Um ano depois do fim da PPP de Vila Franca Carlos Andrade Costa confessa: “Ainda não ganhámos as pessoas!”
Assumiu funções como presidente do conselho de administração do Hospital de Vila Franca de Xira (HVFX) a um de junho de 2021, no regresso ao setor público, após 10 anos de parceria público privada com a José de Mello Saúde. Carlos Andrade Costa, 56 anos, tem uma vasta experiência na gestão hospitalar. Esteve no Centro Regional do Instituto Português de Oncologia. Foi membro da direção do Hospital das Forças Armadas, e antes de dizer sim ao convite do Ministério da Saúde, estava no Centro Hospitalar do Médio Tejo. Nesta entrevista fala de um desafio que não se consegue vencer num ano, também naquilo que é o sentir das pessoas com quem trabalha, após 10 anos de PPP. Mas diz-se um homem ambicioso em todas as casas onde trabalha, e a ampliação do hospital, e da urgência numa primeira fase é uma das suas principais metas.
Sílvia Agostinho/Miguel António Rodrigues 29-04-2022 às 16:17
Valor Local - Como é que surgiu e por que decidiu aceitar o convite da tutela para ficar à frente de um hospital numa fase de transição? Carlos Andrade Costa- Sou funcionário público, e estou onde a tutela me manda estar. O ministério da Saúde teve a cortesia de me convidar. Estava quase a completar sete anos à frente do Centro Hospitalar do Médio Tejo. Tinha ainda dois anos de mandato pela frente, estávamos a atravessar uma pandemia, em que esta unidade foi das que mais recebeu doentes fora da sua área de influência. Literalmente desde Bragança até Faro. Estava numa fase muito intensa de trabalho e confesso que tive de pensar uns segundos quanto a essa possibilidade de vir para Vila Franca. Tinha projetos que queria desenvolver no Médio Tejo mas que a pandemia veio travar ou colocar em stand by, mas manda quem pode, obedece quem deve, e portanto segui o caminho que a minha tutela indicou.
A ministra achou que tinha as qualidades certas para assumir este desafio tão complexo: A gestão público-privada estava a terminar, sendo que tínhamos a perceção de que as coisas tinham corrido bem com o grupo Mello, mas ao mesmo tempo havia uma grande incógnita com o regresso ao Estado? Não faço ideia, nem quero especular sobre os motivos da ministra. A mim compete-me estar sempre disponível para o que a minha tutela entender naquilo que eu possa dar um pequeno contributo. Tinha plena consciência de que tinha pela minha frente um exercício difícil. No nosso setor, já tínhamos a experiência de Braga (também gerido no modelo PPP pelo grupo Mello antes de voltar ao público), mas uma coisa é saber como foi, outra é viver essa experiência.
Mas aceitou logo o convite da ministra da Saúde, Marta Temido? Tive de fazer um exame de consciência, porque há aqui uma questão que eu prezo muito, que é a lealdade. Trabalhava com uma equipa, e tínhamos a expetativa de completar o nosso mandato à frente do Centro Hospitalar do Médio Tejo. Para tomarmos decisões, não podemos ser egoístas, e por isso quis ouvir os meus colegas sobre a minha eventual saída.
Há quase um ano na gestão do hospital, é certo que não consegue competir com as benesses, com os prémios de produtividade e outras eventuais regalias que o Grupo Mello proporcionava aos trabalhadores. Mais dinheiro ao fim de um mês é um grande fator de motivação no trabalho. É certo que sim, mas também lhe devo dizer que as pessoas compreendem perfeitamente a situação. A grande maioria, não todas, obviamente. Há uma larga fatia de colaboradores que já vinha do antigo hospital de Vila Franca, antes da PPP, e como tal temos aqui um lastro histórico, e nesse sentido aceitaram com tranquilidade esta realidade, a qual já conheciam antes do modelo de gestão que findou no ano passado. Todos sabemos que a vida não é estática, e estamos sujeitos a alterações. As pessoas prepararam-se nesse sentido, porque o fim da PPP foi anunciado dois anos antes. Foi mais difícil para as pessoas que apenas ingressaram no hospital com a PPP em curso, e como tal tinham mais receios. Acima de tudo importa ir falando com as pessoas e explicar-lhes as razões de as coisas terem acontecido no modelo PPP e já não serem possíveis agora que somos uma Entidade Pública Empresarial (EPE). Contudo em algumas áreas como na da produção adicional existiram ganhos, sem percas a nível da remuneração. Noutras isso não aconteceu. Gerir todas essas sensibilidades é difícil. Estava preparado para isso? É um caminho que estamos a fazer. Não é um caminho que esteja encerrado ou ganho naquilo que é o sentir das pessoas.
