíbrio entre o rural e o urbano, em que temos tudo à mão, mas também usufruímos da tranquilidade do campo”. Para o novo habitante do concelho, manter este equilíbrio é o desafio, e encara como fundamental a obra da nova variante “face à pressão de tráfego que se regista a determinadas horas”. Ainda não conseguiu trazer amigos para vir viver para Arruda mas também confessa que nesta altura “não existe oferta no mercado de arrendamento e já escasseia no que toca a imóveis para vender”. “Quando comprei o meu apartamento foi no pico da crise mas se fosse hoje custar-me-ia mais 25 por cento do que aquilo que custou”.
Presidente da Junta de Arruda, Fábio Romão “Há quem tenha vindo de Lisboa, e acabe a participar em tertúlias tauromáquicas”
Oeiras, Lisboa, Sintra, Cascais são os concelhos de onde é proveniente a maioria dos novos residentes de Arruda que desde o início dos anos 2000 têm optado por esta zona, de acordo com o presidente da junta de freguesia de Arruda dos Vinhos, Fábio Morgado. A autoestrada foi essencial nesta nova realidade caso contrário “ainda haveria gente a pensar que Arruda dos Vinhos era ao pé de Figueiró dos Vinhos”. “Se não houver trânsito demora-se vinte minutos a chegar a Lisboa”, constata realçando que o grande atrativo do concelho “é podermos estar numa espécie de interior do país às portas da capital”. Mas o perfil do novo residente também tem mudado ao longo dos anos “se nos reportarmos até há 15 anos atrás diria que essas pessoas não faziam vida em Arruda, apenas residiam cá, hoje já temos pessoas que vieram viver para o concelho, nos últimos anos, e que fazem parte de órgão sociais de clubes, participam em festas e tertúlias”. São pessoas que têm interesse em fazer parte da vida local, e que vêm esta opção de vida em Arruda como algo a longo prazo.
Por outro lado, e como novos habitantes do campo, acabam por ter uma paixão e um interesse pela preservação da natureza diferente da dos residentes tradicionais – “Temos assistido, nos últimos anos, ao aparecimento de pequenos grupos de pessoas que defendem o bem-estar animal e a preservação do ambiente em Arruda”. Fábio Morgado nega que haja um choque cultural entre os novos residentes, e os antigos, por via dos primeiros terem outro tipo de vivências, educação, e cultura. Segundo o presidente da junta, um fator de integração acabam por ser as festas de agosto, onde as pessoas que vieram viver para o concelho vindas da zona de Lisboa fazem parte das denominadas tertúlias móveis que como é sabido celebram o espírito tauromáquico, mas este não é um obstáculo – “De facto é em Lisboa que persiste o sentimento antitaurino, e muitas vezes essas pessoas, que passaram parte das suas vidas, antes de virem para cá, em concelhos perto da capital, são de facto contra as touradas, mas posso dizer que há quem naquele momento valorize o convívio e a integração com quem cá vive e esqueça esse cunho taurino ou dê menos importância”. No exercício das suas funções, o desafio também passou a ser diferente com a comunicação com a população a efetuar-se em parte através da internet e das novas formas de comunicação. “São pessoas por norma mais exigentes em relação a assuntos que pouco ou nada dizem à população natural de Arruda, que prefere, antes, o contacto direto através da abordagem na rua”. Nesse sentido “tentamos incluir toda a gente através de todas as formas de atendimento, porque quer os arrudenses, quer os novos residentes sentem um grande apego a esta terra, embora de maneiras diferentes, porque uns nasceram e cresceram cá, e outros porque escolheram Arruda e têm orgulho em cá viver não apenas por causa da paisagem mas pela filosofia de integração e das relações pessoais que se estabelecem na comunidade”. Fábio Morgado diz que só conhece um caso de quem se tenha arrependido de vir viver para Arruda, “mas foi uma situação muito específica”.
Paulo Viduedo: Pandemia aumentou procura por moradias
Nem só para o poder autárquico teve de se adaptar ao desafio do aumento populacional de Arruda, mas também o setor imobiliário que tem tentado manter-se a par das exigências da nova população. Com a pandemia surge agora o fenómeno de uma maior procura de moradias. O “Vale Encantado” acaba por ser um “refúgio” no campo a meia dúzia de quilómetros da cidade o que encanta os novos e os velhos habitantes.
