Áudio-visuais e empresas concessionárias
Por Joaquim Ramos
Há poucos anos atrás, respondendo a um apelo aflitivo da minha mãe, fui até casa dela tentar ligar-lhe a televisão que, segundo o telefonema que me fez, por mais botão que ela carregasse mantinha-se com o ecrã escuro como noite sem lua. Quando cheguei, estava ela agarrada ao telefone a bramar, já com aquela irritação sem freio que a velhice permite: " Oh menina, o que têm as minhas primas a ver com a televisão ?". Espantado, pedi-lhe o telefone, encostei-o ao ouvido, e ouvi a voz impessoal duma gravação MEO: "Para assuntos de televisão, prima 1, para questões da sua conta, prima 2 e por aí fora até ao prima 9, se quiser falar com um assistente !" Percebi então a irritação da minha mãe com a inclusão das suas primas nesta disputa, e premi 9, porque queria falar com um assistente, ou melhor, pretendia, que, em linguagem pré-gravada, a gente não quer, pretende ou deseja, a gente não fala nem responde, só houve o que quer e o que não quer. E foi isso mesmo que aconteceu. Ouvi, enquanto me davam música, outra menina a dizer que a MEO era maravilhosa, que apenas por não sei quantos euros eu podia ter acesso a um sem número de canais, que nem a vida inteira me chegava para vê-los, mais internet e mais dois telefones portáteis. E tudo isto entrecortado de estimado cliente para aqui e para ali.
Depois, mais música, minutos infindáveis de música, até que outra menina com voz de gravador veio avisar o estimado cliente que, devido à enorme afluência de chamadas, era melhor desligar e ligar mais tarde.
Esta situação pôs-me à evidência vários fenómenos que caracterizam a vida moderna. Desde logo, a nossa dependência de áudio-visuais, traduzida no desespero que se apodera de cada um, como se apoderou da minha mãe, quando o televisor ou o telefone ou o computador entram em curto-circuito. Desespero só comparável à falta de água ou luz!
Depois, evidenciam-nos como podemos estar à boca e ouvido de semear em qualquer parte do mundo. E nessa perspectiva constituem um enorme avanço para o progresso e bem- estar da Humanidade. Não acho que a proliferação e facilitação dos áudio- visuais tenham contribuído para aumentar o isolamento das pessoas. As pessoas, salvo em caso de doença ou prisão, apenas se isolam voluntariamente. Pelo contrário, acho que os áudio- visuais contribuíram em muito para mitigar a solidão!
Parece então que tudo é maravilhoso na relação das pessoas com os áudio-visuais. E em teoria é. Se não aparecessem pelo meio umas empresas que gerem os telefones, as televisões e a internet e que têm uma óptica exclusiva de lucro, sem qualquer ligação com a sua finalidade social. Escusam de vir com histórias dos apoios ao Benfica e ao Sporting e a mega-concertos, que isso não tem nada a ver com intervenção social. A lógica do lucro dessas empresas, que já se estendeu a outras que têm um fim social, como a EDP e as companhias concessionárias, obriga-as a actuar do lado dos custos, porque do lado das receitas a concorrência não lhes dá margem de manobra.
É por isso então que nós falamos para máquinas que nos falam. As máquinas não têm salário nem horário de trabalho. As máquinas só resolvem problemas para as quais foram pré-programadas, o que corresponde apenas a vinte ou trinta por cento dos problemas que temos com os nossos aparelhos. Por isso, na maior parte dos casos, ficamos como que perdidos no deserto, com o oásis áudio- visual à vista, mas sem podermos alcançá- lo! Por isso é que, enquanto, o desenvolvimento dos áudio-visuais contribui para melhorar a felicidade humana, as empresas que os gerem apostam em sentido diferente, desumanizam o seu serviço e tornam- no dificilmente acessível a uma grande parte da população. Há que pôr freio nestas empresas. Fazer com que estabeleçam uma relação humanizada com os seus utentes e contribuirem para mitigar a solidão afectiva que se apoderou da sociedade nos nossos dias.