O presidente do conselho de administração refuta as críticas dos sindicatos
Quais são os seus principais projetos para o Hospital de Vila Franca de Xira, naquilo que sejam possíveis melhorias. Em outubro o Valor Local levou a cabo no seu destaque de edição um trabalho sobre esta unidade, em que o senhor salientou que estavam em curso alguns investimentos, nomeadamente, no que se prendia com a aquisição de vários equipamentos num valor superior a 400 mil euros. O maior projeto que nos vai acompanhar nos próximos anos prende-se com a ampliação do próprio hospital. Nesta altura já realizámos um investimento na casa do milhão e 400 mil euros, o que é expressivo só num ano, que implicou a renovação de todo o equipamento relacionado com a Gastroenterologia, que se encontrava bastante desgastado. Também estamos a expandir aquilo que é a capacidade da Patologia Clínica, porque estamos hoje a fazer análises que antes não fazíamos, porque iam para laboratórios privados. De referir que hoje todos os serviços têm o seu próprio ecógrafo, o que não acontecia antes. Ao mesmo tempo, estamos a trabalhar numa outra área cujo investimento ultrapassa os dois milhões e 400 mil, valor no qual se inscreve a mudança na TAC e na ressonância magnética. É importante termos equipamentos de alta resolução, com uma belíssima capacidade de transmitir imagem, o que ajuda imenso nas decisões terapêuticas do corpo clínico.
Todas essas melhorias de que fala não foram acauteladas no tempo do Grupo Mello? Toda a gestão é lícita em cada momento. Entendia-se antes fazer uma gestão de determinada forma, e agora de outra. Ambas são legítimas.
Havia a perceção de que o Grupo Mello enviava muitos doentes do hospital para realizarem exames nas suas clínicas. Ainda temos alguns protocolos no que toca a exames mais diferenciados que reportamos para o universo Cuf, mas também para outras clínicas. Aquilo que temos dito é que queremos tratar os doentes da nossa área no nosso hospital, e por isso temos que investir e ampliar o nosso parque tecnológico. Procurar não sobrecarregar os hospitais de Lisboa como São José, Capuchos e Estefânia que são a nossa linha de referenciação. Precisamos de nos atualizar quanto a equipamentos. Os hospitais vivem muito de investimento intensivo, porque a medicina e a tecnologia evoluem muito rapidamente. Por exemplo nos ecógrafos temos vindo a apostar em diferentes tipos de sondas. Antes de termos iniciado funções falámos com a tutela para se mudar a TAC, porque pareceu-nos que já tinha algumas limitações. Há tecnologia mais avançada que faz sentido trazer para dentro do hospital.
No que respeita à ampliação do hospital, que expetativas podemos alimentar quanto à necessidade bem visível dessas obras ? Há muito tempo que se ouve falar da necessidade de ampliação do hospital. A Administração Regional de Saúde de Lisboa e vale do Tejo (ARS-LVT) e a própria ministra já vincaram esse objetivo. Há aqui uma coisa muito curiosa – Não é comum termos um hospital que começou a funcionar há nove anos, e passado um ano e meio já todos diziam que tinha de ser ampliado. Outros edifícios da mesma geração- Braga, Cascais e Loures não apresentam essa questão. Há um consenso de que é imperativo fazer-se a ampliação. Quando se começa a trabalhar lá percebe-se isso. Temos uma capacidade reduzida para 250 mil habitantes. Temos de expandir o internamento - a nossa área de hospital de dia, mas também a vertente de ambulatório, bem como os laboratórios. A tutela ainda não se comprometeu com qualquer calendário? Ainda estamos numa fase de análise técnica, porque temos aqui uma circunstância que não é completamente liderada pela tutela. O edifício também foi objeto de uma parceria público-privada para 30 anos. Cumpriram-se os 10 primeiros. Este processo de ampliação tem que ser discutido com o gestor do edifício. A primeira reunião que tivemos foi em dezembro com os arquitetos e com a entidade gestora. Pedimos ajuda para repensarmos em conjunto a ampliação do edifício para que possamos crescer nas áreas de internamento, consultas externas, exames especiais, hospital de dia e laboratório. Não são obras de menor importância. Já temos um primeiro esboço apresentado pela equipa de arquitetos. Haverá em breve uma nova reunião de trabalho, e consolidada essa ideia de ampliação vamos falar com as pessoas da casa, os profissionais, porque os conselhos de administração vão e vêm e temos de pensar naqueles que vão lá ficar muito tempo.
