
A candidatura avieira a património
nacional surgiu em 2005, e de lá para cá muito se fez no terreno, mas as
questões políticas têm pesado para que este barco ainda não tenha chegado a bom
porto. A cultura avieira é mais conhecida, as populações ribeirinhas outrora
mais fechadas agora até recebem os turistas em suas casas. Fomos saber onde pára
a candidatura avieira a património nacional numa entrevista com os seus
promotores João Serrano e Lurdes Véstia do Instituto Politécnico de Santarém
Valor Local (VL) Desde 2005, que esta candidatura foi lançada no terreno, decorrida quase uma década terão havido, com certeza, pontos altos e pontos baixos, pois só assim se explica que passados tantos anos o património avieiro ainda não tivesse sido considerado como património nacional.
João Serrano (JS) – É um facto. Começou-se a trabalhar de forma mais efectiva em 2007. Um dos pontos altos do projecto deu-se quando recebeu nota máxima do QREN no âmbito de uma candidatura ao abrigo do Programa de Valorização Económica de Recursos Endógenos (PROVERE) para os territórios de baixa densidade. Foi considerado um projecto exemplar a nível dos seus objectivos e do que podia beneficiar esta zona. Há por outro lado, um conjunto de causas para que as coisas tivessem corrido menos bem, e sem estar a nomear culpados, podemos dizer que um dos factores deveu-se ao facto de os presidentes de câmara, deste território que ainda é extenso (de Vila Franca à Golegã) não estarem habituados a trabalhar em conjunto. Actualmente, notamos uma mudança de atitude por parte das câmaras em articulação com a comunidade intermunicipal. O restauro das aldeias avieiras tem de ser assumido por todos. Não podemos escamotear que outra das causas é a falta de sensibilidade para a importância desta cultura na construção de uma identidade ribeirinha. Trata-se de uma cultura universal pois obedece ao critério da luta pela sobrevivência e ao do domínio instrumental, com a respectiva adaptação ao meio.
Teve oportunidade de nos dizer, anteriormente, que a Câmara de Azambuja, em anteriores mandatos, nem sempre teve a melhor atitude possível para com este projecto, mas o que tem a dizer do novo presidente?
J.S O olhar é completamente diferente. Estivemos em duas reuniões com o presidente Luís de Sousa e concluiu-se que este projecto era importante para aquele concelho, por causa da Aldeia do Lezirão/Porto da Palha, da gastronomia e da rota turística que se está a construir desde a marina do Parque das Nações até à Golegã, com passagem por Valada. O senhor presidente e o vereador da Cultura deslocaram-se connosco à aldeia avieira, onde todos almoçámos açorda de sável. Luís de Sousa e António Amaral ficaram muito agradados e até ficaram com pena de ir embora porque tinham pela frente aquela paisagem deslumbrante onde se sentia uma grande serenidade. Ficou prometida a construção de uma pequena capela, por parte da Câmara, na aldeia local a pedido da comunidade.
Lurdes Véstia (LV) De acrescentar que pela primeira vez, fomos integrados no programa das Viagens do Zambujinho, do pelouro da Cultura, com visitas das escolas à aldeia avieira do qual não fazíamos parte.
Também temos o caso da Câmara de Salvaterra de Magos que a dada altura saíu do projecto, mas que entretanto regressou…
J.S Regressou, mas, neste momento, e com alguma surpresa nossa, devo dizer que o presidente da Câmara mandou dizer que o nosso cruzeiro religioso no Tejo, (decorrido no mês de Junho) com paragem obrigatória no Escaroupim, (feito no ano passado onde estiveram presentes várias centenas de pessoas), não contribui para a afirmação do turismo no concelho e que por isso não dava apoio. Foi a única Câmara que não quis participar desde Abrantes a Oeiras.
Trata-se de uma atitude inexplicável, tendo em conta que até quis regressar ao projecto?
J.S Como não a compreendemos não conseguimos explicar ou comentar.
A atitude em causa estaria relacionada com algum tipo de incapacidade logística porventura?
