ERSAR arrasa Cartágua e Pedro Ribeiro avança para denúncia na PJEm entrevista, o presidente da Câmara do Cartaxo quer levar ainda mais longe as consequências da entrada do privado no concelho, num processo com demasiados aspetos turvos
Sílvia Agostinho
20-12-2018 às 22:12 A Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) arrasa por completo a concessão do serviço de águas e saneamento do Cartaxo, concessionado em 2010 à empresa que viria a ser criada pelo grupo Lena/Aqualia – Cartágua. O contrato, e os vários aditamentos que sofreu ao longo dos anos são criticados de forma contundente pelo regulador que, após a consulta a todo o processo requerida pelo município, também no âmbito do terceiro adicional aprovado em finais de 2016, concluiu que, nesta altura, há matéria de índole judicial para que o município avance para outras instâncias.
Entre outras matérias, a entidade reguladora reflete, desde logo, que não conseguiu ter acesso a toda a informação requerida junto da concessionária, o que apenas faz piorar o quadro já de si bastante negro traçado pela ERSAR em relação à Cartágua. O Valor Local teve acesso à documentação em que a entidade traça diversas conclusões catalogando como “inadmissíveis” as formas de gestão da Cartágua, a começar logo pelo início da concessão quando a empresa quis alterar pressupostos do negócio, transferindo o risco para o concedente – Câmara do Cartaxo. A Cartágua é acusada de mascarar e de se favorecer à conta das alterações de critérios variáveis como a inflação, os encargos fiscais, regras de contabilidade, e demais alíneas financeiras. O documento vai mais longe e diz que a Cartágua também se fez valer da forma de cálculo na retribuição das rendas a pagar à Câmara, “refletindo não um valor fixo” como seria admissível “mas em função dos rendimentos alcançados”. O plano de investimentos relacionado com as obras também foi sendo gerido em função de critérios mais ou menos arbitrários e não de acordo com o contrato. Pode ler-se – “Desde o início da concessão que 64 por cento das obras constantes do Plano de Investimentos foram anuladas”. Sendo que outras foram incluídas nos vários aditamentos, mas sem a preocupação de se apresentar à ERSAR informação quanto às alterações aos investimentos. Acresce ainda que os pressupostos do contrato foram significativamente alterados, porquanto o vencedor do concurso para a atribuição a privados desta concessão acabou por desistir “por não aceitar o risco que os valores de procura ou do plano de investimentos impunham”, mas a Cartágua conseguiu com o beneplácito dos executivos à época favorecer-se em consequência da alteração de uma série de pressupostos, ao arrepio do caso base. No entender do regulador, tal não é “admissível” e “viola as regras da concorrência”. A opacidade da empresa, no que se refere, aos pedidos de reequilíbrio da concessão explica-se ainda, segundo a ERSAR, pelo facto de esta ter procedido a aumentos “sem razão aparente”, desde logo nos primeiros anos da concessão, sendo que “ a não explicitação das quantidades de água e de saneamento faturados ou o cálculo do número de clientes inviabilizam, de certa forma, a confirmação da correta aplicação da cláusula 90ª do contrato de concessão e o seu reequilíbrio”. Estas são afirmações do regulador que à época dos aditamentos nunca teceu graves considerações sobre a forma como o negócio da água estava a decorrer no Cartaxo, emitindo apenas algumas curtas recomendações, segundo os relatórios a que o nosso jornal tem tido acesso ao longo dos anos, e quase sempre relacionadas com o não cumprimento da obra acordada. A ERSAR explana ainda que argumentos utilizados pela Cartágua como a alteração dos pressupostos de população, o desvio da procura quer na água, quer no saneamento, não seriam os suficientes para o pedido de reequilíbrio, porquanto continuava válido o consagrado no contrato e na cláusula 90ª do mesmo. Para piorar, a empresa enviesou variáveis de cálculo como a inflação, ou a alteração dos índices de atualização tarifária, quase sempre no sentido do seu benefício, caracterizado na maioria das vezes como “improcedente” e “inadmissível” pela ERSAR. A própria contabilidade da empresa gera muitas dúvidas, aquando do segundo aditamento, e aqui pode ler-se – “valores de balanço, demonstração de resultados e mapa de cash flow não consistentes entre si”, daí decorrendo valores para a Taxa de Rentabilidade Interna, no fundo os lucros, não completamente