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Falemos agora da carência de médicos que neste momento o hospital demonstra – Em outubro passado ainda no âmbito do trabalho do Valor Local de que falei há pouco, o presidente da Câmara de Benavente, Carlos Coutinho, referia que o senhor lhe tinha dito que seria necessários mais 20 médicos para suprir as necessidades. Ainda nesse mês, foi-nos adiantado que tinham entrado três novos especialistas para a Pediatria, Cirurgia Geral, e Nefrologia. Mais recentemente vieram três médicos para as especialidades de Psiquiatria, Medicina Interna e Patologia Clínica. Há alguns em regime de internato, mas não sabemos se vão ficar. É nos dito por Roque da Cunha do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) que o senhor não tem conseguido captar as pessoas. Houve serviços que perderam médicos, e a pandemia também contribuiu para tal, nomeadamente na Medicina Interna mas também na Ginecologia- Obstetrícia e por razões diferentes. Quando chegámos tomámos conhecimento dessas perdas, médicos que saíram, mas que não foram substituídos.
Ficámos com a sensação de que houve uma debandada de profissionais desde que foi anunciado o fim da PPP ainda em 2019. Não estava cá, e por isso não sei se houve essa debandada. Sempre trabalhámos com a tutela no sentido de repor os médicos que tinham saído principalmente nesses dois serviços que estavam bastante abaixo das necessidades. Repor o número necessário de médicos não é fácil. Há dois momentos no ano mediante concursos que obedecem a determinadas circunstâncias. A entidade gestora anterior podia contratar sempre que quisesse. Os hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) apenas podem recorrer aos concursos nacionais para colocação de jovens especialistas. No início do verão ocorre o grande concurso anual, e depois no final do ano. É nesses dois momentos que podemos contratar médicos. No ano passado entre junho e dezembro tínhamos 22 vagas, mas não foi possível preenchê-las. Por uma razão ou outra não fomos escolhidos, possivelmente porque durante muitos anos os médicos foram contratados por convite, e alguns poderão não saber que já não é uma PPP.
É estranho que estando nós na Grande Lisboa não apareçam médicos para o HVFX, que pelos vistos padece da mesma circunstância dos nossos centros de saúde que não conseguem trazer clínicos para cá. Como disse a forma de se contratar mudou por completo e o que temos de fazer é convidar os jovens médicos que estão a sair da especialidade para virem conhecer o serviço, à semelhança do que outros hospitais fazem. Tivemos duas vagas para Patologia Clínica que foram preenchidas por duas jovens captadas pelo diretor de serviço que as convidou a visitar o laboratório para perceberem o investimento e a filosofia que tínhamos para aquela vertente. O nosso hospital foi a primeira escolha daquelas profissionais, porque previamente vieram perceber o que havia aqui, constataram a nossa vontade de investir, perceberam que estávamos a falar a sério e não tiveram dúvidas. Aconteceu o mesmo noutros serviços. Como tal já não somos nós a escolher determinado profissional, mas o inverso, em que temos de ir atrás dos médicos, entusiasmá-los para ficarem connosco.
Durante a visita que levou a cabo no último trimestre do ano passado, Alexandre Valentim Lourenço, do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos, deu conta que os médicos que estavam a terminar o internato tinham sérias dúvidas se queriam continuar no hospital. Qual é o ponto de situação? Ainda há dias tivemos uma reunião com os internos das especialidades dos últimos dois anos, e a esmagadora maioria quer ficar. Devo dizer que nos últimos 15 dias da gestão PPP havia um conjunto de internos que estavam para sair. Pedimos à antiga entidade gestora que contratasse todos. Tivemos um entendimento perfeito e só tenho a agradecer. Ainda continuam no hospital? Sim. Continuam a fazer o seu caminho.
