Censos 2021 Pandemia está a trazer população da Grande Lisboa à procura de qualidade vida na região
Dez anos se passaram desde os últimos censos, pelo meio o país enfrentou uma das maiores crises económicas de que há memória. Foram os tempos da Troika em que o mercado imobiliário mudou radicalmente. O Valor Local recorreu a alguns dos maiores especialistas do fenómeno na nossa região, alguns agentes imobiliários de uma conhecida marca para nos ajudarem a compreender de que forma o mercado tem evoluído, mas também ao testemunho das pessoas que cá vivem. Nos últimos dois anos, e fartas do confinamento e de viverem em “caixotes” nas grandes cidades há quem procure os nossos concelhos em busca de um pedaço de qualidade de vida e de natureza. (* atualizada às 12h10 do dia 30-09-2021 com correção dos dados de Arruda dos Vinhos que agora passam a ser os corretos) 29-09-2021 às 11:42 Sílvia Agostinho
O concelho de Azambuja é cada vez mais procurado por quem vive na capital mas também nas cidades circundantes. É certo que os Censos não foram muito simpáticos, mas as perspetivas são animadoras assim haja casas para corresponder à procura o que não tem sido o caso. Há mais de 10 anos que não são construídos prédios com apartamentos na sede de concelho. Em Azambuja vivem menos pessoas do que em 2011, contudo este município ribatejano escapa à hecatombe registada em municípios próximos do distrito de Santarém, mas não consegue ver a sua população a crescer em comparação com o concelho vizinho de Alenquer. A queda populacional é de 1,8 por cento. Passou de 21 mil 814 habitantes para 21 mil 421 residentes. O concelho é constituído por 8372 agregados para 12 mil e oito alojamentos. Decresceu o número de edifícios, atualmente 9456, o que representa menos 0,3 por cento.
Entre quem saiu deste concelho e quem entrou, ouvimos alguns testemunhos. Soubemos através de alguns agentes da imobiliária Remax que a proximidade ao aterro tem levado a que várias famílias tenham abandonado a urbanização da Quinta da Marquesa em busca de outro local para viverem, de preferência fora da vila, devido aos maus cheiros.
Luís Miguel vivia naquela urbanização e este ano foi viver para Vale da Pedra, no concelho do Cartaxo, para uma quinta que ficou a bom preço. Diz que o preço da água é mais em conta, e que o que pagava num mês em Azambuja agora chega para dois meses. Ainda procurou casa em Marinhais e Salvaterra, mas a opção foi em definitivo para o concelho vizinho, porque sempre gostou do Cartaxo. Refere que foi excelentemente recebido pelos novos vizinhos e que conseguiu o abastecimento de água para a sua rua, algo que as pessoas já reclamavam há muito.
Por ser zona de quintas ainda não tinha sido prestado este serviço. Quanto à Quinta da Marquesa, vendeu a casa a uma pessoa de Sacavém. Chegou a queixar-se dos cheiros do aterro. Mas prefere desvalorizar a circunstância: “Houve dias em que os cheiros estavam piores, mas não foi isso que me levou a sair dali, apesar de sentir que havia mais melgas e moscas naquela zona onde vivia”. Os vizinhos, alguns deles queixavam-se, recorda, “mas se calhar porque dá jeito dizer mal só porque o outro vizinho também diz”. Contudo acredita que no futuro a qualidade de vida possa ficar realmente comprometida para quem viva na Quinta da Marquesa, “se o aterro continuar a receber dezenas de camiões de lixo por dia, como tem acontecido nos últimos tempos”. Para além disso, constata que passado pouco tempo de estar a viver naquele concelho foi-lhe atribuído médico de família, quando em Azambuja já estava há mais de quatro meses à espera em virtude de se ter aposentado uma das médicas- “Não quero dizer mal de Azambuja, mas não percebo por que razão num concelho as coisas são tratadas de uma forma e noutro é ao contrário”.
