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Escavações de Ota podem significar salto de gigante na arqueologia portuguesa
Sílvia Agostinho
07-09-2020 às 09:52

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​Um ano depois de ter sido colocado a descoberto um dos maiores muros defensivos do período Calcolítico, na Serra de Ota, está de regresso a equipa de arqueólogos que tenta agora apresentar mais e nova informação sobre a comunidade pré-histórica que habitou aquele local há cerca de cinco mil anos. O muro tem 170 metros de comprimento mais cinco metros de largura. A equipa que prefere a designação de muro à de muralha prepara-se, agora, para levar para o terreno nos próximos meses tecnologia de alta precisão com drones que permitem tirar uma radiografia mais profunda ao terreno. Este será um desafio também para a comunidade arqueológica portuguesa já que a Ota servirá de balão de ensaio para o futuro da disciplina em Portugal com este recurso a tecnologia de ponta ao serviço da ciência.

André Texugo Lopes, arqueólogo investigador do Centro de Estudos Geográficos e do Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa, diz que é possível através do Google Earth descortinar a tal linha branca contínua, que não é natural, e que foi possível identificar no sentido de ali se encontrar o muro pré-histórico dado a conhecer no ano passado. Um achado que se constitui como um avanço no conhecimento do Calcolítico. É cada vez mais plausível que se esteja perante uma zona defensiva, delimitada numa das zonas do cabeço por uma estrutura circular. Foi possível encaixar esta descoberta do achado, depois de datação por radiocarbono, num intervalo de tempo mais curto- entre 2500 a 2250 A.C, através da análise de “um osso de um animal, que por norma não tem um período de vida longo”.
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Perceber o dinamismo construtivo e os modos de vida daqueles antepassados é o desafio. Mais do que objetos ou estruturas o objetivo da arqueologia moderna passa por entender os contextos. André Texugo Lopes dá um exemplo – “Imagine que daqui a milénios uma civilização descobria o Cristiano Ronaldo e como ele era fisicamente, mas não sabia quem tinha sido”.
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Para já as descobertas no terreno vão dando algumas pistas. Pela orografia da serra é possível perceber que a estrutura defensiva é mais pesada do que as contemporâneas do Castro do Zambujal, Torres Vedras ou a do Castro de Vila Nova de São Pedro, em Azambuja. “Já tirámos blocos de pedras daqui com mais de 300 quilos, o que é assustador”, refere o arqueólogo. Em laboratório será possível responder a questões relacionadas com o dinamismo desse muro que surgiu a 170 metros de altura no canhão cársico. Há elementos semelhantes quando se compara esta descoberta com a dos monumentos seus contemporâneos, e no fundo vizinhos, como o Castro do Zambujal ou o de Vila Nova de São Pedro na forma como a arquitetura à época funcionou para os três casos.
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​Mas o muro calcolítico na Ota parece ser antes de mais um sítio de passagem e que por estar num alto servia de controlo a quem passava e “seria importante para trocas comerciais e relações humanas”, estando intimamente ligado também ao Montejunto por esta serra ficar na origem de diversas linhas de água. O local mostra ainda disponibilidade de matéria prima para produção de cerâmica, desenvolvida durante este período, bem como a abundância de animais para a caça. A sacralização de uma paisagem natural como a do Montejunto seria também importante do ponto de vista da cultura e dos hábitos daquelas populações.
“A relação com as elevações foi sempre muito marcante para todos os povos e ainda hoje é assim”. Muitos enterramentos seriam ainda ali concretizados.

Por outro lado, já existiam fronteiras entre os dois lados da serra com comunidades com vidas próprias. “Há materiais que encontramos do outro lado que não existem aqui, e quem vivia do lado de lá também ficava enterrado naquele lado da serra, e vice-versa”.

Estudantes de Arqueologia de seis universidades portuguesas e estrangeira estão no terreno. A campanha é apoiada pelo município de Alenquer, junta de freguesia de Ota e comissão de baldios da Serra de Ota.