O Sindicato da Ordem dos Médicos evidencia uma grande preocupação no que respeita ao trabalho dos clínicos no hospital, referindo que têm de se desdobrar entre a urgência interna e a externa, devido à falta de médicos, o que no entender de Roque da Cunha, representante do SIM, é algo que coloca em causa a capacidade do serviço. O dirigente sindical diz que os médicos não podem andar aos pulinhos, ou bem que se está escalado para uma coisa, ou para outra. Isso é algo que se passava antes. O doutor Roque da Cunha se calhar andou distraído durante 10 anos. Há momentos em que por excesso de utentes na urgência, e é preciso que o médico que está na urgência interna apoie os seus colegas da urgência externa. No mês passado isso aconteceu quatro vezes, mas este mês apenas uma. Há dias um médico estava em quarentena e outro doente, e isso acabou por desequilibrar a urgência. São contingências que vivemos, mas que já aconteciam antes.
Pensa que o Grupo Mello conseguia controlar melhor esta realidade, no sentido de não haver queixas junto dos sindicatos? Penso que há uma perceção diferente por parte das pessoas quando trabalham em empregadores privados por oposição ao setor público.
Queixam-se mais quando estão no público? É como digo têm perceções diferentes. Mas são situações que já aconteciam há três, quatro anos, ou mais, mas de que não se falava. Mas deixe-me dizer que é um bom sinal, porque prova que se sentem seguras e confiantes para isso.
Mas segundo Roque da Cunha houve clínicos que colocaram minutas de isenção de responsabilidade. Como sabe isso é impensável num hospital privado.
Noutros hospitais públicos onde trabalhou isso também aconteceu? Sabemos que isso ciclicamente acontece. Não é nada de novo no SNS, só em Vila Franca desde que voltou ao público.
No que respeita ao número de médicos no modo prestadores de serviços, ou seja, sem vínculo, podemos dizer que são a maioria? Não. Estão na sua maioria vocacionados para o trabalho de urgência. Temos contratado mais, mas esta é uma realidade presente em qualquer tipo de hospital, sejam públicos ou privados.
Contudo estamos sujeitos a muita volatilidade por parte desta categoria de profissional. O próprio Roque da Cunha referiu-nos que o médico prestador de serviços pode faltar e não lhe acontece nada. O que procuramos fazer é que o médico prestador de serviços se fidelize à instituição. Pode pertencer a um quadro de outro hospital, mas queremos que enquanto prestador de serviços faça o maior número possível de horas em Vila Franca.
Tem conseguido? Temos conseguido, porque obviamente não se faz tudo num dia. O processo de reversão é muito complexo sob o ponto de vista de toda a organização da casa.
Deixe-me perguntar: o Grupo Mello deixou-lhe alguma bota para descalçar? Todos os hospitais são casas muito complexas, onde não há dias fáceis. Possivelmente, eles também herdaram situações do passado. Todos lidamos no dia-a-dia com o sofrimento das pessoas. Nos hospitais tudo tem uma dimensão difícil e penosa. O importante é sabermos qual o caminho a seguir neste ano de transição e onde tudo acontece. Tivemos de mudar o número de segurança social, o número fiscal, os contratos, negociar as coisas mais banais da vida. Tivemos de enquadrar juridicamente os contratos.
Para finalizarmos a questão dos médicos: Os concursos vão ter lugar e esperamos que Vila Franca possa ser a escolha desses profissionais. Na primeira reunião que tive com o serviço de Medicina Interna, e noutras que houve à posteriori, perguntaram: se se ia conseguir resolver as coisas todas (todos os problemas) naquele momento. Disse que não, que não era possível. Referi que ia levar pelo menos um ano e meio, para ser otimista.
O seu desejo é continuar à frente do HVFX até porque pelos vistos ainda tem uma tarefa grande pela frente e se abandonasse o barco nesta altura seria complicado. Tenho um lado muito prático da vida: Sou católico e ponho-me todos os dias nas mãos de Deus. Se ele quiser que eu esteja aqui, estarei, caso contrário até posso estar no fim do mundo.