No outro lado da moeda, temos Paulo Tavares (foto), que veio da Póvoa de Santa Iria e no espaço de um ano e meio, veio ele, a mulher e as filhas para a urbanização da Socasa Nova, mais uns tios, oriundos de Vialonga, para uma outra casa na mesma zona. Há ainda um outro familiar que anda, nesta altura, à procura de habitação igualmente na vila. O pai de Paulo Tavares já se encontra a morar também no concelho, em Vale do Paraíso, ou como nos diz “O Céu do Paraíso”, tendo em conta “o sossego e a liberdade” inigualáveis. Ambos acreditam que toda a família ganhou qualidade de vida com esta mudança. Conhecia Azambuja de passagem. “Sempre foi uma zona que me agradou bastante”, refere.
Vivia na Quinta da Piedade, uma das urbanizações com maior densidade populacional do país, e apesar de ter mais serviços e comércio à porta, o que ganhou em qualidade de vida não tem preço. “É certo que só temos dois supermercados em Azambuja, mas o Carregado está próximo e quando queremos fazer umas compras maiores vamos até lá a essas superfícies. Como trabalho no Carregado também facilmente me desloco a um desses supermercados”.
Foi em inícios de 2019 que começou a procurar casa. Na altura estava a terminar o contrato de arrendamento na casa onde vivia na Póvoa, e o preço que propôs ao proprietário para a compra do imóvel de inícios da década de 90 não foi aceite. A sua pesquisa incidiu-se sobretudo no Carregado, Castanheira do Ribatejo e Azambuja. Localidades próximas do trabalho e com comboio à porta tendo em conta que a esposa usa aquele meio de transporte para ir todos os dias para Lisboa.
Se por um lado as viagens para ir trabalhar para o Carregado são mais curtas e poupa em combustível e na manutenção do automóvel, por outro lado viu subir substancialmente a fatura da água. Paulo Tavares mantém o mesmo perfil de consumo, porque continuam a ser quatro pessoas em casa, e os usos que faz da água são idênticos aos praticados na Póvoa, mas quando antes pagava entre 30 a 35 euros por mês, em Azambuja chega a pagar entre 60 a 70 euros. “Notei de facto que a água é muito cara aqui, mas paciência!”. Em Azambuja opera um privado, enquanto no concelho de Vila Franca o abastecimento e saneamento é explorado pelo próprio município.
Paulo Tavares, contudo, continua a realçar que fez um bom negócio, porque a moradia T3, onde vive atualmente em Azambuja, se fosse na Póvoa teria um custo hipotético de “uns 350 mil euros”, quando acabou por comprar por menos de metade desse valor. O que mais gosta na sua casa é o espaço exterior onde consegue fazer “uns grelhados” e as filhas “podem brincar e apanhar um pouco de sol”, algo impensável no sítio onde residia antes.
Segurança, liberdade e locais para respirar ar puro são os principais atrativos da vila de Azambuja. Ainda pensou duas vezes em sair da Póvoa por causa dos estudos das filhas, 11 e 7 anos, mas mesmo neste item Azambuja revelou-se uma boa surpresa – “As escolas são todas umas ao pé das outras. Posso mesmo dizer que para mim constatar isso foi o suprassumo e a cereja em cima do topo do bolo, porque podem ir até ao 12º ano sem saírem de Azambuja. Não precisam de transporte porque as escolas ficam pertíssimo de casa”. Mesmo na famigerada questão da falta de médicos não há razões de queixa – “Passado pouco tempo de cá estar foi-me atribuído um médico de família”. Sobre a oferta de lazer existente na vila acha que é satisfatória – “Temos uma piscina o que é ótimo bem como um espaço de ginásio e desporto no Grupo Desportivo de Azambuja nuns armazéns lá em baixo ao pé do Intermarché com várias modalidades”. O novo morador tem estado atento a algumas iniciativas culturais e assistido aos concertos de verão do programa Artéria. “Não vejo nenhum ponto negativo em Azambuja”. Nem mesmo o problema do aterro sanitário lhe tira o sono – “Confesso que já dei por cheirar mal lá na Socasa devido ao aterro, mas foi passageiro e nada de especial. Na Póvoa era pior quando estava a laborar a antiga fábrica da Solvay devido aos químicos”. Antes de vir para a localidade já sabia da sua existência “porque passava muito aqui na Nacional e não era algo desconhecido”. “Sem dúvida que “Azambuja é para ficar”, conclui.
