Covid-19: Como fica a vida num lar de idosos depois de um surto
São instituições onde a Covid-19 entrou em força e deixou um rasto de devastação humana. Levou idosos e instalou um clima de sobressalto que perdura até hoje. O que ficou depois dos surtos e como a vida recomeça nestas instituições: Lar da Santa Casa da Misericórdia de Azambuja, Vale Grande Residence – Casa de Repouso em Quebradas, Azambuja, Lar da Misericórdia de Alhandra, e Solar São Miguel- Lar de Idosos em Cardosas, Arruda dos Vinhos.
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Sílvia Agostinho
01-01-2020 às 12:10
Há dois meses foi notícia, o surto de Covid-19 no Lar da Misericórdia em Alhandra. Morreram 26 utentes nesta instituição entre 86 utentes infetados, a que se somaram 30 trabalhadores. A doença instalou-se no início de novembro e o efeito bola de neve e as proporções que tomou teve consequências avassaladoras para a instituição que ainda tenta digerir os acontecimentos. Principalmente “as marcas são muito profundas porque desapareceram vários utentes que nos eram muito queridos, as mágoas são enormes”. O sentimento de impotência, conta o provedor José Alves, é latente porque “não conseguimos muito mais do que confiná-los e tomar toda as medidas possíveis”.
Com menos intensidade, em Cardosas, freguesia de Arruda dos Vinhos, ocorreu um surto no Lar de São Miguel. Dos 20 utentes, 19 ficaram infetados. Registou-se um óbito. Os doentes com Covid-19 estavam na sua generalidade assintomáticos “o que prova que no meio da infelicidade até acabámos por ter alguma sorte”, tendo em conta as idades avançadas em questão, conta a diretora técnica, Lúcia Costa. “Aliás apenas soubemos, porque um utente ia para ser operado no hospital naquela altura e deu positivo no teste”, junta. Das 15 funcionárias, apenas duas ficaram infetadas.
Depois do terremoto, José Alves conta que os idosos que de um momento para o outro viram partir muitos amigos e companheiros de lar têm tentado superar o momento. “Os que estão lúcidos ainda, sabem que há uma pandemia e são por vezes eles mesmos que quando me encontram – embora eu não esteja muito próximo deles tendo em conta a necessidade de distanciamento social – a darem algum alento, o que não deixa de ser interessante. Dizem que há que continuar com a vida da maneira como ela agora se tornou”. Principalmente “esperam que melhores dias venham por aí e que se regresse à normalidade”. Fica a sensação “que nestes anos de final de vida essas pessoas ganharam ainda mais consciência de que a vida é um dom se assim se pode dizer”.
Quanto a novos procedimentos no sentido de conter ao máximo novos casos, o provedor da Misericórdia de Alhandra diz que não há novidades relevantes nesse aspeto. “Temos dificuldade em pensar no que podemos melhorar nesse capítulo de mais ou menos métodos de atuação face à Covid-19, se calhar passa por aplicar um modelo mais estrutural a estas instituições que devem alicerçar mais a sua componente clínica e menos residencial”, ou seja “cada vez somos menos lar e mais hospital” e “mesmo assim já estamos muito bem apetrechados a nível do corpo de enfermagem e clínico”. A instituição também saúda a colaboração do município e os procedimentos adotados. No caso do lar da Misericórdia de Alverca que também conheceu um surto, mas na primeira fase, o município optou por colocar os doentes num hotel local, “mas essa medida foi para a frente porque ainda não se conhecia bem as nuances dos surtos, chegou-se à conclusão com a experiência que o ideal é separarmos os infetados dos não infetados dentro da própria instituição através da criação de denominado covidário”, refere José Alves.
01-01-2020 às 12:10
Há dois meses foi notícia, o surto de Covid-19 no Lar da Misericórdia em Alhandra. Morreram 26 utentes nesta instituição entre 86 utentes infetados, a que se somaram 30 trabalhadores. A doença instalou-se no início de novembro e o efeito bola de neve e as proporções que tomou teve consequências avassaladoras para a instituição que ainda tenta digerir os acontecimentos. Principalmente “as marcas são muito profundas porque desapareceram vários utentes que nos eram muito queridos, as mágoas são enormes”. O sentimento de impotência, conta o provedor José Alves, é latente porque “não conseguimos muito mais do que confiná-los e tomar toda as medidas possíveis”.
