Cuidadora informal de Azambuja sofre na pele burocracia do Estado e não consegue apoios
Idosa com quadro de Alzheimer avançado faz com que Cisbela Ferrão viva 24 horas por dia em função da mãe. Tribunal de Alenquer não dá seguimento ao processo
|02 Maio 2022 11:55
Sílvia Agostinho Há cerca de 14 anos que a mãe de Cisbela Ferrão entrou num quadro de Alzheimer. Há quatro que se tornou cuidadora informal da mãe. Em Portugal ascendem, segundo dados de 2020, a cerca de 1 milhão e 400 mil entre filhos que cuidam dos pais, pais que cuidam dos filhos, passando por outros graus de parentesco ou não. Cisbela Ferrão, que vive em Azambuja, teve de deixar o seu trabalho de cuidadora formal, dado que nos últimos anos do seu percurso profissional adquiriu competências nesse sentido. A maior parte da carreira foi como analista química. Nos últimos anos ficou em casa encarregue dos pais, sendo que o pai faleceu recentemente. A mãe doente de Alzheimer num dos últimos estádios não a reconhece, perdeu muitas das faculdades, sendo que ouvir canções do seu tempo é das poucas coisas que a tranquiliza ou lhe arranca um sorriso do rosto, assim como rábulas do Raul Solnado. São assim os mistérios do cérebro, concorda Cisbela. O quadro de Liberdade Rosa começou aos 75 anos, sendo que tem 90 atualmente.
A filha conta que a mãe teve uma vida muito atribulada como imigrante em Moçambique. Um dos acontecimentos mais terríveis ocorreu quando perdeu uma das filhas às mãos de um crime de violência doméstica. Cisbela Ferrão relata que a mãe não fez descontos e como tal não possui pensão. Durante a vida ativa foi trabalhando como ama, mas sem que existisse um vínculo. Deveria estar a receber a pensão do marido falecido, na ordem dos 500 euros por mês, mas até agora sem sucesso. O caso está no Tribunal de Alenquer e a cuidadora informal aguarda uma resposta. “Tem de ser ela a efetuar o pedido para recebermos a pensão do meu pai. Como não está em condições de o fazer, tenho de ter uma ordem do tribunal em como represento a minha mãe”. Algo que já solicitou há dois anos, mas até ao momento não obteve resposta. O processo está na procuradora de Alenquer desde essa altura. Aguarda que venham a sua casa para verem as condições em que tem a mãe conforme refere o enquadramento legal para este tipo de casos. O Valor Local questionou o Tribunal de Alenquer sobre o ponto de situação, mas ainda sem sucesso. Recentemente o Governo anunciou uma série de processos que possam vir a enquadrar na lei, de forma mais simplificada, o estatuto de cuidador informal para que o acesso aos subsídios se torne mais célere, em que se acautele ainda a possibilidade de descanso do cuidador, e a promoção da integração no mercado de trabalho. “Há mães que estão em casa que são médicas, psicólogas, fisioterapeutas. Se pedimos as tais ajudas técnicas como cadeiras adaptadas ou outro material só conseguimos que a entrega seja feita daqui a um ano”, desabafa para ilustrar uma realidade pela qual passam milhares de pessoas no país. Cisbela Ferrão que faz parte da Associação Nacional de Cuidadores Informais relata que no caso das crianças com necessidades especiais que precisam de mudar de talas com frequência, porque estão em fase de crescimento, “a sua situação não se compadece com o excesso de burocracia”. “Temos de pedir orçamentos a três lojas e só depois é que a Segurança Social vai escolher um deles, normalmente o mais barato”. Por outro lado, não foi reconhecido o estatuto de cuidadora a Cisbela Ferrão porque Liberdade Rosa não usufrui de subsídio de dependência nem está numa cama. “É o que se passa comigo e com outros milhares de pessoas”. Gostaria que lhe fosse reconhecido “este tempo de quatro anos de forma que contribuísse para a reforma, porque ainda faltam alguns anos”. Tem 62 anos, e sobram cinco. A associação da qual faz parte tem ainda longas batalhas pela frente. “Os cuidadores são na sua maioria reformados e não conseguem ser reconhecidos. Porque a partir do momento em que usufruem de uma reforma não têm direito a nada. No caso de uma das dirigentes da associação também não tem acesso a apoios porque apesar da mãe viver com ela, ainda está registada na antiga morada. Por outro lado, e se o rendimento do agregado for acima de um determinado teto, passa-se o mesmo”. Cisbela Ferrão critica sobretudo “a burocracia” e exemplifica – “Se eu puser a minha mãe num lar, o Estado paga às misericórdias mil euros. Ora quem se dispõe a ficar com os familiares em casa deveria ser recompensado de alguma forma”. O cansaço e o desgaste físico e mental causados pelo facto de ter de estar 24 horas entregue à missão de cuidar da mãe são uma constante – “Peço-lhe para abrir os olhos, mas ela abre a boca. Não consegue fazer as necessidades. Digo para que faça força, mas ela não sabe o que isso quer dizer. Não consegue engolir a comida, porque o cérebro não sabe dar essa ordem à boca. Esqueceu-se desses movimentos mecânicos básicos. Por vezes choro de exaustão. É como se estivesse a tomar conta de um bebé de meses”, dá conta Cisbela Ferrão evidenciando quadros característicos de Alzheimer já numa fase muito avançada. “É desesperante!”. Para além disso queixa-se de que a doença é muitas vezes mal compreendida, porque “há quem considere que é feitio e teimosia”. No fim de contas desabafa que o melhor que lhe podiam dar seria “uma noite sem preocupações para que pudesse dormir”. A inquietude da mãe também não lhe dá tréguas na cama. Dormem juntas porque teme que um movimento mais brusco de Liberdade faça com que caia para o chão. Aguarda por uma cama articulada que permita alguma tranquilidade e repouso a ambas. |
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