Jorge Simões, agente da Remax, foi quem ajudou Paulo Tavares a concretizar a sua vinda para Azambuja. Apesar dos censos terem sido ligeiramente negativos para o concelho, tem a perceção de que a vila de Azambuja mais em concreto continua a ser “bastante procurada” por quem vem de fora, sobretudo pessoas oriundas de Lisboa e localidades periféricas como Loures, Santa Iria da Azóia, Vialonga ou Odivelas. No ramo há três anos, exatamente o mesmo período de tempo em que o drama do aterro veio abalar o conceito de viver em Azambuja, Jorge Simões refere que quando vende casas na Quinta da Marquesa (foto acima) opta por informar acerca da existência da unidade da Triaza por um dever de consciência, mas também conta que já vendeu uma casa naquela urbanização a alguém que “já residia anteriormente na vila, que conhecia a circunstância em causa, que desvalorizou e continua lá a morar sem grandes problemas”. O que nota sobretudo é que muita gente saiu daquele local, mas rapidamente as habitações foram ocupadas de novo. “Também vendi uma casa na urbanização ao pé do Intermarché relativamente perto do aterro, e segundo os vizinhos a quem perguntei antes de mostrar a casa, o que me foi dito é que acaba por não transtornar diariamente”.
O grande atrativo de Azambuja, na sua opinião, é o transporte ferroviário, e quem o procura já fez o trabalho de casa nesse sentido. Quando mostra os atrativos de Azambuja, as pessoas identificam-se ou não, regra geral acabam por se queixar “principalmente da escassa oferta de supermercados”.
Uma das principais dificuldades que encontra no seu trabalho é encontrar novas habitações. Nesta altura tem na sua carteira de clientes um casal que quer ir para uma habitação de um segmento superior, mas como não há casas novas em Azambuja a procura está mais difícil. O último edifício de apartamentos foi construído em 2010 perto da estação de comboios. Já quem sai “é por motivos de força maior, como divórcios, questões profissionais, mas é raro encontrar alguém que queira vender a casa porque alega que não gosta de cá viver ou se sinta mal em Azambuja”, reforça Jorge Simões.
Maria da Luz Fuzeiro, igualmente agente da Remax, já estava na profissão antes dos censos de 2011, e sendo assim consegue fornecer uma visão que contempla o hiato de 10 anos, em que “o mercado se alterou profundamente”. Divide-se entre Almeirim e Azambuja, e neste concelho relembra que no início da década passada e em plena crise e período da Troika “muita gente perdeu as casas para a banca e basicamente eram esses imóveis que vendíamos”. Quem passou pela inevitabilidade de perder as suas casas em Azambuja, naqueles anos, logo depois “procurou ir viver para fora daqui por vergonha”.
Maria da Luz Fuzeiro já adivinhava que a bolha imobiliária estava a adensar-se antes da crise de 2011, porque em 2007 e 2008 “a banca emprestava a rodos, e o dinheiro dava para a casa, para comprar carro e viagens, e pressentia-se que mais cedo ou mais tarde a corda ia rebentar para algum lado”. Naquela altura para comprar casa não era necessário dar uma entrada, apenas em 2019 passou a ser obrigatória essa questão. Paralelamente “muitos construtores aqui da nossa região tiveram de entregar imóveis à banca, que deixou de poder emprestar dinheiro para a construção”, sendo que “alguns desses empresários não se conseguiram reerguer”.