Com menos intensidade, em Cardosas, freguesia de Arruda dos Vinhos, ocorreu um surto no Lar de São Miguel. Dos 20 utentes, 19 ficaram infetados. Registou-se um óbito. Os doentes com Covid-19 estavam na sua generalidade assintomáticos “o que prova que no meio da infelicidade até acabámos por ter alguma sorte”, tendo em conta as idades avançadas em questão, conta a diretora técnica, Lúcia Costa. “Aliás apenas soubemos, porque um utente ia para ser operado no hospital naquela altura e deu positivo no teste”, junta. Das 15 funcionárias, apenas duas ficaram infetadas.
Depois do terremoto, José Alves conta que os idosos que de um momento para o outro viram partir muitos amigos e companheiros de lar têm tentado superar o momento. “Os que estão lúcidos ainda, sabem que há uma pandemia e são por vezes eles mesmos que quando me encontram – embora eu não esteja muito próximo deles tendo em conta a necessidade de distanciamento social – a darem algum alento, o que não deixa de ser interessante. Dizem que há que continuar com a vida da maneira como ela agora se tornou”. Principalmente “esperam que melhores dias venham por aí e que se regresse à normalidade”. Fica a sensação “que nestes anos de final de vida essas pessoas ganharam ainda mais consciência de que a vida é um dom se assim se pode dizer”.
Quanto a novos procedimentos no sentido de conter ao máximo novos casos, o provedor da Misericórdia de Alhandra diz que não há novidades relevantes nesse aspeto. “Temos dificuldade em pensar no que podemos melhorar nesse capítulo de mais ou menos métodos de atuação face à Covid-19, se calhar passa por aplicar um modelo mais estrutural a estas instituições que devem alicerçar mais a sua componente clínica e menos residencial”, ou seja “cada vez somos menos lar e mais hospital” e “mesmo assim já estamos muito bem apetrechados a nível do corpo de enfermagem e clínico”. A instituição também saúda a colaboração do município e os procedimentos adotados. No caso do lar da Misericórdia de Alverca que também conheceu um surto, mas na primeira fase, o município optou por colocar os doentes num hotel local, “mas essa medida foi para a frente porque ainda não se conhecia bem as nuances dos surtos, chegou-se à conclusão com a experiência que o ideal é separarmos os infetados dos não infetados dentro da própria instituição através da criação de denominado covidário”, refere José Alves.
Também foi notícia em novembro o surto no Lar da Santa Casa da Misericórdia de Azambuja. No total houve 38 infetados entre os utentes a que se juntaram 15 trabalhadores. Seis idosos acabariam por falecer. Para Vítor Lourenço, provedor, têm sido dias difíceis e reduzir a zero o número de pessoas contaminadas é um processo menos rápido do que o desejável. “Contudo não temos descurado minimamente a testagem em consonância com a autoridade de saúde”. Angústia e desespero são as palavras que encontra para se referir ao fatídico mês de novembro. “É difícil explicar por palavras”, sentencia. O responsável saúda a colaboração “extraordinária” dos trabalhadores e de outros de IPSS do concelho. “Solidariamente vieram em nosso auxílio enviados pelas respetivas direções dos centros paroquiais de Azambuja, Aveiras de Baixo, e Aveiras de Cima”. De salientar ainda “a colaboração das brigadas da Cruz Vermelha e da Segurança Social”. Já quanto ao apoio da Câmara “foi importante no facilitar de EPI nomeadamente não só por serem caros como por vezes há algumas carências no seu fornecimento pois nem sempre há stock suficiente”. Houve ainda alguns voluntários cedidos por uma organização religiosa “também muito importantes nesse esforço”.
Ainda neste concelho e no mesmo mês, o lar privado Vale Grande Residence, em Quebradas na freguesia de Alcoentre, conheceu um surto que afetou a totalidade dos utentes, 17 pessoas. Segundo Ana Matos, diretora técnica na instituição, três pessoas acabaram por falecer. O acontecimento deixou “marcas profundas”, e no seu caso em concreto foi no dia em que saíram os resultados dos testes que entrou ao serviço neste lar. Deparou-se com “metade das equipas em casa e a outra metade teve de ficar aqui a tomar conta da ocorrência”. No meio “de toda esta desgraça foi positivo o sentimento de grande unidade em toda a nossa equipa, as pessoas lutaram e juntaram-se para ultrapassarem toda a situação”. Agilizaram-se turnos “quase sem folgas para levantarmos isto tudo”. Embora a angústia tivesse sido “enorme” até porque “houve muitas falsas notícias”, alude. A responsável saúda o acompanhamento da Proteção Civil, da Saúde Pública e da Câmara de Azambuja.
