Cidália Martins, um ano depois do ataque por dois cães em Alenquer
Atleta fala em milagre dos médicos mas o trauma permanece
|05 Fev 2022 11:00
Sílvia Agostinho/Miguel António Rodrigues Já passou quase um ano desde que Cidália Martins viveu o maior pesadelo da sua vida, e do qual ainda não acordou completamente. Foi no dia 12 de fevereiro de 2021 quando corria, como o fazia muitas vezes, num caminho público alcatroado entre o cemitério de Alenquer e a zona de Parrotes que foi atacada ferozmente por dois cães de raça cane corso, que recolheram ao canil logo a seguir a este drama, neste que foi um dos casos que mais impacto causou na sociedade portuguesa, tendo sido notícia na imprensa regional e nacional. A atleta de trail do Carregado ficou com os membros superiores completamente estropiados, e quase que se pode falar num milagre por parte da equipa de cirurgiões do Hospital de São José. Apesar de ter perdido grande parte da mobilidade, vai fazendo a sua vida normal dentro das possibilidades, embora o trauma psicológico seja muito grande e como afirma à nossa reportagem “é viver um dia de cada vez”.
Encontrámo-nos com Cidália Martins, 57 anos, no pátio de sua casa, e connosco vai partilhando as memórias daquele dia. A esposa do presidente da junta de Carregado/Cadafais terá sido atacada, segundo estima José Martins, durante 17 minutos em que o seu corpo ficou à mercê dos animais, pertença de um militar da GNR que trabalha na brigada cinotécnica daquela força de segurança e que naquele dia deixou o portão da sua quinta aberto. Era habitual nas suas corridas passar naquele local e nunca notou a presença de cães, até porque se tivesse sido o caso nunca escolheria tal rota, pois afiança sempre teve receio destes animais, embora isso não explique o ataque. “Parecia um sonho mau. Eu não queria acreditar. Mas com a continuação do ataque, eu já estava tão cansada, pensei mesmo que não ia conseguir sobreviver. Tinha acabado de ser avó e ainda tinha muita coisa para viver”. Cidália Martins gritou por socorro o mais que pôde, ao mesmo tempo que os animais lhe abocanhavam os braços, com a atleta a lutar o mais possível para que não a desmembrassem, e não a mordessem no pescoço. Aliás os cães apenas atacaram os braços deixando o resto do corpo intacto. Levantou-se várias vezes do chão, mas não conseguia resistir às investidas dos animais. Não tem noção de quanto tempo durou o episódio, mas José Martins fez as contas porque tinha estado ao telefone com a esposa imediatamente antes, e até os gritos chegarem aos ouvidos dos vizinhos que viviam a um quilómetro terão decorrido 17 minutos. ASSISTA AO VÍDEO DA ENTREVISTA
Um casal que vivia nas imediações acabou por salvar a atleta. Chegou de carro, numa altura em que já não conseguia levantar-se. “Tinha os braços completamente abertos”, recorda-se. Mesmo com a presença dessas pessoas, um dos cães continuou a atacar Cidália Martins, enquanto o outro se preparava para investir contra o homem, que imediatamente recolheu à viatura. “Pensei que agora é que podia mesmo acontecer o pior porque o senhor também tinha ficado com medo”. Uns tempos depois o casal contou-lhe que “o senhor tinha ido buscar um pau, e a esposa tinha chamado o dono da casa” que só nesta altura apareceu em cena.