Também constata que “muita gente de fora, da zona de Lisboa, escolhe Azambuja, porque fica mais em conta, mesmo com a agravante de passar mais algum tempo em transportes”. Embora “seja muito difícil encontrar novas casas para essas pessoas”. Apesar dos prós e contras, “em geral as pessoas gostam de Azambuja para viver e muitos casais jovens que saíram têm regressado para junto da família”. Segundo Maria da Luz Fuzeiro: “Aveiras de Cima também tem procura, mas a partir daí para cima as pessoas não gostam, sobretudo quando falamos em Alcoentre, porque é uma localidade que já fica longe do comboio e não compensa”. Manique do Intendente, Maçussa e Vila Nova de São Pedro “são localidades atrativas pela paisagem, mas apenas para quem possui capacidade para ter uma segunda habitação”, ou seja, uma casa no campo para as férias ou fins de semana. Já no mercado das casas para regeneração urbana são procuradas por alguns investidores, com o objetivo da sua recuperação, para depois as colocarem para arrendamento, sendo esta uma nova faceta do mercado imobiliário mais recente. “A Câmara tem incentivos e é questão de as pessoas procurarem esse tipo de casas, porque há benesses que são uma mais-valia”.
Contudo sabe que há em breve será construído um novo complexo de apartamentos na zona do Intermarché. A agente imobiliária sabe de terrenos na freguesia em zonas que seriam ótimas para a construção de mais prédios “mas a banca está a pedir valores para muito altos” o que no fundo é mais um entrave ao surgimento de nova construção, nomeadamente, fala em terrenos na zona da escola Boavida Canada, propriedade do Montepio.
Já no setor do arrendamento, não há praticamente casas, e sempre que um imóvel é colocado no mercado para esse fim, chovem ofertas e os negócios são fechados a grande velocidade, praticamente em 24 horas. Nesses casos há interessados em vir para uma casa de renda em Azambuja de localidades como Lisboa ou outras próximas porque os preços são ainda mais exorbitantes nas grandes urbes. “Muitas dessas casas são arrendadas a preços proibitivos e penso eu que tem de existir algum tipo de ajustamento. Ninguém pode pagar 500 quando recebe 700 euros de ordenado”, desabafa, adiantando – “Felizmente os meus clientes com casas à renda em Azambuja são conscientes e têm noção do que o nosso mercado não comporta determinados preços”.
Alenquer com mais população desde há cinco anos
Mais pessoas vieram viver para o concelho de Alenquer nos últimos 10 anos. Em 2011, residiam neste concelho 43 mil 267 indivíduos, quando hoje esse número chega aos 44 mil 428, representando uma variação de 2,7 por cento. O número de agregados também subiu – cerca de 3,2 por cento, sendo hoje 17 mil 304. Aumentou em 0,2 por cento o número de alojamentos – 2533 bem como o número de edifícios se bem que de forma praticamente insignificante numa variação de 0,1 por cento – 16 mil 351. Pedro Folgado, presidente da Câmara, demonstrou ao nosso jornal o seu regozijo pelo aumento populacional, contudo refere que o desafio “é também muito significativo” dado que as escolas do concelho estão cheias e são necessárias soluções que deverão passar por mais estabelecimentos escolares.
Para nos ajudar a compreender o fenómeno no concelho, falámos com mais um agente imobiliário ligado à Remax, neste caso Hugo Silva que tem a sensação de que nos últimos cinco anos, o preço “proibitivo” das casas em localidades como Odivelas, Lisboa, Loures, Alverca, entre outras, levou a um aumento da apetência por Alenquer. Poucos anos depois da saída da Troika os valores aumentarem significativamente nesses locais. Hugo Silva ilustra – “Imagine um T3 nas Colinas do Cruzeiro no concelho de Odivelas pode custar 300 a 400 mil euros, mas em Alenquer fica entre os 120 e os 130 mil euros”. O seu cliente tem preferência pela sede de concelho em detrimento do Carregado, mas tudo depende também dos preços.