J.S Não, até porque como costumamos dizer este é um projecto ‘chave na mão´. No ano passado, o apoio com refeições foi dado pela Escola Profissional de Salvaterra de Magos, e este ano, por algum motivo, esse apoio não foi dado. Mais uma vez não comentamos.
Estava a dizer que vê, neste momento, e em traços gerais uma outra abertura por parte das Câmaras, talvez por estarem novos presidentes no poder, sendo assim poder-se-á tratar de um fogacho de início de mandato ou estamos perante algo consistente?
L.V A mudança de presidentes de Câmara foi muito benéfica para o nosso projecto. Alguns são mais novos e com outra forma de ver estas coisas. Por outro lado, o aparecimento deste projecto, perante o cenário de crise, que apresenta alternativas de financiamento, só pode ser benéfico. Eles só deviam agradecer-nos perante algo que lhes é oferecido. Aflige-me que neguem algo que lhes é oferecido e que só vai criar valor para os seus territórios.
Recorde-nos – o projecto é de 350 mil euros com 85 por cento de financiamento da União Europeia.
J.S Tem sensivelmente esse valor que servirá para fazer um conjunto de trabalhos que culminarão na apresentação de um portfolio com o intuito de consagrar a cultura avieira como património nacional. As câmaras não têm de comparticipar. O Politécnico de Santarém terá de custear os 15 por cento, uma verba aceitável para esta instituição, sendo que estamos à espera de baixar esse valor de investimento. Aguardamos pelo desbloquear da verba, porque houve algumas implicações no concurso, porque outro participante contestou. Temos um prazo até Julho de 2015.
Por outro lado temos, o outro projecto de requalificação das aldeias.
J. S No ano passado o InAlentejo que gere os fundos comunitários estava disponível para financiar em 100 por cento, bastando às câmaras assegurarem os planos de pormenor
L.V Neste ponto da conversa é que introduzimos uma nova palavra da qual gosto muito: birras. A maior parte das aldeias avieiras são ilegais, estão em terrenos da Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Estão todas em leito de cheia. Nós chegamos ao pé dos avieiros e falamos da possibilidade de legalização das casas, mas eles recusam porque dizem que estão naqueles locais há 100 anos e a custo zero. Têm quintais de grande dimensão, imagine o valor de IMI que teriam de pagar, nomeadamente, os residentes nas Caneiras, Santarém. As Câmaras não se entendem com a APA mas também não deixam de cobrar pela água e pelo saneamento nos aldeamentos ilegais, Há estes contra-sensos. Esta questão da legalização é o nosso principal problema. A burocracia é um dos nossos inimigos, e falo agora do caso de um investidor que tem um projecto óptimo para o Escaroupim e a Câmara nunca agilizou de modo a que o senhor conseguisse fazer o seu resort turístico.
J.S Trata-se de um hotel palafítico para mais de 100 camas, que não fere a natureza e dá trabalho permanente durante todo o ano. Há três anos atrás, a anterior presidente da CCDR de Lisboa e Vale do Tejo mostrou interesse. O novo presidente daquela estrutura chamou o investidor e disse que não gostava do projecto. É por causa destas atitudes que o Tejo está cada vez mais abandonado. Temos também o caso de outro investidor com um projecto voltado para o turismo de natureza, parecido com um existente na Comporta, que, neste caso, foi rejeitado prelo presidente da Câmara de Alpiarça.
As próprias câmaras abandonaram muitas delas intenções de requalificar aquele património, pois algumas tinham projectos próprios.
J.S A única que se mantem é a de Salvaterra de Magos, pois as restantes alegam incapacidade financeira. Deverá surgir um projecto unificado no âmbito da comunidade intermunicipal que depois garanta os 100 por cento de financiamento. Temos ainda o caso da Câmara de Vila Franca de Xira que, no anterior mandato, arrasou completamente duas aldeias avieiras, a de Póvoa de Santa Iria e a do Esteiro do Nogueira, que eram duas jóias do património vernacular portuguesa, que hoje não existem, por vontade da anterior presidente, e quando demonstrámos a importância daquele património.
Foi por causa do passeio ribeirinho?