Mas o seu desejo é continuar… O meu desejo é continuar porque há muito trabalho a fazer, mas não sei o dia de amanhã!
Habituámo-nos a ver o hospital receber várias distinções como as atribuídas pela Joint Commission International, mas também através do Sistema Nacional de Avaliação em Saúde (SINAS). Nos dados que reportam ao final do ano passado, numa das últimas avaliações, tem boas classificações nos indicadores que respeitam às instalações e conforto, segurança e satisfação do doente, focalização no utente, mas não foram fornecidos dados por parte do hospital quanto à algumas especialidades, nomeadamente, Ortopedia, Cirurgia, Pediatria. Situação que se repetiu agora no início de 2022, e quando estas especialidades estavam sempre muito bem conotadas nestes sistemas de avaliação. Na reunião final com a equipa de auditores externos houve algumas recomendações no sentido de melhorarmos este ou aquele aspeto.
Vai procurar corrigir para voltarmos a ter estas ou outras especialidades de novo nos melhores patamares? Tivemos de fazer muitas alterações nos meios de registo das métricas na passagem da PPP para EPE. Sabendo que muitas coisas iam ser assinaladas não deixámos de fazer essa avaliação em dezembro para que através de uma visão externa pudéssemos ser ajudados a acelerar os processos. Estamos ainda hoje a mudar métricas.
Mas também temos falta de clínicos nestas áreas? Sim na Ginecologia/Obstetrícia e na Medicina Interna nas quais temos de aumentar o número de médicos. Temos agora a completar o internato uma médica de Ginecologia/Obstetrícia que quer muito cá ficar, tenho esperança nisso. Teve a melhor nota dos hospitais da região de Lisboa. Isso diz bem da nossa capacidade formativa.
Quantos internos é que estão a querer ficar no HVFX neste momento? Cerca de seis ou sete internos. São praticamente todos.
Na altura em que foi anunciada a reversão da PPP, um clínico do hospital afeto ao SIM referiu em entrevista ao nosso jornal que com o regresso ao público, vinha aí de novo o fantasma da falta de material, alegando que o Grupo Mello conseguia ultrapassar este tipo de questões com grande facilidade, ao contrário do Estado. Também sente isto no seu dia-a-dia? Não sei qual é a experiência desse médico, mas os hospitais quando aplicam as regras do mecanismo da contratação pública, organizam a sua gestão de compras mediante os seus stocks. Ciclicamente pode faltar um artigo ou outro, mas regra geral não vemos esse tipo de questão no SNS, até se fala em esbanjamento por vezes.
Bom, por vezes chegam-nos notícias precisamente em sentido contrário. Que falta efetivamente material nos hospitais. Pode faltar mas há sempre forma de ultrapassar essas questões. É normal. Agora penso que existe por vezes muitos preconceitos em relação ao SNS. Há muita gente que não gosta do Serviço Nacional de Saúde.
Mas nos seus contactos com a tutela nunca teve de pedir mais celeridade para colmatar determinadas carências? Todos nós queremos tudo para ontem! Não vejo que haja uma matriz de ausência de material nos hospitais, prova disso foi o que se passou na pandemia com o SNS a dar a resposta necessária. Daqui a quatro anos quando tivermos relatórios internacionais sobre a capacidade dos hospitais europeus, vamos ver a excelente classificação que o nosso país vai ter, mesmo aqueles que não gostam do SNS.
Não é essa a perceção que as pessoas têm no seu dia-a-dia. Mas é isso que vamos ver nessa altura. Quando percebermos como foram as dificuldades para fazer face à pandemia em países como a Bélgica, a Dinamarca, a Alemanha, a França, ou a Itália.
Na pandemia, fomos de facto um caso de sucesso, mas naquilo que são as questões de fundo e estruturais o caso muda. Sim, mas em todos os países há listas de espera e mais necessidade de investimento. Tratar da saúde é tão complexo que é possível ver sempre falhas, mas todos os dias há milhares de pessoas a serem bem atendidas no SNS.