07-07-2015
Por Joaquim Ramos
Há poucos anos atrás, respondendo a um apelo aflitivo da minha mãe, fui até casa dela tentar ligar-lhe a televisão que, segundo o telefonema que me fez, por mais botão que ela carregasse mantinha-se com o ecrã escuro como noite sem lua. Quando cheguei, estava ela agarrada ao telefone a bramar, já com aquela irritação sem freio que a velhice permite: " Oh menina, o que têm as minhas primas a ver com a televisão ?". Espantado, pedi-lhe o telefone, encostei-o ao ouvido, e ouvi a voz impessoal duma gravação MEO: "Para assuntos de televisão, prima 1, para questões da sua conta, prima 2 e por aí fora até ao prima 9, se quiser falar com um assistente !" Percebi então a irritação da minha mãe com a inclusão das suas primas nesta disputa, e premi 9, porque queria falar com um assistente, ou melhor, pretendia, que, em linguagem pré-gravada, a gente não quer, pretende ou deseja, a gente não fala nem responde, só houve o que quer e o que não quer. E foi isso mesmo que aconteceu. Ouvi, enquanto me davam música, outra menina a dizer que a MEO era maravilhosa, que apenas por não sei quantos euros eu podia ter acesso a um sem número de canais, que nem a vida inteira me chegava para vê-los, mais internet e mais dois telefones portáteis. E tudo isto entrecortado de estimado cliente para aqui e para ali.
Depois, mais música, minutos infindáveis de música, até que outra menina com voz de gravador veio avisar o estimado cliente que, devido à enorme afluência de chamadas, era melhor desligar e ligar mais tarde.
Esta situação pôs-me à evidência vários fenómenos que caracterizam a vida moderna. Desde logo, a nossa dependência de áudio-visuais, traduzida no desespero que se apodera de cada um, como se apoderou da minha mãe, quando o televisor ou o telefone ou o computador entram em curto-circuito. Desespero só comparável à falta de água ou luz!
Depois, evidenciam-nos como podemos estar à boca e ouvido de semear em qualquer parte do mundo. E nessa perspectiva constituem um enorme avanço para o progresso e bem- estar da Humanidade. Não acho que a proliferação e facilitação dos áudio- visuais tenham contribuído para aumentar o isolamento das pessoas. As pessoas, salvo em caso de doença ou prisão, apenas se isolam voluntariamente. Pelo contrário, acho que os áudio- visuais contribuíram em muito para mitigar a solidão!
Parece então que tudo é maravilhoso na relação das pessoas com os áudio-visuais. E em teoria é. Se não aparecessem pelo meio umas empresas que gerem os telefones, as televisões e a internet e que têm uma óptica exclusiva de lucro, sem qualquer ligação com a sua finalidade social. Escusam de vir com histórias dos apoios ao Benfica e ao Sporting e a mega-concertos, que isso não tem nada a ver com intervenção social. A lógica do lucro dessas empresas, que já se estendeu a outras que têm um fim social, como a EDP e as companhias concessionárias, obriga-as a actuar do lado dos custos, porque do lado das receitas a concorrência não lhes dá margem de manobra.
É por isso então que nós falamos para máquinas que nos falam. As máquinas não têm salário nem horário de trabalho. As máquinas só resolvem problemas para as quais foram pré-programadas, o que corresponde apenas a vinte ou trinta por cento dos problemas que temos com os nossos aparelhos. Por isso, na maior parte dos casos, ficamos como que perdidos no deserto, com o oásis áudio- visual à vista, mas sem podermos alcançá- lo! Por isso é que, enquanto, o desenvolvimento dos áudio-visuais contribui para melhorar a felicidade humana, as empresas que os gerem apostam em sentido diferente, desumanizam o seu serviço e tornam- no dificilmente acessível a uma grande parte da população. Há que pôr freio nestas empresas. Fazer com que estabeleçam uma relação humanizada com os seus utentes e contribuirem para mitigar a solidão afectiva que se apoderou da sociedade nos nossos dias.
07-07-2015
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