A pandemia no seu entender não veio abalar o negócio, e nos últimos dois anos tem registado que a procura vai para moradias com o denominado quintal ou jardim “nem que seja com 30 metros quadrados de relva onde os filhos possam estar a brincar”. Mas se na envolvente existirem espaços verdes “onde as pessoas podem passear então é o pleno”. isto à exceção da “Barrada (foto acima) procurada por uma classe com menos posses e onde a qualidade de vida é menor bem como a segurança”. Hugo Silva refere que de um momento para o outro começou a ser importante para as pessoas “a sensação de poderem andar na rua, sobretudo em zonas verdes, para passearem os filhos, e os animais”, nomeadamente na Quinta do Bravo, na Romeira, mas em parte também no Carregado, o que não acontecia “nas zonas onde moravam antes, onde há sempre muito trânsito e os parques infantis para os miúdos estão sempre atolados de gente”.
Fatura da água é fator desmoralizador no concelho
Quem vem viver para este concelho, enfrenta na sua perceção um ou outro revés, sendo que a fatura da água é um dos principais – “Não só a água é intragável como é caríssima e isso é relatado pelos meus clientes que vêm para cá morar”. Por outro lado, e por ser uma zona húmida há queixas de que isso se sente nas habitações que ganham humidade com facilidade. Já quanto a quem sai do município, “estamos a falar de pessoas que viviam nos limites do concelho como Aldeia Gavinha ou Abrigada que preferem ir morar para zonas mais próximas da capital como por exemplo Vila Franca” para evitarem deslocações mais cansativas para o trabalho.
Arruda dos Vinhos, o concelho que mais cresce em população
Já era mais ou menos esperado, o concelho de Arruda dos Vinhos registou uma subida populacional de 4,4 por cento, passando de 13 mil 391 residentes em 2011 para 13 mil 983. Já quanto ao número de agregados familiares regista uma subida de 3,6 por cento com 22 mil 612 famílias. Há contudo menos alojamentos 1 por cento– 6 mil 651, e menos 1,5cento de edifícios – 4682
O presidente da Câmara de Arruda, André Rijo, contudo, esperava que esse aumento fosse mais substancial, até porque há mais 600 pessoas recenseadas desde as eleições de 2017. “De acordo com o retrato territorial de 2019 pensávamos que teríamos uma taxa superior, dados estes resultados preliminares dos Censos que nos parecem contraditórios, mas já fizemos sentir isso junto de quem de direito”, refere. Sofia Rodrigues e Nuno Figueiredo são um jovem casal de Odivelas que vai assentar arraiais na localidade de Ajuda, na freguesia de Arranhó. Estão a dar curso há cerca de um ano a este sonho depois de terem comprado um terreno. “Somos ambos entusiastas da natureza e da qualidade de vida e este foi o local que nos fez sentido, apesar de também termos procurado casa na Malveira e em Venda do Pinheiro, mas Arruda não foi segunda escolha”, enfatizam.
O entusiasmo destes jovens é visível e já começaram a frequentar o comércio local, nomeadamente, uma barbearia existente na zona, bem como, alguma restauração na sede de concelho. Trabalham ambos por turnos. Sofia Rodrigues é enfermeira numa clínica do setor privado em Lisboa e Nuno Figueiredo é gestor aeronáutico no aeródromo de Cascais, e “como tal o nosso grande objetivo é passar, com qualidade de vida, os poucos dias de folgas que teremos no futuro”. Entre os fatores que pesaram na opção esteve também o facto de um dos familiares residir na zona de Bucelas, e ser mais económico em comparação com o concelho de Mafra “que está a ficar saturado” a nível das deslocações para o trabalho de Sofia Rodrigues. Apesar de ainda não viverem em pleno no concelho, “está a ser como idealizámos”. “É estar perto da cidade no meio do campo”. Para ser o pleno “bastava existir mais um acesso da autoestrada a esta zona”, refere Nuno Figueiredo. “Não se pode ter tudo mas demora um bocadinho mais a cá chegar”, junta Sofia Rodrigues que elogia, ainda, o mercado local e a abundância de produtos da terra. No trajeto para o aeródromo de Cascais, Nuno Figueiredo vai demorar uma hora e dez minutos a chegar ao trabalho, num total de ida e volta de 106 quilómetros. Já Sofia Rodrigues, demora 20 a 30 minutos a chegar à clínica. O casal confessa que em tempos tinha uma ideia desfasada quanto a estas localidades do distrito de Lisboa, mas mais afastadas da capital, como sendo longínquas e que não compensavam sequer uma deslocação a um restaurante para ir jantar. Os dois referem ainda que têm amigos que já estão à procura ou que já encontraram casa para viver neste concelho.