Passando agora para as queixas por parte do Sindicato dos Enfermeiros que teve uma reunião consigo recentemente: O senhor disse a Pedro Costa daquele sindicato que o hospital apresentava uma carência de 49 enfermeiros. Sendo que é apontado ao HVFX o facto de continuar a praticar as mesmas 40 horas semanais, como acontecia na PPP, a estes profissionais, mas pagar 35. Ou seja, a unidade ainda não conseguiu aplicar o horário das 35 horas como é regra para quem trabalha no setor Estado. Com isso está a causar uma grande insatisfação junto dos enfermeiros. Esses 49 enfermeiros são os necessários para fazermos a mudança das 40 para as 35 horas. Estamos a trabalhar com a tutela e ainda há poucos dias saiu um despacho para novas contratações por parte dos hospitais. O HVFX ficou com 77 enfermeiros, 70 especialistas e 7 enfermeiros gestores.
Nesse número quantos serão efetivamente os novos enfermeiros a darem entrada no HVFX, porque Pedro Costa referiu-nos que esse concurso é basicamente para progressões na carreira, grosso modo para os que já lá estão. Obviamente que ele não se deve ter apercebido deste diploma. Temos um número baixo de enfermeiros especialistas, com um rácio de 5,3 por cento quando deveria ser 25 por cento. Temos então 70 vagas para enfermeiros especialistas, podendo concorrer os que estão na casa, mas também profissionais de fora. Depende do número de enfermeiros da própria instituição que tenham a diferenciação de especialistas, mas que não têm ainda o grau. Em conclusão haverá sempre um ganho de enfermeiros, isso sem dúvida nenhuma.
Ainda segundo aquele sindicato, o senhor é acusado de fazer uma gestão à la carte dos enfermeiros que se traduz numa bolsa negativa de duas mil horas. Refere Pedro Costa que com frequência, os enfermeiros são mandados para casa quando há menos fluxo de doentes ou quando são canceladas cirurgias. Percebo que num hospital onde não havia grande dinâmica sindical agora se tenham virado para o HVFX, embora tenhamos a trabalhar connosco sindicatos mais representativos. Não existe uma gestão aleatória, mas sim passar os horários dos senhores enfermeiros de 12 para 7 ou 8 horas por dia. Possivelmente gostariam de fazer a gestão do seu trabalho mediante as 12 horas. Ainda segundo o Portal da Entidade Reguladora da Saúde no que concerne aos processos REC (Reclamações, Elogios e Sugestões) para o HVFX, temos no ano de 2021, em que até junho esteve a PPP e depois entrou a EPE, 168 elogios, 367 reclamações e uma sugestão. Já tem alguma indicação quanto ao ano de 2022? Tivemos aqui algum aumento das reclamações porque assistiu-se a um número enormíssimo de atendimentos nas urgências no primeiro trimestre deste ano. A urgência é uma das áreas que carece de obras de ampliação. Temos um projeto que prevê estender a área da urgência na casa dos 580m2. Quando temos atualmente uma área compactada com 32 mil ou 33 mil pessoas a passarem por mês nesse serviço, tal leva a que as pessoas fiquem bastante descontentes. Vamos ampliar a urgência também na lógica da Covid, porque temos de espaçar mais as pessoas. Não tenho o número de queixas, mas posso dizer-lhe que subiu consideravelmente, até porque passámos de 19 mil para 33 mil atendimentos de um trimestre para outro.
A sala de observação na garagem deu polémica
Deu que falar durante a visita da Ordem dos Médicos a tal sala de observação que teve de ser instalada durante a pandemia no sítio onde estava uma garagem. Houve muita polémica. Ainda é usada? Sim, porque não temos onde pôr os doentes. O que fizemos foi melhorar as condições de conforto e de segurança e essa é mais uma razão para se fazer a ampliação. Não critico quem teve de anular os refeitórios dos pisos para os transformar em área de internamento, ou quem teve de ir para um parque de estacionamento de forma a ampliar a urgência.
Teria feito igual? Se calhar podia ter ido para outras áreas, mas não critico o que herdei. Aquilo que procuro é melhorar. Não faço juízos de valor. Eventualmente fizeram o que melhor podiam ou sabiam em contextos de grande pressão. Cada um teve as suas aflições. Agora não quero ficar com responsabilidades que não eram minhas. Aquela visita foi desastrosa, porque tentou colocar nas mãos do SNS uma responsabilidade que não era nossa. Isso caiu muito mal na casa. Pôs-se em causa mil e quinhentas pessoas, e isso foi muito desagradável. Herdei aquela área de internamento, herdei uma grande carência de médicos, e doentes internados em refeitórios, mas apenas trabalho para melhorar.