J.S Sim. A única casa palafítica no Tejo que se assemelhava às da Amazónia ou às que podemos encontrar no sudeste asiático foi demolida nesse âmbito. Tinha a particularidade de possuir um viveiro de peixe no seu interior.
J.S A anterior presidente foi irrevogável
Foi arrogante. Veio à nossa casa ofender-nos. Todas aquelas casas eram recuperáveis. Possuíamos projectos de mestrado da Universidade do Minho para enquadrar de maneira compatível as casas avieiras na paisagem do novo passeio ribeirinho. Algo lindíssimo, mas a anterior presidente não quis. Podia funcionar como um autêntico polo de atracção, e estamos a falar de mais de 20 casas arrasadas.
Por outro lado, os descendentes de avieiros também começam a desvirtuar a essência das casas palafíticas com recurso à alvenaria. Quando até os próprios têm dificuldades em preservar aquele património, torna-se mais difícil.
J.S Temos de actuar para que quem constrói deixe de construir. A acção também pode ser política.
L.V Para algo ter valor tem de ser dar valor, caso contrário até os próprios começam a desvalorizar o que têm. Dou esta achega: antes os avieiros tinham vergonha de dizerem que eram avieiros, hoje é motivo de orgulho. Hoje trajam-se de avieiros, antigamente escondiam-se, e negavam a sua cultura. São os próprios que, neste momento, teimam em cultivar os seus trajes. Era impensável como aconteceu recentemente numa das visitas dos miúdos de Azambuja ao Porto da Palha/Lezirão, estes entrarem pelas casos dos avieiros dentro para verem como vivem. Os avieiros ficam felicíssimos com aquilo tudo. Isto é comum a todas as comunidades avieiras, este sentimento de orgulho começou a notar-se quando o nosso projecto nasceu.
A candidatura avieira tem, pelo menos, essa vitória até ao momento.
L.V Sim, se não conseguirmos mais nada, temos essa vitória do orgulho e de eles se assumirem como são. Algo que verificamos é que eles gostam de nos chamar de doutores, embora recusemos esse tipo de tratamento, mas é uma forma de sentirem que alguém supostamente acima deles lhes dá importância, algo que nunca tiveram antes.
J.S Até podemos adiantar que na aldeia de Porto da Palha/Lezirão eles servem refeições às pessoas que ali se deslocam, num ambiente super castiço, onde comem várias dezenas de pessoas, por vezes, aos fins-de-semana.
L.V Estão a comer nas casas dos avieiros, enquanto estes vão estando por ali. É disto que as pessoas gostam. Sabemos que já fazem pescarias com os turistas nos seus barcos, numa lógica de “Avieiro por um dia”.
No que se refere à relação com a nova entidade regional de turismo, fixada no Alentejo, que comparação pode fazer com a anterior, quando o presidente até era um homem do Ribatejo e conhecedor destas realidades.
J.S A relação com a nova entidade é muito melhor. O actual presidente é actuante no terreno. Confirma-se que quase não tem vida pessoal, e está muito interessado em pôr pessoas e entidades em contacto. Tem vontade em desbloquear caminhos e quer fazer. Isto contrasta como do dia para a noite com o anterior presidente (Rosa do Céu, antigo presidente da Câmara de Alpiarça) que era daqui e que fez tão pouco pela região. Tinha tudo para fazer um trabalho como deve ser e não o fez. A tendência mundial do turismo insere-se completamente nesta causa da cultura avieira que é a da procura de experiências através da genuinidade dos locais, daquilo que é culturalmente diferente, neste caso o Tejo, os seus ecossistemas, e as culturas ribeirinhas.
Em que pé é que está, por seu turno, o projecto de candidatura deste património à UNESCO?
L.V Está em curso. O presidente da Entidade Regional de Turismo do Alentejo pediu para que se agilizasse rapidamente uma reunião com ele para que integremos uma candidatura a “património imaterial da Unesco com salvaguarda urgente”. Quando esteve aqui há dias, Ceia da Silva, numa visita às Caneiras, dado o estado de degradação, referiu que é de agilizar o mais depressa possível o processo. Temos três pilares essenciais neste dossier: a casa; o barco/as artes de pesca; a gastronomia. Mas também incluímos por iniciativa nossa: a religião, o folclore, as migrações, a feitiçaria, o papel da mulher.