claros para o regulador. Aliás aquando do segundo aditamento, em 2012, a TIR já ia nos 11,16 por cento contra os 7,74 por cento, apenas dois anos antes. Neste segundo aditamento, a concessionária alega, fundamentalmente, desvios à procura, na prática menos consumo do que o previsto, mas a ERSAR reflete que “a empresa nem sequer explicita os valores de caudais de saneamento previstos pelo que não é possível confirmar a ocorrência dos desvios”. Para piorar o estado de coisas, a Cartágua quis ainda tirar partido das obra a realizar inflacionando em muito os valores e as estimativas iniciais, como é o caso da obra da ETAR do Cartaxo cujo valor passou de 48 mil euros para 491 mil sem que “tivesse resultado de qualquer pedido (por parte do concedente) de obra adicional”. E como tal – “há que sublinhar a falta de justificação para a revisão de preços ao plano de investimentos inicial”. Outras obras permanecem com dotações injustificadas pela ERSAR como os coletores de águas residuais em Pontével, Casais Penedos, Casais Amendoeira, e Vale da Pinta. “São valores não concursados, e sem que tenha sido avaliado o impacto nos custos de operação dos sistemas”. Falta de cálculo, de estratégia, e de demonstração de resultados são questões que saltam à vista da análise da ERSAR. Chegados ao terceiro adicional já acordado durante o final do primeiro mandato de Pedro Ribeiro, que tem movido esta cruzada contra a concessionária, a ERSAR continua a considerar como irrealistas as projeções da empresa, nomeadamente, quando esta fala em comparticipações comunitárias no valor de 5,2 milhões de euros para obras, a nível do saneamento, quando esse valor não vai além dos 3,7 milhões de euros.
A ERSAR fica ainda convencida de que a Câmara Municipal do Cartaxo no momento de atribuição da concessão ao grupo Lena/Aqualia “tinha perfeita consciência de que os pressupostos definidos no concurso dariam obrigatoriamente lugar a uma reposição do equilíbrio económico-financeiro”, e vai mais longe – “Mesmo assim (autarquia e empresa) decidiram mantê-los por saberem que uma alteração dessa natureza, colocaria em causa a desistência da primeira classificada no concurso”, remata a ERSAR convencida do clima de conluio verificado. Depois de receber relatório da ERSAR Presidente da Câmara do Cartaxo avança para o Ministério Público e Polícia Judiciária O presidente da Câmara, Pedro Ribeiro, em entrevista ao Valor Local, refere que este relatório por parte da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) apenas “confirma” o que a autarquia já “tinha conseguido apurar na auditoria interna levada a cabo no mandato anterior”. Respaldado pelo documento da ERSAR, a Câmara que recebeu o relatório no início do mês, vai agora avançar para a Procuradoria-Geral da República, e Polícia Judiciária. A produção de um documento tão extensamente culposo da ação da concessionária por parte da ERSAR leva a que se questione por que razão, e aquando dos diversos aditamentos ocorridos, aquela entidade não tenha levantado dúvidas ou problemas acerca da atuação da mesma. Pedro Ribeiro diz que essa é a pergunta que todos fazem, mas ressalva que a entidade apenas atua quando há conflitos entre as partes, se houver concordância a ERSAR à partida não poderá ir mais longe. “Quando não há conflito, apenas apuram se as fórmulas encontradas estão corretas, no fundo fazem as contas, porque os inputs, no fundo, os pressupostos, estariam previamente validados pelas partes”. Mas o presidente da Câmara vai mais longe e saúda o novo presidente da ERSAR, Orlando Borges, que “foi mais longe do que o anterior presidente (Melo Baptista) quanto a dar ouvidos à Câmara”. Ribeiro conta que a própria ERSAR lhe referiu que foi muito além das suas competências ao colocar “cerca de oito técnicos vocacionados para este processo”. O presidente da Câmara lembra que desde o início muita informação foi sonegada pela concessionária que primou pela ausência da apresentação de folhas de cálculo, apenas remetendo pdf’s, que pecavam pela falta de explicitação. O mesmo acaba por ser refletido pela ERSAR no seu relatório. “Então a Cartágua, uma empresa altamente profissional, não sabe do mapa excel para as suas atualizações tarifárias”, constata o autarca. Logo na assinatura do contrato em 2010, cujo um dos objetivos seria o de incorporar legislação saída em 2009, a empresa não o fez e a ERSAR e o Tribunal de Contas “deveriam, de caras, ter alertado para isso”. Já em 2011 