
Uma pequena maravilha a poucos quilómetros da capital do país, é assim que muitos estudiosos e não só se referem ao Canhão Cársico da Ota. O seu estudo e caracterização foi um dos projetos que saiu vencedor na primeira edição do Orçamento Participativo de Alenquer, ao qual foi atribuída uma verba de 45 mil euros. Um património que convive a pouca distância de pedreiras que são a principal ameaça ao perpetuar daquela “jóia do concelho de Alenquer”.
“Trata-se de uma zona calcária do tempo jurássico escavada por um rio que conseguiu dar a aparência ao local de uma garganta funda, como se de um desfiladeiro se tratasse, ou de uma duna gigantesca mas em que os grãos de areia são pedras”, explica José Carlos Morais, biólogo, e proponente desta proposta, e continua – “O rio foi ‘abrindo’ grutas, cascalheiras, originando também pequenas nascentes, e no fundo esculpindo formas monumentais que podem ser apreciadas”. Povos do neolítico até aos árabes fixaram-se na zona, e há vestígios da sua passagem já musealizados. À forte componente natural junta-se a arqueológica e histórica aumentando assim o grau de riqueza do local.
No entanto, o estudo das suas várias componentes desde a botânica, passando pela arqueológica, biológica, até à ecológica, geológica, e hidrológica, entre outras está por fazer, e José Carlos Morais vê neste incentivo dado pelo Orçamento Participativo um pontapé de saída para algo mais. Diversos planos regionais de ordenamento do território consagraram isso mesmo: a sua classificação e estudo. “Trata-se de uma área regionalmente importante e até em termos nacionais. Urge saber o que é necessário para preservar este local, que sofre com a laboração de várias pedreiras de grande dimensão situadas nas margens do canhão”.
Apesar da importância do local, estranhamente não se encontra classificado pelos organismos competentes do Estado. “Não é admissível que nos últimos anos se tenha aprovado áreas de expansão para a continuidade da laboração das pedreiras, mesmo encostadas à zona do Canhão Cársico”.
Possíveis fricções entre o desenvolvimento de uma atividade económica e a exploração científica de um património importante ficam desde já subjacentes, mas José Carlos Morais não tem dúvidas: “Temos de perceber o que é mais importante. Já vi pararem barragens e pedreiras quando se acharam figuras rupestres e pegadas de dinossauros, mas não quer dizer que não se possa compatibilizar ambos. O problema é que há pedreiras que estão a atirar resíduos para a margem do canhão e a estragar esse património”. De acordo com o Inventário de Geossítios de Relevância Nacional, em 2014, este património que é “o mais extenso e espetacular vale em canhão das regiões calcárias portuguesas”, numa escala de 0 a 400, está atualmente a enfrentar um risco de ameaça de 325.
“O que temos aqui é também importante e pode ser um polo de desenvolvimento local, como os Olhos de Água em Alviela ou as Portas do Ródão, e não fica atrás desses sítios”. O portal da Geologia consagra isso mesmo, apesar de a população do concelho não estar a par deste património. “Em termos de paisagem Cársica, estudiosos referem-se a este local como um dos mais deslumbrantes da Península Ibérica, e pode ser visitada por escolas, por exemplo”.
“Aqui no centro de Ota onde estamos, e onde nada se passa, poderia estar a chegar, neste momento, um ou dois autocarros com miúdos para virem visitar o canhão cársico e com isso dar-se vida a estes cafés e lojas. Isto é um potencial de desenvolvimento”, exemplifica.
O estudo do canhão cársico da Ota surgiu um pouco fora do contexto em relação a outros concorrentes no Orçamento Participativo, e José Carlos Morais considera que pelo seu carácter inovador “a Câmara reforçou a verba que inicialmente estaria disponível para o mesmo”. O projeto recebeu 235 votos da população, e foi o sétimo mais votado. Mesmo assim José Carlos Morais não sabe se os 45 mil euros serão suficientes. Mas será o ponto de partida para a realização de trabalho de campo com o envolvimento de estudiosos das várias áreas envolvidas.
Os projetos do orçamento 2014 têm de estar concluídos no final de 2016, e José Carlos Morais não esconde a sua necessidade de urgência. “Não podemos falhar por exemplo a primavera de 2015, senão o trabalho da equipa de Botânica ficará à partida condicionado em um ano, e por aí adiante. Temos de jogar com os ciclos da natureza. Não conseguimos caracterizar a água de verão, só para dar outro exemplo”. E não esconde que já gostaria de se ter reunido com os autarcas de Alenquer – “Estou a começar a ficar preocupado, de facto, porque este projeto tem de ser concretizado dia-a-dia”. José Carlos Morais diz que é preciso falar o quanto antes com os possíveis científicos e associações e institutos que se dedicam às áreas de estudo em causa. “Mas também quero incluir geólogos, arqueólogos e biólogos de Ota. Porque significa dar emprego a técnicos locais que terão um amor diferente por esta zona”.
O projeto contempla para além da investigação e do trabalho de campo, a elaboração de relatórios sectoriais de caracterização, painéis de exposição, brochura de divulgação, a realização de um seminário, e posteriormente o projeto poderá contemplar a passagem a uma segunda fase com mais estudo e maior componente expositiva.
Sílvia Agostinho
28-01-2015
Comentários
Conheço
bem o local e trata-se de uma paisagem muito bonita, direi mesma única, e tem
uma extensão bastante razoável. Andei sobre ele e sobre toda a zona adjacente e
escalei muitas vezes as encostas escarpadas das suas margens, durante a minha
juventude. Conheço toda a zona circundante e, em meu entender, tem elevado valor
geológico, paisagístico e histórico. Não me é dado conhecer outro lugar com a
harmonia e a extensão que ele tem, dentro dos conceitos da zona de que nos
estamos a referir. É, de todo, justo, objectivo e urgente que se encontre modo
de fazer conviver a actividade económica com a preservação de toda aquela
maravilhosa área e poder proceder à protecção e preservação daquela importante
manifestação da Natureza, que nos apraz apreciar e que poderá, se bem
orientada, se bem conservada e gerida, poderá representar um inestimável pólo
de desenvolvimento para a localidade da Ota e para toda a região envolvente.
Pela sua extensão e aspecto e dentro daquilo que conheço, é das zonas mais
característica e harmoniosa, dentro do género!...
Joaquim Narciso
28-1.2015
Joaquim Narciso
28-1.2015