Sílvia Agostinho
22-06-2014
Valor Local (VL) Desde 2005, que esta candidatura foi lançada no terreno, decorrida quase uma década terão havido, com certeza, pontos altos e pontos baixos, pois só assim se explica que passados tantos anos o património avieiro ainda não tivesse sido considerado como património nacional.
João Serrano (JS) – É um facto. Começou-se a trabalhar de forma mais efectiva em 2007. Um dos pontos altos do projecto deu-se quando recebeu nota máxima do QREN no âmbito de uma candidatura ao abrigo do Programa de Valorização Económica de Recursos Endógenos (PROVERE) para os territórios de baixa densidade. Foi considerado um projecto exemplar a nível dos seus objectivos e do que podia beneficiar esta zona. Há por outro lado, um conjunto de causas para que as coisas tivessem corrido menos bem, e sem estar a nomear culpados, podemos dizer que um dos factores deveu-se ao facto de os presidentes de câmara, deste território que ainda é extenso (de Vila Franca à Golegã) não estarem habituados a trabalhar em conjunto. Actualmente, notamos uma mudança de atitude por parte das câmaras em articulação com a comunidade intermunicipal. O restauro das aldeias avieiras tem de ser assumido por todos. Não podemos escamotear que outra das causas é a falta de sensibilidade para a importância desta cultura na construção de uma identidade ribeirinha. Trata-se de uma cultura universal pois obedece ao critério da luta pela sobrevivência e ao do domínio instrumental, com a respectiva adaptação ao meio.
Teve oportunidade de nos dizer, anteriormente, que a Câmara de Azambuja, em anteriores mandatos, nem sempre teve a melhor atitude possível para com este projecto, mas o que tem a dizer do novo presidente?
J.S O olhar é completamente diferente. Estivemos em duas reuniões com o presidente Luís de Sousa e concluiu-se que este projecto era importante para aquele concelho, por causa da Aldeia do Lezirão/Porto da Palha, da gastronomia e da rota turística que se está a construir desde a marina do Parque das Nações até à Golegã, com passagem por Valada. O senhor presidente e o vereador da Cultura deslocaram-se connosco à aldeia avieira, onde todos almoçámos açorda de sável. Luís de Sousa e António Amaral ficaram muito agradados e até ficaram com pena de ir embora porque tinham pela frente aquela paisagem deslumbrante onde se sentia uma grande serenidade. Ficou prometida a construção de uma pequena capela, por parte da Câmara, na aldeia local a pedido da comunidade.
Lurdes Véstia (LV) De acrescentar que pela primeira vez, fomos integrados no programa das Viagens do Zambujinho, do pelouro da Cultura, com visitas das escolas à aldeia avieira do qual não fazíamos parte.
Também temos o caso da Câmara de Salvaterra de Magos que a dada altura saíu do projecto, mas que entretanto regressou…
J.S Regressou, mas, neste momento, e com alguma surpresa nossa, devo dizer que o presidente da Câmara mandou dizer que o nosso cruzeiro religioso no Tejo, (decorrido no mês de Junho) com paragem obrigatória no Escaroupim, (feito no ano passado onde estiveram presentes várias centenas de pessoas), não contribui para a afirmação do turismo no concelho e que por isso não dava apoio. Foi a única Câmara que não quis participar desde Abrantes a Oeiras.
Trata-se de uma atitude inexplicável, tendo em conta que até quis regressar ao projecto?
J.S Como não a compreendemos não conseguimos explicar ou comentar.
A atitude em causa estaria relacionada com algum tipo de incapacidade logística porventura?
J.S Não, até porque como costumamos dizer este é um projecto ‘chave na mão´. No ano passado, o apoio com refeições foi dado pela Escola Profissional de Salvaterra de Magos, e este ano, por algum motivo, esse apoio não foi dado. Mais uma vez não comentamos.