Cidália Martins considera estranho que o proprietário dos animais não tivesse ouvido os gritos que foram percetíveis pelo casal que vivia mais longe do local do ataque, a um quilómetro de distância. Lembra-se do dono dos cães ter chegado ao pé de si, estando Cidália completamente entre a vida e a morte no chão, e de as primeiras palavras terem sido – “O que é que a senhora fez para os meus cães lhe morderem?”. Com a voz embargada e fragilizada pelas memórias que o acontecimento lhe traz, Cidália recorda-se de ter respondido que tinha ficado com medo, completamente indefesa. Um dos momentos do ataque que mais lhe ficou na memória até porque o trauma também apagou partes do pesadelo que viveu foi quando sentiu “o braço completamente a rasgar e a ficar fora do corpo”. Cidália pediu que ligassem urgentemente para o marido. A ambulância chegou também rapidamente, “e pensei que talvez conseguisse sobreviver”. Conta-nos ainda que na altura de ir para dentro da ambulância, arrastou consigo o braço que estava preso por um fio e de ter pensado, “isto é, meu e vai comigo”. Chegou a perder a consciência mais do que uma vez. No hospital, os médicos referiram que nunca tinham assistido a nada assim. Cidália sempre evitou olhar para o estado em que ficaram os membros. Os animais devoraram parte dos braços e a reconstituição dos membros levou a quatro transfusões de sangue, enxertos de tecido e operações que chegaram a ser de várias horas. Chegou a ser cosida durante mais de três horas. “Uma das coisas que me salvou foi ter puxado o braço quando me transportaram para a ambulância, e assim fiz garrote impedindo a perda de mais sangue”. Mesmo assim os médicos temeram o pior, e chegaram a dizer a José Martins para se despedir da mulher. “O meu marido disse-me para aguentar forte como quando subíamos a ‘Subida da Morte’ que é uma encosta muito difícil que percorremos numa das etapas de trail”. O médico questionou o marido sobre esta alusão à Subida da Morte e foi desta forma que tomou a decisão de submeter Cidália a mais uma operação ao ter sabido que era atleta, e que estaria numa boa condição física, com o coração a poder aguentar mais um teste. Foi campeã nacional no sue escalão durante cinco anos seguidos, com uma média de 3500 quilómetros percorridos por ano, até porque corria todos os dias. Estando em forma foi com facilidade que cicatrizou até porque apanhou bactérias dos cães. Já o pós-operatório, e livre de perigo, não deixou de ser um calvário, pois não se conseguia mexer. Tendo-lhe valido o apoio de um dos colegas de quarto. “Ficava muito grata só pelo facto de alguém me tirar o cabelo dos olhos”. O seu dia-a-dia divide-se agora por duas sessões semanais de fisioterapia para conseguir melhorar ao máximo o movimento dos braços que já não vão voltar a ser o que eram. Tem dificuldade em agarrar objetos, mas dado tudo o que sofreu considera que o seu caso foi um milagre. Contudo o trauma é o que mais lhe custa – “Pensei que não ia precisar de psicólogos, mas enganei-me. Tenho de recorrer a medicamentos para relaxar, e não posso ouvir cães. Evito ir despejar o lixo porque tenho medo que apareça um cão. Vivo sobressaltada e acordo muitas vezes durante a noite com medo.” Nesta altura o caso está a seguir os devidos procedimentos com vista ao julgamento. Muitas das testemunhas já prestaram depoimento. Quanto a justiça para o seu caso, Cidália Martins espera que seja feita porque “pela maneira como fui atacada e apenas nos braços é porque os cães estavam ensinados para isso. É o que toda a gente que tem cães me diz. Com o portão aberto era uma bomba-relógio até acontecer o pior, e sendo assim que seja penalizado. Não condeno os cães, mas o dono”. Cidália Martins aguarda agora por uma operação plástica aos braços – “Estou cá, e estou bem para aquilo que aconteceu. Consigo mexer-me e fazer o essencial, mas já não sou a mesma pessoa. Estou muito afetada psicologicamente”. Notícias Relacionadas
Comentários
Donos de animais irresponsaveis. Ainda GNR.... Nada a de acontecer a unica que vai sair com as sequelas e esta senhora. Paulo Queirós 11/02/2022, 06:40 Estou feliz por esta senhora ter recuperado ,e desejando lhe muita força E que o dono dos animais tenha o castigo que merece Eu adoro animais mas temos dos educar Um bem aja para está senhora Com os meus cumprimentos Hortense. Hortense Martinho 6/02/2022, 19:00 |
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