Ainda em declarações ao nosso jornal, o representante do Sindicato dos Enfermeiros desperta para o seguinte que gostaria que o senhor comentasse – Existindo aquela ideia de que com o Grupo Mello tudo funcionava lindamente, é nos dito por Pedro Costa que a PPP drenava muitos doentes para os hospitais públicos, tendo a possibilidade de recusar utentes para não assoberbar determinados serviços. Os problemas estariam camuflados, segundo ele. Enquanto no SNS a resposta é centralizada existindo a possibilidade de se perceber se outros hospitais têm ou não capacidade para receber utentes. Por norma não frequento hospitais privados. Aquilo que sei é que os doentes que pertencem ao Hospital de Vila Franca têm de ser tratados aqui até atingirmos a denominada diferenciação clínica, e aí sim transferimos. É neste espírito que temos vindo a desenvolver muitos serviços como o da Nefrologia, quando antes muitos dos nossos doentes eram encaminhados para o Hospital Curry Cabral. Temos uma belíssima unidade de diálise que tem de ser rentabilizada, e que vai passar a fazer cinco tardes por semana mais o sábado. Já temos mais nefrologistas do que no momento da reversão. Temos excelentes profissionais e queremos fazer uma grande aposta tecnológica para ficarmos com os nossos doentes o máximo de tempo que pudermos.
O hospital tem algum projeto candidatado ao Plano de Recuperação e Resiliência? Submetemos uma candidatura em articulação com a entidade gestora do edifício no valor de três milhões de euros para colocação de painéis fotovoltaicos que poderá traduzir-se, segundo os cálculos, numa poupança anual de 550 mil euros, que podemos retirar da conta da luz para investir no hospital e tratar os nossos doentes. Esperemos que seja aprovada. A ministra foi reconduzida. Já vai para o seu terceiro mandato, embora o último tenha sido interrompido pelas razões que conhecemos. Vai ser mais exigente ainda com Marta Temido naquilo que são as reivindicações que tenha para o hospital? Gosto que as instituições que eu sirvo sejam ambiciosas. Não sou enquanto pessoa um homem ambicioso, mas tenho muita ambição nas casas onde trabalho, e penso que em menos de um ano já se fizeram algumas coisas. A senhora ministra espera que deste conselho de administração haja projetos e vontade de fazer.
Ponto de situação das listas de espera
Segundo os últimos dados disponibilizados pelo hospital face ao ponto de situação nas listas de espera para consulta e cirurgia, é referido ao Valor Local que a 31 de março de 2022, a unidade registava 133 dias como tempo médio de espera para consultas. Para cirurgias, o Hospital de Vila Franca de Xira apresentava um tempo médio de Espera de 197 dias.
As especialidades com maior tempo médio de espera para consulta são neste momento a Psiquiatria da Infância e Adolescência com 225 dias, e Medicina Física e de Reabilitação com 146 dias. As especialidades com menor tempo médio de espera para consulta referem-se às Doenças Infeciosas com 18 dias, Cardiologia (33 dias) e Urologia (37 dias).
Já no capítulo da cirurgia, as especialidades com maior tempo médio de espera para cirurgia são a Cirurgia Geral (346 dias) e a Urologia (327 dias). Espera-se, por outro lado, menos tempo para cirurgia na Dermatologia (23 dias), Oftalmologia (90 dias) e Ginecologia (97 dias).
O Hospital realiza ainda o seguinte exercício ao comparar o período pré pandémico, com o pandémico e o pós pandémico, se assim podemos designar a fase atual com os serviços a retomarem a normalidade: Assim e nas consultas, o tempo médio em dezembro de 2019, era de 92 dias, em dezembro de 2020 - 157 dias, e em março de 2022- 133 dias. Já nos tempos de espera para cirurgia, em dezembro de 2019, o utente esperava 182 dias em média, um ano depois, em dezembro de 2020 - 239 dias, e atualmente em março de 2022, a média ronda os 197 dias. "Como se pode verificar pelos tempos de médios de espera dos últimos três anos, estes números têm vindo, de forma progressiva, a confluir para os valores registados antes do período pandémico", regista o hospital.