O consultor imobiliário da Remax, Paulo Viduedo, que está há mais de dez anos no mercado, também teve de “agarrar” esses desafios. A sua experiência e os anos que leva nesta profissão são um barómetro quanto ao tipo de pessoas que têm procurado o concelho em causa. Ao Valor Local, considera que nos últimos tempos “o mercado imobiliário sofreu várias mutações” e “adaptação” tem sido a palavra-chave. É importante por isso “ter em carteira um grande número de imóveis de forma a colmatar as necessidades dos clientes”. Segundo o principal consultor em Arruda dos Vinhos, um dos fatores atuais mais desafiantes é o facto de começar a escassear a nova construção.
Em média, os clientes procuram na maioria imóveis com quatro assoalhadas e moradias “sendo que nos últimos meses, e muito devido ao confinamento pelo qual todos passámos, tem vindo a aumentar a procura por moradias, o que é facilmente explicado pelo facto de as pessoas passarem mais tempo em casa e sentirem a falta de algum espaço exterior”. No mercado de Arruda escasseia precisamente esse tipo de tipologia de imóveis, o que significa um desafio ainda maior para Paulo Viduedo e a sua equipa.
Contrariando a ideia que Arruda é apenas procurada por jovens casais, Viduedo refere que os seus clientes são de todas as idades e das mais variadas proveniências - “Tenho como clientes jovens casais que compram a sua primeira casa, mas também casais já com filhos que trocam apartamentos em cidades mais movimentadas como Lisboa por moradias em Arruda, e casais já reformados que por quererem estar mais perto da família, ou por quererem viver mais calmamente escolhem Arruda”.
Salienta o consultor que, na maioria, os seus clientes referenciam o seu trabalho a amigos e por isso, esta é também uma forma para ir ao encontro de novos clientes.
De toda a área circundante de Arruda dos Vinhos, é o concelho do Sobral de Monte Agraço que regista valores mais baixos no imobiliário. Paulo Viduedo salienta contudo que Arruda dos Vinhos apresenta valores inferiores a Loures, Vila Franca e Torres Vedras, sendo por isso “também mais barato, viver em Arruda dos Vinhos, sem dúvida”.
Para o consultor os fatores que mais têm contribuído para o crescimento populacional estão relacionados com a proximidade a Lisboa, as acessibilidades, a segurança, e o valor dos imóveis em relação a outras localidades “mas sobretudo a qualidade de vida”. “Repare que na realidade vivemos no campo mas com todas as comodidades da vida na cidade”.
Piquete da Fruta cria loja online para ir ao encontro da população mais recente
Com o número de pessoas a aumentar em Arruda dos Vinhos, vão-se mudando os gostos e sobretudo as exigências. Em parte do comércio local, já se vão notando outros pedidos.
Habituado a ter todo o tipo de produtos e uma clientela diversificada, André Moleiro, da loja Piquete da Fruta, que já conta com 12 anos de existência, diz que é habitual ver muitas caras novas. “Não sabemos se são pessoas que já viviam em Arruda ou se vieram para cá morar, mas ficamos com a sensação de que são novos residentes”.
Embora exigentes, os novos habitantes não trazem gostos diferentes dos clientes habituais, mas não esconde que a fruta e os produtos da terra têm uma grande procura. Por norma não tem dificuldades em satisfazer os novos clientes, até porque o leque de produtos vendido nesta loja “é bastante alargado”.
Atento à nova realidade demográfica do concelho, o Piquete da Fruta tem também melhorado a loja online. A chegada da pandemia levou a mudanças nesse projeto, um sistema usado em regra por uma população mais nova, e que durante o confinamento fez a diferença junto de muitas famílias. André Moleiro salienta que a loja preparou-se para essa realidade. Ao nosso jornal, refere que a loja online foi reforçada, assim como, o número de trabalhadores, que estava noutras áreas da empresa “que fizeram toda a diferença, porque de facto tivemos uma procura enorme em relação às entregas ao domicílio e com entregas em 48 horas”.