e no primeiro aditamento, “fazem uma adaptação a essa lei que já devia ter sido incorporada, mas vão muito além da mera atualização do clausulado do contrato para essa matéria”. Com apenas um ano de atividade, a Cartágua e a Câmara arriscaram e fizeram alterações à TIR, ao plano de investimentos, às retribuições à Câmara, de forma a beneficiar em última análise a concessionária, e no fundo sem contas aprofundadas quanto à necessidade desse ajustamento. (Noutros casos de concessionárias cuja atividade é acompanhada pelo nosso jornal os primeiros aditamentos têm surgido cerca de quatro a cinco anos depois da assinatura de contrato, quando é possível aferir com maior consistência das perdas e ganhos do privado e com isso a alteração de pressupostos como a TIR, ou as rendas ao concedente). O autarca referindo-se ainda à desistência do vencedor do concurso para a atribuição, em 2010, do serviço público de águas e saneamento, o consórcio Aquapor/Ecobrejo, (que um ano antes via ser-lhe atribuída a concessão no concelho de Azambuja), classifica este dado ainda como suscetível de grande nebulosidade, dado que logo no ano a seguir foram drasticamente alterados os pressupostos do contrato. “Pode ter existido a violação das leis da concorrência com os sucessivos protocolos e aditamentos, o que desvirtuou as condições iniciais do contrato”. No fundo temos aqui um quadro ao melhor estilo das empreitadas com trabalhos a mais. Mas Ribeiro salienta ainda e para cúmulo de todo este quadro que até já lhe foi ventilado que “o próprio caderno de encargos estava cheio de erros grosseiros”. “Possivelmente foi por causa disso que o consórcio vencedor desistiu a favor do segundo”. As relações com a Cartágua e o atual presidente da Câmara foram sempre muito problemáticas em virtude das desconfianças levantadas quanto à forma como a concessão se estava a processar no concelho, e os aditamentos em causa, e neste momento o clima continua a piorar a olhos vistos – “Já lhes disse para me porem em tribunal se quiserem!”, diz Pedro Ribeiro que não esconde que as negociações têm sido sempre “muito duras”. Com este relatório da ERSAR e no fundo com o rasgar do acordo para o terceiro adicional, a Câmara interrompe definitivamente algum vislumbre de negociação para a atualização de tarifas com a concessionária nos moldes atuais. “Como se pode verificar a ERSAR fala em matéria judicial, e é nisso que estamos a trabalhar ao enviar a documentação para quem de direito”. Pedro Ribeiro refere que se não tivessem sido interrompidas as negociações, já teria recebido cerca de 900 mil euros em rendas desde 2013 até à data, o que para uma Câmara com dificuldades financeiras como esta não é um valor a desprezar. “Como não aumentaram o tarifário, retêm as rendas”. Já quanto às obras, e falando até numa das mais necessárias como é a construção da ETAR de Lapa/Ereira e a possibilidade deste tipo de empreitadas sofrerem um revés, o autarca não é de meias palavras – “Vão ter de as fazer, porque as coimas do ministério do Ambiente não são para brincar”. Apesar das relações entre Câmara e concessionária poderem estar irremediavelmente perdidas, o autarca diz que só quer trabalhar pela “justiça” do contrato. Temos de “ver que houve um comportamento negligente por parte das anteriores gestões da Câmara porque nem um parecer técnico dos serviços tinham para isto”. Pedro Ribeiro diz-se muito à vontade politicamente, porque saiu a meio do mandato 2005-2009, antes da adjudicação da concessão por Paulo Caldas, de quem foi vice-presidente, e depois porque não estava na Câmara aquando dos sucessivos aditamentos já no tempo de Paulo Varanda que assumiu a presidência em virtude do abandono do cargo por Paulo Caldas, a meio do mandato 2009-2013. Mesmo assim, tudo isto tem a marca do PS, partido que também elegeu Pedo Ribeiro – “Estou muito confortável, ainda bem que fui eleito para defender os interesses das pessoas do Cartaxo, porque se tivesse sido eleito Paulo Varanda há muito que estes aumentos eram uma realidade”. “Vamos tirar todas as consequências jurídico-administrativas deste relatório junto das entidades inspetivas”, remata. A renúncia ao contrato, garante, que não é a sua ideia, apesar da evidência das circunstâncias – “Queremos sentar-nos à mesma mesa, arbitrados pela entidade reguladora, e reconstruir os termos do contrato segundo a legislação em vigor, para que sejamos justos”.
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