Bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas denuncia precariedade sem fim nas consultas de saúde oral no SNS
Situação também identificada nos centros de saúde de Azambuja, Alenquer, e Arruda dos Vinhos
|12 Set 2022 16:33
Sílvia Agostinho Um dos setores que mais se tem ressentido com o caos na saúde seja na Unidade de Cuidados Primários de Azambuja, seja ainda nos centros de saúde de Alenquer e Arruda dos Vinhos prende-se com as consultas de médico dentista, introduzidas nos últimos anos, mas onde tem existido um entra e sai de clínicos inusitado. Uma das causas prende-se com o facto de serem extremamente mal pagos. Os médicos são colocados com recurso a empresas de trabalho temporário e cumprem uma jornada inteira de trabalho, e ganham cerca de 1400 euros por mês, mas a recibos verdes, o que significa que têm de fazer os descontos a suas expensas com os necessários cortes de ordenado. Já outras classes profissionais (assistentes dentários) ligadas a esta consulta chegam a auferir pouco mais de quatro euros à hora. Após os descontos e no final do mês levam abaixo do ordenado mínimo para casa. A medicina dentária encontra-se neste ponto nos centros de saúde da região – Azambuja, Alenquer e Arruda dos Vinhos.
Cristina Ribeiro, médica dentista atualmente a exercer funções no Norte, mas que foi a primeira colocada neste tipo de consultas, em Azambuja, ainda em 2016, conta que as empresas de trabalho temporário pagam na maioria dos casos tarde. “Os trabalhadores não têm um dia certo para receber o ordenado”. Isto aplica-se quer a médicos quer a outras classes profissionais adstritas aos centros de saúde do Estuário do Tejo com os quais este tipo de empresas trabalha. Brasileira radicada em Portugal, Cristina Ribeiro desabafa – “Os médicos passam uma vida inteira a estudar e não têm o seu trabalho valorizado”. Cristina Ribeiro confessa que o seu trabalho em Azambuja foi muito intenso “porque significou o arranque desse tipo de consulta, com muita gente para ser atendida, porque não havia medicina dentária no SNS, e estávamos a lidar com o facto de durantes décadas não ter existido a cultura de cuidar dos dentes”. Hoje Cristina Ribeiro conseguiu encontrar outras condições no norte do país com contrato direto com a ARS-Norte, mas em Azambuja e a trabalhar por conta da empresa de trabalho temporário “Precise” com contrato com o Estado, as condições eram piores - “Eles exploravam ao máximo. Não se pode culpar apenas o Governo ou só a empresa, porque um é o criador e o outro a criatura”, não se coíbe de enfatizar. Em Azambuja, Cristina Ribeiro começou por auferir 8,5 euros à hora mas a dada altura baixou para 8 euros, “sem que houvesse lugar a qualquer aumento”, e “sem direito a subsídio de férias, subsídio de Natal, e a ter de fazer os descontos para a Segurança Social do meu bolso”. Atualmente ganha 9 euros e 89 cêntimos à hora num centro de saúde da ARS-Norte para um total de 35 horas semanais e não 40 como acontece em Azambuja por intermédio da empresa de trabalho temporário. “O sonho dos médicos daí do Sul era serem contratados diretamente pelo Estado como acontece aqui, porque pelo menos a jornada de trabalho seria menor, de 35 horas. A única vantagem é essa. Não posso dizer que ganho muito mais aqui, mas se essa empresa é intermediária deveríamos auferir muito mais”. O Valor Local apurou que no âmbito de um congresso de dentistas ocorrido nos últimos tempos, tiveram lugar muitas queixas quanto a este tipo de empresas, sendo que se este intermediário não existisse os assistentes dentários poderiam estar a ganhar 9 euros à hora, e os médicos 15 euros. “Houve uma dentista que se levantou e disse os valores que eram pagos, e ficou tudo de boca aberta, até houve ameaças de abandono desse congresso. Foi um escândalo”, diz a nossa fonte. O Valor Local ouviu o bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, Miguel Pavão, que corrobora este estado de coisas, e adianta que não têm faltado contactos com o Governo e com as administrações regionais de saúde para que desistam deste tipo de intermediários que apenas trazem “mais precariedade” à profissão. “Os médicos ficam reféns destas empresas”. No fim de contas, os médicos dentistas acabam por “rapidamente quebrarem os vínculos a estas empresas e consequentemente com o Serviço Nacional de Saúde”. O responsável não tem dúvidas que são as empresas que acabam por lucrar mais com este “negócio” – “Apresentam preços competitivos junto do Estado para ganharem os concursos, e claro ao ministério da Saúde interessa pagar o menos possível”. Todo este cenário revela “uma grande desorientação e uma falta de vontade de criar uma carreira dos médicos dentistas no Serviço Nacional de Saúde”. Neste momento, apenas a Administração Regional de Saúde do Norte e a do Alentejo “estão a contratar diretamente os médicos dentistas”. Dos 150 médicos no SNS a nível nacional apenas 38 têm um contrato equiparado a técnico superior de saúde. “Evoluíram nesse sentido, se outras ARS não o fizeram é por falta de vontade e comodismo”. “Há médicos dentistas a ganhar apenas 5 euros à hora” O bastonário refere que sabe de casos em que os médicos não auferem mais de cinco euros à hora e isso é o suficiente “para rapidamente se desligarem do Serviço Nacional de Saúde, porque não vêm futuro nem valorização do seu trabalho”. “Há uma situação de ilegalidade porque muitos estão a prestar serviço no setor público sem estarem enquadrados numa carreira, e como tal isso já foi denunciado junto da Provedoria de Justiça, que por sua vez reconheceu essa situação de ilegalidade, mas até à data ainda não houve vontade de regularizar”. O bastonário adianta que em audiência com a secretária de Estado da Saúde Maria de Fátima Fonseca questionou sobre as carreiras, mas a resposta “foi um nim”. “Nem quero equacionar que haja aqui um sistema de favorecimento a essas empresas de trabalho temporário”, refere, apesar desse parecer cada vez mais uma evidência, segundo apurámos junto de profissionais contratados pelas mesmas. OUÇA A ENTREVISTA A MIGUEL PAVÃO
Miguel Pavão dá conta que a proposta da Ordem passou pela possibilidade de cada administração regional ter pelo menos um médico dentista na gestão, acompanhamento, monitorização e logística nesta especialidade, “porque notam-se lacunas por parte do Estado em questões específicas na gestão de material, orientação para as boas práticas, normalização de orientações internas, entre outras matérias”. “Na ARS-Norte existe esta figura que acaba por ser muito útil a nível de uma consultora interna”.
Em conclusão deixa alguns recados – “Para além de ser importante saber-se em que condições se contratam as pessoas, é necessário ter noção dos equipamentos, da logística, e principalmente o tempo da consulta, onde existe uma incúria muito grande, porque consultas de 15 em 15 minutos é corremos riscos de má prática”. Foi sugerido junto da ex- ministra, Marta Temido, que se pudesse criar uma comissão que “implantasse um plano estratégico para acompanhamento da medicina dentária no SNS”, mas até à data a ordem não recebeu resposta. |
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