Dois Pontapés na Confiança
Por Rui Alves Veloso
Editor de Economia da RTP
O ano de 2015 terminou com dois acontecimentos que destaco: a recapitalização do Novo Banco e a venda do Banif ao Santander. Ambos os processos levam-nos desde logo à conclusão de que o sistema financeiro continua a ser um problema, mesmo depois de um doloroso resgate de três anos, em que o setor financeiro até foi o único que mereceu atenção especial, com 12 mil milhões de euros destinados à recapitalização dos bancos. Após sucessivos casos, custa a entender o que é que os técnicos do FMI, Comissão Europeia e, sobretudo, do Banco Central Europeu andaram por cá a fazer...
Mas vejamos cada uma das situações. Primeiro o Banif. Na prática o banco caiu. Colapsou. Tal como o BES tinha caído. E há muito por explicar. Desde logo a venda ao Santander. Se é que se pode chamar uma venda. Na prática o governo pagou – e muito! - para entregar o Banif aos espanhóis do Santander e assim evitar o desemprego imediato de cerca de 1700 pessoas. No fim descontou 150 milhões de euros para poder dizer que foi uma venda. O Santander ficou com ativos que valem muito mais do que 150 milhões. O Estado ficou com os “ossos”. Nós, os contribuintes, ficamos uma vez mais com a fatura.
Não se entende como o anterior governo arrastou o problema do Banif até ao limite, sobretudo depois o banco ter falhado parte do reembolso ao Estado. Depois do que aconteceu com BPN, BPP e BES, o Banif não fez soar as campainhas no Banco de Portugal? A comissão parlamentar de inquérito ao caso Banif será certamente muito útil para se apurarem factos e, mais importante ainda, responsabilidades.
Este caso aumenta ainda mais a desconfiança dos portugueses em relação aos bancos. É legítimo que as pessoas perguntem: “qual será o próximo?”
Tenho também muitas reservas sobre a decisão do Banco de Portugal na recapitalização do Novo Banco. Foi feita transferindo para o BES “mau” o encargo com o reembolso de cerca de 1900 milhões de euros em dívida sénior, que tem privilégio na hierarquia dos credores, e que é detida sobretudo por grandes investidores institucionais (outros bancos, fundos, seguradoras...), embora a decisão também afete alguns particulares. Na prática, desta vez vão ser os detentores do grande capital (expressão muito apreciada pelos partidos mais à esquerda...) a pagar a fatura e não os contribuintes. Este facto não é negativo. Até pode ser elogiável... O problema é o timing em que as coisas acontecem.
Quando se deu a queda do BES, o Banco de Portugal decidiu que esta dívida ficaria no banco no Novo Banco. Poderia, desde logo, ter decidido que seria uma responsabilidade do BES “mau”. Mas não. Ficou no banco “bom”. Havia, portanto, a expetativa legítima dos credores de que iam ser reembolsados. Ora passado cerca de ano e meio sobre a resolução do BES, o Banco de Portugal decide passar a responsabilidade de pagar para o BES “mau”. O que é mesmo que dizer: “vão ficar a arder com o dinheiro que investiram”. .. Os grandes investidores têm noção de que podem ter perdas. Mas imputar-lhes essas perdas ano e meio depois dos factos é uma decisão que mina a confiança de quem investe. E a confiança, como se sabe, seja dos investidores ou dos simples depositantes, é um bem que leva a tempo a recuperar...
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