Cartaxo e Salvaterra não acompanham o passo do crescimento populacional
Sílvia Carvalho d’Almeida
De acordo com o relatório preliminar dos Censos 2021, houve no Distrito de Santarém uma diminuição generalizada da população, à exceção de Benavente, que pelo contrário, aumentou a sua densidade populacional. Chamusca, foi no entanto, o concelho que mais pessoas perdeu. Os concelhos de Salvaterra de Magos e do Cartaxo, também se juntaram aos concelhos onde esta perda se observou, relativamente aos resultados de há dez anos. Face a estes dados, o Valor Local quis saber os motivos deste abandono da região, e em particular o que pode ser feito para inverter este êxodo.
O concelho de Salvaterra de Magos tem atualmente cerca de 21 632 habitantes, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, o que corresponde a uma diminuição da população em 2,4 por cento face aos números de 2011. Já no concelho do Cartaxo a quebra foi mais acentuada, ficando esta localidade com menos 5,1% de habitantes, perfazendo o total de 23 211. Quanto ao número de agregados, surpreendentemente, aumentaram em 1,2 pontos percentuais em Salvaterra de Magos, apesar da perda de densidade populacional que se registou nesta região, havendo neste momento cerca de 8 579 pessoas contabilizadas. O Cartaxo registou uma descida de 0,1 por cento, totalizando cerca de 9 579.
Em Salvaterra de Magos houve um aumento em 2,0 por cento no número de edifícios, e de 1,7 por cento em alojamentos, sendo que no Cartaxo os valores são de 0,3 por cento e houve um decréscimo em alojamentos de 1,1 pontos percentuais.
Para André Santos, agente imobiliário da Remax na zona do Cartaxo, e de acordo com a sua experiência profissional, sente que “existe uma grande procura de habitação nesta localidade”. Cerca de 70 por cento dos seus negócios “são feitos com pessoas que vêm de fora do Cartaxo, e principalmente da região de Lisboa e arredores”. Existe, segundo o seu entender, falta de oferta suficiente para a procura, e isso deve-se à escassez de investimento, resultante da “burocracia existente por parte da Câmara Municipal do Cartaxo”. Normalmente as pessoas que põem casa à venda saem do concelho por razões laborais, e deslocam-se para o estrangeiro, ou para Lisboa. No entanto, existe quem queira, mesmo trabalhando na capital, ir morar para esta zona do país, e isso deve-se fundamentalmente ao preço das casas. André Santos explica que “pelo mesmo preço é preferível comprar uma casa maior no Cartaxo do que uma pequena em Lisboa”, o que é uma tendência atual, em grande parte devido à pandemia e aos confinamentos, em que muitos portugueses estiveram em teletrabalho, e viram assim as suas necessidades, em termos habitacionais, incrementadas, e a suspirarem por mais espaço.