Estava a dizer que vê, neste momento, e em traços gerais uma outra abertura por parte das Câmaras, talvez por estarem novos presidentes no poder, sendo assim poder-se-á tratar de um fogacho de início de mandato ou estamos perante algo consistente?
L.V A mudança de presidentes de Câmara foi muito benéfica para o nosso projecto. Alguns são mais novos e com outra forma de ver estas coisas. Por outro lado, o aparecimento deste projecto, perante o cenário de crise, que apresenta alternativas de financiamento, só pode ser benéfico. Eles só deviam agradecer-nos perante algo que lhes é oferecido. Aflige-me que neguem algo que lhes é oferecido e que só vai criar valor para os seus territórios.
Recorde-nos – o projecto é de 350 mil euros com 85 por cento de financiamento da União Europeia.
J.S Tem sensivelmente esse valor que servirá para fazer um conjunto de trabalhos que culminarão na apresentação de um portfolio com o intuito de consagrar a cultura avieira como património nacional. As câmaras não têm de comparticipar. O Politécnico de Santarém terá de custear os 15 por cento, uma verba aceitável para esta instituição, sendo que estamos à espera de baixar esse valor de investimento. Aguardamos pelo desbloquear da verba, porque houve algumas implicações no concurso, porque outro participante contestou. Temos um prazo até Julho de 2015.
Por outro lado temos, o outro projecto de requalificação das aldeias.
J. S No ano passado o InAlentejo que gere os fundos comunitários estava disponível para financiar em 100 por cento, bastando às câmaras assegurarem os planos de pormenor
L.V Neste ponto da conversa é que introduzimos uma nova palavra da qual gosto muito: birras. A maior parte das aldeias avieiras são ilegais, estão em terrenos da Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Estão todas em leito de cheia. Nós chegamos ao pé dos avieiros e falamos da possibilidade de legalização das casas, mas eles recusam porque dizem que estão naqueles locais há 100 anos e a custo zero. Têm quintais de grande dimensão, imagine o valor de IMI que teriam de pagar, nomeadamente, os residentes nas Caneiras, Santarém. As Câmaras não se entendem com a APA mas também não deixam de cobrar pela água e pelo saneamento nos aldeamentos ilegais, Há estes contra-sensos. Esta questão da legalização é o nosso principal problema. A burocracia é um dos nossos inimigos, e falo agora do caso de um investidor que tem um projecto óptimo para o Escaroupim e a Câmara nunca agilizou de modo a que o senhor conseguisse fazer o seu resort turístico.
J.S Trata-se de um hotel palafítico para mais de 100 camas, que não fere a natureza e dá trabalho permanente durante todo o ano. Há três anos atrás, a anterior presidente da CCDR de Lisboa e Vale do Tejo mostrou interesse. O novo presidente daquela estrutura chamou o investidor e disse que não gostava do projecto. É por causa destas atitudes que o Tejo está cada vez mais abandonado. Temos também o caso de outro investidor com um projecto voltado para o turismo de natureza, parecido com um existente na Comporta, que, neste caso, foi rejeitado prelo presidente da Câmara de Alpiarça.
As próprias câmaras abandonaram muitas delas intenções de requalificar aquele património, pois algumas tinham projectos próprios.
J.S A única que se mantem é a de Salvaterra de Magos, pois as restantes alegam incapacidade financeira. Deverá surgir um projecto unificado no âmbito da comunidade intermunicipal que depois garanta os 100 por cento de financiamento. Temos ainda o caso da Câmara de Vila Franca de Xira que, no anterior mandato, arrasou completamente duas aldeias avieiras, a de Póvoa de Santa Iria e a do Esteiro do Nogueira, que eram duas jóias do património vernacular portuguesa, que hoje não existem, por vontade da anterior presidente, e quando demonstrámos a importância daquele património.
Foi por causa do passeio ribeirinho?
J.S Sim. A única casa palafítica no Tejo que se assemelhava às da Amazónia ou às que podemos encontrar no sudeste asiático foi demolida nesse âmbito. Tinha a particularidade de possuir um viveiro de peixe no seu interior.
