Castro de Vila Nova de São Pedro faz parte da Revolução Alimentar Europeia com a transformação do leite em queijo pelo homem da pré-história
Descoberta agora revelada pela equipa de arqueólogos. O objetivo passa agora por enviar os fragmentos de queijeiras, um dos maiores espólios da Península Ibérica, para o estrangeiro para se apurar se de facto contém vestígios de laticínios
|18 Set 2022 19:22
Sílvia Agostinho As escavações no Castro de Vila Nova de São Pedro que este ano aconteceram pela sexta vez revelaram mais um importante traço da sociedade do Calcolítico no III Milénio A.C. Ao que parece a civilização que habitou aquela área, onde foi construída uma muralha que tem sido posta a nu pela equipa de arqueólogos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, acompanhou a revolução alimentar, que já se iniciara no Neolítico (período que vai do século X antes de Cristo até 1900 a.C) naquilo que hoje é a Europa Central, com o consumo de derivados do leite. Foram encontrados no local, fragmentos de cerâmica das ditas queijeiras destinadas, segundo se pensa, a transformar leite em queijo.
Mariana Diniz, professora na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e investigadora do Centro de Arqueologia Uniarq, refere que foram encontrados 600 fragmentos de queijeiras o que faz deste achado em Vila Nova de São Pedro um dos maiores da Península Ibérica e até da Europa. Um dos próximos objetivos de todo o projeto passa pela realização de análises químicas muito específicas aos artefactos para se conseguir descodificar indícios “da presença da gordura de leite nas paredes dos fragmentos cerâmicos”, e no fundo “garantir que essas peças estiveram mesmo associadas à transformação do leite em queijo”. O evento é tanto mais interessante pelo facto de se conseguir localizar que há cinco mil anos uma pequena modificação genética da espécie humana, registada em povos que habitavam uma parte do planeta, permitiu a assimilação de produtos lácteos. “Como mamíferos deveríamos perder a capacidade de absorver o leite a partir dos três ou quatro anos de idade. Ainda hoje há muita gente intolerante à lactose porque essa é uma marca genética. Em algumas regiões do mundo existe essa mutação genética que é relativamente recente, e que vai do arco da índia até ao espaço europeu onde todos bebemos leite, ao contrário do que acontece no extremo oriente onde o leite não faz parte da dieta, bem como em África a sul do Saara”. O consumo de leite na Península Ibérica dá-se de forma tardia em relação a outras partes da Europa em que há registos do seu consumo no século VI a.C, sendo que a sua transformação em queijo faz-se por permitir uma melhor absorção pelo corpo humano, “e por ser muito mais fácil de conservar”. Os arqueólogos querem ainda perceber se o queijo produzido era para consumo da população local ou para venda através das trocas comerciais muito intensas naquele período da Pré-História. E por outro lado que animal permitia obter o leite, e como eram geridos os rebanhos. No local foram encontrados ossos de ovelha, cabra e vaca. Lucas Barrozo, aluno do Mestrado em Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, é quem tem desenvolvido o estudo sobre as queijeiras e refere que em Portugal até à data ainda não foram desenvolvidas essas análises químicas, “e esse é um caminho que nos falta percorrer neste trabalho”. Os artefactos terão de ser enviados para o estrangeiro porque o país não dispõe dessa tecnologia. O estudante conta que se chegou à conclusão de que estávamos na presença de queijeiras pelos furos para coar os líquidos, e pela forma cilíndrica que ainda hoje é usada para fabricar queijo. “Se comprovarmos que as queijeiras têm esse marcador químico dos laticínios estaremos na presença de um importante dado arqueológico numa lógica de revolução dos produtos secundários à época”.
Estes vestígios já tinham sido encontrados nas primeiras escavações levadas a cabo pelo Tenente-Coronel Afonso do Paço entre as décadas de 30 e 60 do século passado, e que estão em exposição no Museu do Carmo em Lisboa. “Contudo agora foi possível estudar esses materiais, e localizá-los em contextos seguros, também graças às campanhas que fazemos desde 2017”, diz Mariana Diniz que acrescenta - “Este sítio pode ser também definido como estando no epicentro da revolução alimentar ocorrida na Península Ibérica”. Com mais uma campanha terminada “foi possível recolher ainda mais artefactos e restos de fauna o que nos vai permitir enquadrar de forma cronológica os eventos do sítio, no fundo a biografia deste local”. Será possível responder a questões como: “Quando foram construídas as muralhas? Quando foram restauradas? Quando se deram os processos de abandono, ligando depois toda a arquitetura com a vida quotidiana, e os seus objetos”. É de constatar “que o Calcolítico foi uma altura de enorme aceleração económica, e produtividade agrícola, pastoril, artesanal, metalúrgica, com grande prosperidade no ocidente da Península”. O sítio terá sido ocupado entre 2600 anos a.C até 1300 a.C e “foi sem dúvida uma plataforma giratória muito importante”. O estudo do Castro de Vila Nova de São Pedro deve agora passar pela sua musealização e para isso “é importante um trabalho muito grande de conservação porque há muralhas descobertas há mais de 100 anos” expostas aos elementos do tempo. Por outro lado, “é importante recuperarmos as memórias de quem trabalhou nas escavações antigas, e que ainda vive nas aldeias de Torre Penalva e Vila Nova de São Pedro”. Castro de Vila Nova de São Pedro “será a próxima grande aposta do pelouro da Cultura” António José Matos, vereador da Cultura na Câmara de Azambuja, evidencia o trabalho dos arqueólogos envolvidos já há cinco anos neste projeto, e espera que no horizonte 2030 dos fundos comunitários “haja verbas para a cultura material porque nos últimos tempos, as verbas têm andado muito à volta do imaterial e realidades aumentadas, quando neste caso em concreto temos de intervir no Castro, bem como no Palácio das Obras Novas, ou no Palácio de Pina Manique através de um Plano Estratégico Municipal para a Cultura e Património que queremos conceber”. No caso concreto “temos de salvaguardar o que existe para que não se destrua. Há que criar produto e ver o que o próximo quadro comunitário 2030 nos reserva. O Castro será a próxima grande aposta do pelouro da Cultura. Queremos adquirir mais terrenos contíguos para ali criar uma verdadeira viagem ao Calcolítico junto dos visitantes. Temos muito potencial”. Comentários
Artigo muito bem estruturado com uma linguagem bastante acessível para que todos possamos receber informação. Fico muito feliz em perceber que o pelouro da cultura já está a apostar em ir mais longe. Mais artigos destes são importantes para conhecermos o nosso concelho. Cândida Fernandes 19/09/2022, 18:33 |
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