Mais do que bens materiais que foram fornecidos ou tratamento médico foi também importante “o conforto psicológico e aquela mensagem de que aquelas pessoas estavam aqui por nós e para nós”. Outras instituições do concelho “também manifestaram solidariedade e transmitiram muita força”.
Ainda neste concelho e no mesmo mês, o lar privado Vale Grande Residence, em Quebradas na freguesia de Alcoentre, conheceu um surto que afetou a totalidade dos utentes, 17 pessoas. Segundo Ana Matos, diretora técnica na instituição, três pessoas acabaram por falecer. O acontecimento deixou “marcas profundas”, e no seu caso em concreto foi no dia em que saíram os resultados dos testes que entrou ao serviço neste lar. Deparou-se com “metade das equipas em casa e a outra metade teve de ficar aqui a tomar conta da ocorrência”. No meio “de toda esta desgraça foi positivo o sentimento de grande unidade em toda a nossa equipa, as pessoas lutaram e juntaram-se para ultrapassarem toda a situação”. Agilizaram-se turnos “quase sem folgas para levantarmos isto tudo”. Embora a angústia tivesse sido “enorme” até porque “houve muitas falsas notícias”, alude. A responsável saúda o acompanhamento da Proteção Civil, da Saúde Pública e da Câmara de Azambuja.
Mais do que bens materiais que foram fornecidos ou tratamento médico foi também importante “o conforto psicológico e aquela mensagem de que aquelas pessoas estavam aqui por nós e para nós”. Outras instituições do concelho “também manifestaram solidariedade e transmitiram muita força”.
Já no surto no Lar de São Miguel, a diretora técnica lembra os dias do surto em que se usava fato completo e se cumpria um sem número de outras medidas apertadas. Depois de tudo ter passado, “achámos que era uma boa medida os nossos utentes usarem máscara também”. Nesta altura, estão habituados e “são os primeiros a alertar para essa necessidade”.
Voltando ao lar em Azambuja, reforçou-se “todos os procedimentos a nível da prevenção e dos equipamentos”. “Voltámos a suspender as visitas dos familiares que se cumpriam antes de acordo com o que estava determinado superiormente a nível das medidas sanitárias”, dá conta o provedor.
Os testes também têm as suas particularidades e Lúcia Costa do lar de Cardosas diz que na instituição são cumpridas as regras da Direção Geral de Saúde que obrigam à quarentena dos utentes sempre que vão ao hospital. “Podem estar infetados há cinco minutos e não acusar no teste”. Diz a responsável técnica que a instituição tem cumprido com todos os cuidados nomeadamente na adoção de máscaras SSP2, consideradas “as melhores”. No lar em causa, bem como nos restantes do concelho todos os meses são realizados testes a expensas da Câmara de Arruda, que tem sido “um parceiro muito importante”, salienta. Esta é mais uma forma de se controlarem novos surtos.
“Não sabemos se na origem do surto esteve uma funcionária ou um utente numa ida ao hospital”. Na altura do surto, o lar ainda trabalhava com equipas em espelho, um dos métodos que se considera como dos mais eficientes na gestão dos surtos, pois permite o revezamento das equipas de 15 em 15 dias, por norma, mas neste caso não foi o suficiente. “É muito desgastante e mexe muito com a vida pessoal dos funcionários”. O lar continua a recomendar no sentido de as pessoas se resguardarem ao máximo quando “saem daqui lá para fora”. Em Azambuja, a Misericórdia trabalhou com equipas em espelho até julho. “Nessa altura os números da doença melhoraram e acabámos por abrandar nessa questão”. Apesar de ser um método visto como importante “é um sacrifício para os trabalhadores. Não que as pessoas não tenham um espírito de colaboração extraordinário, mas acaba por ser muito desgastante”, junta o provedor.
Voltando ao lar em Azambuja, reforçou-se “todos os procedimentos a nível da prevenção e dos equipamentos”. “Voltámos a suspender as visitas dos familiares que se cumpriam antes de acordo com o que estava determinado superiormente a nível das medidas sanitárias”, dá conta o provedor.
Os testes também têm as suas particularidades e Lúcia Costa do lar de Cardosas diz que na instituição são cumpridas as regras da Direção Geral de Saúde que obrigam à quarentena dos utentes sempre que vão ao hospital. “Podem estar infetados há cinco minutos e não acusar no teste”. Diz a responsável técnica que a instituição tem cumprido com todos os cuidados nomeadamente na adoção de máscaras SSP2, consideradas “as melhores”. No lar em causa, bem como nos restantes do concelho todos os meses são realizados testes a expensas da Câmara de Arruda, que tem sido “um parceiro muito importante”, salienta. Esta é mais uma forma de se controlarem novos surtos.