Também os níveis de desemprego, que como se sabe, aumentaram podem ter contribuído para esta procura por prestações à banca mais baixas. Com isto, “pelo preço de 150 mil euros, uma pessoa pode comprar uma casa que em Lisboa ou na periferia, custaria cerca de 300 mil”. O concelho continua a ser pouco atrativo, na sua opinião, porque faltam espaços verdes de qualidade e em número suficiente, acessibilidades dentro da sede de concelho e nas freguesias, mas também mais empresas, para que as pessoas que trabalham em Lisboa possam exercer a sua atividade no concelho, e gerar riqueza também noutros setores, tais como a restauração e demais comércio. Existe falta de dinamização deste último por parte das entidades competentes, segundo nos conta. Para André Santos, “o Cartaxo parou”. Havia vida noturna e diversão, e muita gente deslocava-se até aquelas paragens, mas esses tempos dourados já acabaram. Os restaurantes costumavam estar cheios. “Agora a localidade mais parece uma cidade-fantasma, sendo que se pode andar na rua a partir de determinada hora e não ver vivalma, e isto já se verificava anteriormente à pandemia de Covid-19”.
No entanto, as áreas do desporto e cultura merecem nota positiva, já que existem vários eventos deste género ao longo do ano. O principal problema para André Santos, é que há “falta de condições para fixar pessoas no Cartaxo”. Ao longo dos cerca de 16 anos em que trabalha como consultor imobiliário nesta cidade, apercebeu-se de que anteriormente, os jovens a partir de determinada idade mudavam-se das freguesias para a cidade, e neste momento a tendência inverteu-se. Existe toda uma nova filosofia de regresso ao campo, às origens e ao contacto com a natureza, ao contrário do que aconteceu nas gerações anteriores em que se deu o êxodo em direção às cidades grandes. Todavia, o emprego continua a ser uma questão central na escolha do sítio para morar, “e ainda é necessário fazer muito para que mais gente se mude definitivamente para o interior de Portugal.”
Cartaxeiros consideram que endividamento da Câmara contribuiu para a fraca procura do concelho
Também quem está a vender casa na região explica o porquê desta decisão, e o que poderia ser melhorado no Cartaxo de modo a promover a chegada de pessoas, em especial jovens casais que se queiram estabelecer.
Pedro Pacheco tem a casa da mãe à venda, um apartamento de tipologia T2 no centro do Cartaxo. Esta é uma habitação de investimento, e já esteve no mercado de arrendamento por 350 euros. Acontece que recentemente a casa esteve alugada por três meses, e o inquilino deixou de pagar a renda por cerca de um ano, o que levou a família a ter de pedir a intervenção de advogados para resolver a situação. Para Pedro Pacheco, o aluguer “não compensou”, pois as despesas daí resultantes foram muito superiores. Considera mesmo que o Cartaxo não é um bom local para investimentos deste género. Questionado sobre o perfil de quem pretende alugar-lhe a casa, refere que são na sua maioria estrangeiros, particularmente brasileiros, e jovens. Quando lhe perguntamos qual será a causa de as pessoas não terem dinheiro para uma renda relativamente baixa, especialmente se comparada com o preço do arrendamento em Lisboa, confirma as nossa suspeitas de que será provavelmente devido aos baixos salários que se praticam na região, e também à falta de emprego que lhe é típica. Acrescenta que para que as pessoas se desloquem à capital para trabalhar, devia existir mais transportes que fizessem o trajeto até à estação de comboios e que circulassem dentro da localidade. Para além disto, conta que investimentos falhados da Câmara Municipal que a levaram quase à bancarrota, influíram na qualidade dos serviços prestados à população por esta entidade.