Com o avanço das novas tecnologias será utilizado um sistema de deteção laser de última geração, o denominado LIDAR, e drones de alta precisão, que poderão aglutinar ainda mais os fragmentos de história encontrados. De acordo com Ana Catarina Basílio, arqueóloga do Centro Interdisciplinar de Arqueologia e Evolução do Comportamento Humano da Universidade do Algarve, “este sítio da Ota será um palco de testes do qual será extraído conhecimento graças a essa tecnologia que depois servirá de base para trabalhos noutros locais”, a juntar à fotografia por satélite e imagem aérea já levadas a cabo no terreno. “A ideia é que o laser atravesse a vegetação e possa dar-nos praticamente um raio x do território, conseguindo aceder a microtomografias e percecionar alinhamentos”. O local foi também palco da ocupação romana do território e levou à descoberta de muitos materiais daquela altura, século I A.C. “com uma presença avassaladora em que se nota bastante bem o contexto militar dado a esta zona, mas com ortogonalidade e a predominância de cerâmica da Campânia, Itália”.
Em traços gerais, a Ota “vai ser muito importante para perceber como foi o Calcolítico na Península de Lisboa”, acredita André Texugo Lopes. “A integração com as novas tecnologias do estudo do que aqui temos será algo brutal e com possibilidade de depois ser espalhado para outros sítios”, acrescenta Ana Catarina Basílio. Depois de uma caracterização vem o desafio da compreensão dos sítios escavados até se chegar aos denominados contextos. “Vamos conseguir com essas tecnologias algo de relevo nacional e internacional”, considera a arqueóloga.

As comunidades do Calcolítico comunicavam entre si, mas mantinham os seus modos de vida constantes- “No sul do país não temos cerâmica decorada ao contrário daqui”. Não haverá explicações. São apenas questões de identidade. Hoje e graças à tecnologia já é possível saber que as populações pré-históricas se deslocavam para outros territórios. Há provas de que quem vivia na zona do que é hoje a península de Lisboa esteve na área das Beiras, ou no Alentejo – “Conheciam periodicamente outras realidades, mas têm noção do que é característico do seu território. Na Ota ou no Zambujal, por exemplo, os temas decorativos são bastante constantes”. No fundo “é como hoje, essa noção do espaço e do tempo na Cultura de cada um”, concordam. Facto muito interessante e que apenas nos últimos anos a História veio trazer a lume reside na mobilidade dos indivíduos “e prova disso é que há casos em que estas pessoas vão-se enterrar no Alentejo, passo a expressão, e o contrário também existe”.

Estávamos na denominada Idade do Bronze quando as trocas comerciais entre os povos começaram a ser intensificadas em que os animais já serviam também como meio de transporte. E como é que se consegue encontrar no terreno provas deste intercâmbio nesta forma tão concreta em que é possível assinalar a proveniência dos indivíduos numa outra região?.
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A arqueóloga Ana Catarina Basílio conta que é feita uma análise ao estrôncio na água das plantas ou de animais como os caracóis, porque justamente se mexem pouco, de determinada região “e daí conseguimos descobrir qual a base geológica”.
​“O valor químico da água fica marcado nos nossos dentes e como por norma temos três molares e nem todos nascem na mesma altura, como é o caso do siso, conseguimos apurar se determinada pessoa viveu e bebeu água da mesma zona durante toda a vida ou não”. Com uma análise à dentina do dente é possível apurar padrões de mobilidade, assim como, através dos materiais encontrados junto aos restos humanos. “Essas materialidades são também peça chave”, acrescenta André Texugo.
No final de setembro, a equipa de arqueólogos vai apresentar resultados das escavações numa cerimónia para comemorar o primeiro aniversário da Paisagem Protegida do Canhão Cársico.

Jornal Valor Local @ 2013


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