“Não sabemos se na origem do surto esteve uma funcionária ou um utente numa ida ao hospital”. Na altura do surto, o lar ainda trabalhava com equipas em espelho, um dos métodos que se considera como dos mais eficientes na gestão dos surtos, pois permite o revezamento das equipas de 15 em 15 dias, por norma, mas neste caso não foi o suficiente. “É muito desgastante e mexe muito com a vida pessoal dos funcionários”. O lar continua a recomendar no sentido de as pessoas se resguardarem ao máximo quando “saem daqui lá para fora”. Em Azambuja, a Misericórdia trabalhou com equipas em espelho até julho. “Nessa altura os números da doença melhoraram e acabámos por abrandar nessa questão”. Apesar de ser um método visto como importante “é um sacrifício para os trabalhadores. Não que as pessoas não tenham um espírito de colaboração extraordinário, mas acaba por ser muito desgastante”, junta o provedor.
No lar de Quebradas, aquando do surto a quantidade de EPI chegou a ser escassa, e “a Câmara foi um parceiro importante” para reforçar esta reserva. “Nesta altura temos equipamentos e continuamos a adquirir para que o stock não acabe. Sabemos que temos de ter sempre em quantidade suficiente para não esgotar, mas esperamos que a vacina não tarde”. Hoje vivemos ao ritmo de “um dia de cada vez”. Depois do surto a instituição reforçou a componente de formação e dos procedimentos adotados. “Passámos ainda a efetuar uma limpeza com produtos específicos três vezes por dia em todas as instalações, para além de borrifadores para os pés nas entradas de todas as alas para além do álcool gel e das máscaras que já tínhamos”.
Os dias do surto recorda José Alves da Misericórdia de Alhandra foram a 1000 à hora. “A maior parte dos nossos cuidadores em casa, quem ficou cá teve de trabalhar o dobro, as nossas técnicas como a nossa psicóloga e a nossa diretora técnica tiveram de ir para a cozinha e só não fui eu porque também estive infetado”. Passado o surto, diz a instituição que durante aqueles dias que duraram cerca de duas a três semanas teve gastos na ordem dos 100 mil euros entre equipamentos de proteção individual que eram necessários, o pagamento a uma empresa de catering porque não havia ninguém para cozinhar e a necessidade de contratar mais pessoal, horas extraordinárias. Nesses dias “pura e simplesmente não sabíamos onde é que íamos parar com aquela situação”, tal o descontrole que o surto assumiu. Num dos dias “chegaram a morrer seis ou sete pessoas”, recorda. Na altura da nossa reportagem que foi destaque de edição no mês de dezembro, estávamos a escassos dias do Natal, e José Alves dizia ser “ uma dor de coração não poder proporcionar visitas aos nossos idosos”. “Temos de ser fortes e dizer que o Natal fica para a altura da Páscoa ou quando for possível. Por aqui estamos em contagem decrescente para a vacina”.
No lar de Cardosas, o espírito de Natal também não era dos mais famosos, mas com possibilidade de os familiares verem os seus entes queridos através de um acrílico mas sem hipótese de contacto físico. Depois do surto passado “foi um grande alívio”. No início de setembro quando tudo aconteceu “mexeu muito com eles, porque de um momento para o outro tiveram de ficar em áreas ainda mais restritas dentro do lar, e era a realidade a tomar conta de tudo e de todos aqui dentro. Todos os dias víamos notícias na televisão sobre a Covid-19 e agora ela estava na nossa casa”. Pela cabeça dos utentes “começaram a passar aquelas ideias normais perante tudo isto – Será que eu não passo desta? Será que eu vou morrer?”. Lúcia Costa diz que foi “duro a nível psicológico”. Rapidamente e dos 19 utentes negativaram logo em poucas semanas 14 pessoas e aí houve logo um sabor a vitória para esta instituição que lamenta a morte de um senhor já com muitas doenças prévias. A diretora técnica agradece ainda a compreensão dos familiares.