Já João Batista não teve dificuldade em vender a sua casa, por cerca de 80 mil euros. A viver atualmente em Rio Maior, conta que existe muita gente a investir no mercado de compra e venda no Cartaxo, e que muitos têm segundas e terceiras habitações, como investimento. Reclama que os políticos que têm governado esta cidade não possuem visão, e que se “esquecem de que também moram lá”. Como exemplo diz-nos que a indústria é praticamente inexistente, o que não pode ser bom para a criação de emprego. “As grandes empresas fecharam” sendo uma delas a GM, que “dava muito trabalho” à população. Ainda, no seu entender, a zona industrial está ao abandono, tendo permanecido “igual ao que era há 20 anos”. Para além disto, obras recentes por parte da Câmara Municipal não contribuíram para embelezar a cidade, bem pelo contrário. No Centro de Saúde os tempos de resposta são muito lentos, e ineficazes, e muitas vezes não há vagas para consultas. Baptista recorda que teve que ser reencaminhado para o Hospital de Santarém por algo que “poderia muito bem ter sido tratado neste serviço”. Para além disto, o centro da cidade foi também “esquecido”. O facto de a Câmara Municipal estar bastante endividada, foi certamente um fator que contribuiu para um fraco investimento na região. Contudo, recorda saudosista o tempo em que o Cartaxo era “a Las Vegas do Ribatejo” há não mais de 20 anos, em que a cidade era procurada pela vida noturna que tinha, sem comparação possível dentre os concelhos da região de Santarém.
Presidentes de Câmara do Cartaxo e Salvaterra preferem olhar para o copo meio cheio
Pedro Ribeiro, presidente da Câmara Municipal do Cartaxo, opina quanto ao decréscimo de população no concelho, avançado pelos Censos 2021, que esta é uma tendência do país e que no distrito de Santarém o Cartaxo é o que “perde menos” habitantes, estando na oitava posição. No entanto, este não é um facto que o “deixe descansado”, pois “em dez anos, o Cartaxo, à semelhança do país, têm observado um recuo demográfico”. Isto requer, na sua perspetiva, uma panóplia de políticas a nível nacional que façam um esforço para fazer regressar, em particular, os jovens que emigraram, para que estes em virtude da sua juventude, possam gerar maiores taxas de natalidade. Para a resolução deste problema contribuiria também um efetivo combate à pobreza e a promoção de emprego bem remunerado e de qualidade, para que as pessoas se possam “enraizar nos nossos territórios”.
Explica que os territórios litorais têm sabido captar pessoas pelas condições que oferecem e que os do interior do país têm perdido população, sendo o caso do distrito de Santarém, e em particular o do concelho do Cartaxo um exemplo disso. Quanto ao mercado de arrendamento do Cartaxo diz-nos que está de boa saúde e recomenda-se, no entanto, há falta de casas para arrendar para a classe média. Na sua opinião o concelho continua atrativo, pois tem uma boa rede escolar, ao nível de creches e jardins de infância passando pelo ensino primário, com escolas de qualidade, “muito bem posicionadas no ranking nacional”.
Relativamente à questão acerca do endividamento da Câmara Municipal e se o facto de não ter podido realizar mais investimentos ter contribuído para o cenário atual, dá-nos exemplos de localidades do distrito cujas Câmaras têm contas estáveis e que perderam mais população do que o Cartaxo.
O presidente da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, Hélder Esménio, contactado pelo Valor Local relativamente ao mesmo tema, referiu que não poderia fazer referência a medidas em concreto que pretende tomar para mitigar o problema do decréscimo populacional no seu concelho, porque poderia ser entendido como estando a usar-se do facto de ser presidente para publicitar medidas enquanto candidato. No entanto comentou brevemente a questão, dizendo que “perante os dados dos Censos de 2021 fica claro que Salvaterra perdeu população em linha com a média nacional, na ordem dos dois por cento”, devido à diminuição da natalidade. Apesar disto, reitera que o concelho foi o quarto com a melhor performance do distrito de Santarém.
Também chamou a atenção para o facto de que anteriormente a 2011, a diminuição do número de população foi algo mais acentuado, e que o concelho tem conseguido recuperar habitantes. Isto deve-se a uma indústria da construção civil “muito ativa”, e à construção de novos imóveis, como de resto está patente nos Censos, e que “têm trazido empregabilidade para a localidade”, acredita. “numa melhoria geral das condições vida das populações”. Refere ainda que durante o ano de 2020, no início da pandemia, Salvaterra de Magos foi um dos nove concelhos do país que diminuíram a taxa de desemprego.