J.S A anterior presidente foi irrevogável
Foi arrogante. Veio à nossa casa ofender-nos. Todas aquelas casas eram recuperáveis. Possuíamos projectos de mestrado da Universidade do Minho para enquadrar de maneira compatível as casas avieiras na paisagem do novo passeio ribeirinho. Algo lindíssimo, mas a anterior presidente não quis. Podia funcionar como um autêntico polo de atracção, e estamos a falar de mais de 20 casas arrasadas.
Por outro lado, os descendentes de avieiros também começam a desvirtuar a essência das casas palafíticas com recurso à alvenaria. Quando até os próprios têm dificuldades em preservar aquele património, torna-se mais difícil.
J.S Temos de actuar para que quem constrói deixe de construir. A acção também pode ser política.
L.V Para algo ter valor tem de ser dar valor, caso contrário até os próprios começam a desvalorizar o que têm. Dou esta achega: antes os avieiros tinham vergonha de dizerem que eram avieiros, hoje é motivo de orgulho. Hoje trajam-se de avieiros, antigamente escondiam-se, e negavam a sua cultura. São os próprios que, neste momento, teimam em cultivar os seus trajes. Era impensável como aconteceu recentemente numa das visitas dos miúdos de Azambuja ao Porto da Palha/Lezirão, estes entrarem pelas casos dos avieiros dentro para verem como vivem. Os avieiros ficam felicíssimos com aquilo tudo. Isto é comum a todas as comunidades avieiras, este sentimento de orgulho começou a notar-se quando o nosso projecto nasceu.
A candidatura avieira tem, pelo menos, essa vitória até ao momento.
L.V Sim, se não conseguirmos mais nada, temos essa vitória do orgulho e de eles se assumirem como são. Algo que verificamos é que eles gostam de nos chamar de doutores, embora recusemos esse tipo de tratamento, mas é uma forma de sentirem que alguém supostamente acima deles lhes dá importância, algo que nunca tiveram antes.
J.S Até podemos adiantar que na aldeia de Porto da Palha/Lezirão eles servem refeições às pessoas que ali se deslocam, num ambiente super castiço, onde comem várias dezenas de pessoas, por vezes, aos fins-de-semana.
L.V Estão a comer nas casas dos avieiros, enquanto estes vão estando por ali. É disto que as pessoas gostam. Sabemos que já fazem pescarias com os turistas nos seus barcos, numa lógica de “Avieiro por um dia”.
No que se refere à relação com a nova entidade regional de turismo, fixada no Alentejo, que comparação pode fazer com a anterior, quando o presidente até era um homem do Ribatejo e conhecedor destas realidades.
J.S A relação com a nova entidade é muito melhor. O actual presidente é actuante no terreno. Confirma-se que quase não tem vida pessoal, e está muito interessado em pôr pessoas e entidades em contacto. Tem vontade em desbloquear caminhos e quer fazer. Isto contrasta como do dia para a noite com o anterior presidente (Rosa do Céu, antigo presidente da Câmara de Alpiarça) que era daqui e que fez tão pouco pela região. Tinha tudo para fazer um trabalho como deve ser e não o fez. A tendência mundial do turismo insere-se completamente nesta causa da cultura avieira que é a da procura de experiências através da genuinidade dos locais, daquilo que é culturalmente diferente, neste caso o Tejo, os seus ecossistemas, e as culturas ribeirinhas.
Em que pé é que está, por seu turno, o projecto de candidatura deste património à UNESCO?
L.V Está em curso. O presidente da Entidade Regional de Turismo do Alentejo pediu para que se agilizasse rapidamente uma reunião com ele para que integremos uma candidatura a “património imaterial da Unesco com salvaguarda urgente”. Quando esteve aqui há dias, Ceia da Silva, numa visita às Caneiras, dado o estado de degradação, referiu que é de agilizar o mais depressa possível o processo. Temos três pilares essenciais neste dossier: a casa; o barco/as artes de pesca; a gastronomia. Mas também incluímos por iniciativa nossa: a religião, o folclore, as migrações, a feitiçaria, o papel da mulher.
Sílvia Agostinho
22-06-2014