Também em Azambuja no lar da Misericórdia local, a instituição diz que manteve o contacto com os familiares sobre o ponto de situação naqueles dias. “Criámos uma linha de comunicação entre as três e as seis da tarde para comunicarem, e nos casos mais delicados eramos nós a entrar em contacto”. Segundo Vítor Lourenço “nunca notei nenhum descontentamento mais visível, as famílias acabaram por aceitar com alguma naturalidade”. Depois do surto, entre os utentes há os que se apercebem com mais facilidade de tudo o que se passa, “e toda a área de acompanhamento psicológico está a merecer nesta altura o máximo de investimento nosso”. “É difícil explicar que de repente seis pessoas foram embora. As idades variavam entre os 84 e os 92 anos. Temos de fazer com que ao mesmo tempo sintam o rigor que toda esta realidade exige a todos os níveis, mas de uma certa forma têm compreendido. Nota-se alguma ansiedade principalmente porque os familiares não os podem visitar. Podem telefonar mas não suplanta a necessidade de afeto das pessoas. Para nós direção também tem sido muito duro”. Em Quebradas, a instituição por nós contactada vai tentando passar estes dias antes da quadra natalícia e ano novo“com atividades mais alegres que possam distrair os utentes”. Recorre-se às videochamadas sempre que necessário para falarem com os familiares.
Os dias do surto recorda José Alves da Misericórdia de Alhandra foram a 1000 à hora. “A maior parte dos nossos cuidadores em casa, quem ficou cá teve de trabalhar o dobro, as nossas técnicas como a nossa psicóloga e a nossa diretora técnica tiveram de ir para a cozinha e só não fui eu porque também estive infetado”. Passado o surto, diz a instituição que durante aqueles dias que duraram cerca de duas a três semanas teve gastos na ordem dos 100 mil euros entre equipamentos de proteção individual que eram necessários, o pagamento a uma empresa de catering porque não havia ninguém para cozinhar e a necessidade de contratar mais pessoal, horas extraordinárias. Nesses dias “pura e simplesmente não sabíamos onde é que íamos parar com aquela situação”, tal o descontrole que o surto assumiu. Num dos dias “chegaram a morrer seis ou sete pessoas”, recorda. Na altura da nossa reportagem que foi destaque de edição no mês de dezembro, estávamos a escassos dias do Natal, e José Alves dizia ser “ uma dor de coração não poder proporcionar visitas aos nossos idosos”. “Temos de ser fortes e dizer que o Natal fica para a altura da Páscoa ou quando for possível. Por aqui estamos em contagem decrescente para a vacina”.
No lar de Cardosas, o espírito de Natal também não era dos mais famosos, mas com possibilidade de os familiares verem os seus entes queridos através de um acrílico mas sem hipótese de contacto físico. Depois do surto passado “foi um grande alívio”. No início de setembro quando tudo aconteceu “mexeu muito com eles, porque de um momento para o outro tiveram de ficar em áreas ainda mais restritas dentro do lar, e era a realidade a tomar conta de tudo e de todos aqui dentro. Todos os dias víamos notícias na televisão sobre a Covid-19 e agora ela estava na nossa casa”. Pela cabeça dos utentes “começaram a passar aquelas ideias normais perante tudo isto – Será que eu não passo desta? Será que eu vou morrer?”. Lúcia Costa diz que foi “duro a nível psicológico”. Rapidamente e dos 19 utentes negativaram logo em poucas semanas 14 pessoas e aí houve logo um sabor a vitória para esta instituição que lamenta a morte de um senhor já com muitas doenças prévias. A diretora técnica agradece ainda a compreensão dos familiares.
Também em Azambuja no lar da Misericórdia local, a instituição diz que manteve o contacto com os familiares sobre o ponto de situação naqueles dias. “Criámos uma linha de comunicação entre as três e as seis da tarde para comunicarem, e nos casos mais delicados eramos nós a entrar em contacto”. Segundo Vítor Lourenço “nunca notei nenhum descontentamento mais visível, as famílias acabaram por aceitar com alguma naturalidade”. Depois do surto, entre os utentes há os que se apercebem com mais facilidade de tudo o que se passa, “e toda a área de acompanhamento psicológico está a merecer nesta altura o máximo de investimento nosso”. “É difícil explicar que de repente seis pessoas foram embora. As idades variavam entre os 84 e os 92 anos. Temos de fazer com que ao mesmo tempo sintam o rigor que toda esta realidade exige a todos os níveis, mas de uma certa forma têm compreendido. Nota-se alguma ansiedade principalmente porque os familiares não os podem visitar. Podem telefonar mas não suplanta a necessidade de afeto das pessoas. Para nós direção também tem sido muito duro”. Em Quebradas, a instituição por nós contactada vai tentando passar estes dias antes da quadra natalícia e ano novo“com atividades mais alegres que possam distrair os utentes”. Recorre-se às videochamadas sempre que necessário para falarem com os familiares.