Isidro Ferreira foi funcionário da Empresa Municipal de Infraestruturas de Azambuja (EMIA) e considera que o seu despedimento e não reintegração nos quadros da autarquia foi uma injustiça. O ex-trabalhador daquela empresa, que entrou para a mesma em 2004 e que não vinha da Câmara, desconfia da forma como todo o processo de liquidação da empresa iniciado em 2012 tem decorrido, a começar pelas contas bancárias ainda ativas, mas principalmente a forma como os funcionários, três na altura, foram despedidos.
Em entrevista ao Valor Local, Isidro Ferreira, atualmente desempregado, que preferiu não ser fotografado para esta reportagem, confessa que tudo teve desde o início contornos estranhos – “Em agosto de 2012, e quando estava de férias, recebo uma chamada para vir à EMIA porque tinham uma informação muito urgente para tratar comigo. O meu chefe insistiu muito, estranhei mas passados poucos dias, apresentei-me na empresa. Comunicou-me de imediato que a empresa ia ser liquidada e que nós íamos perder o posto de trabalho”. Na altura, lembra-se que questionou o porquê de tal pressa, dado que a proposta estava apenas em decreto-lei. O presidente da Câmara de Azambuja, à altura – Joaquim Ramos, também me deu “o facto como consumado, e isto só com o projeto-lei.” Enviaram-lhe a carta de rescisão a 20 de agosto, 11 dias antes de a lei ser publicada, e que “previa a reintegração dos funcionários nas autarquias”, apenas mais restrita para os funcionários com um ano de contrato, o que não era o caso.
Isidro Ferreira desempenhava funções de administrativo, e de acordo com um parecer dos advogados da Câmara, não haveria direito à sua reintegração na autarquia, porque as funções da EMIA não estavam sujeitas a internalização de serviços. O ex-trabalhador discorda – “Os serviços relacionados com as empreitadas e com a contratação pública faziam parte da EMIA, e as funções desempenhadas por mim na EMIA prendiam-se efetivamente com esse apoio técnico”. Ou seja “os funcionários da EMIA estariam mais capacitados e providos de conhecimentos técnicos e humanos, isto sem querer desconsiderar os funcionários municipais”. Isidro Ferreira acredita que foi induzido em erro ao ter assinado a carta de demissão.
Atualmente este ex-funcionário, que tem sido o único a insurgir-se com a questão da sua não reintegração, refere que tem reunidas as condições para agir judicialmente contra a Câmara e já conta com um advogado. “Muitas vezes, perguntam-me por que só agora me comecei a mexer? Respondo que primeiro tive de perceber todos os contornos da liquidação da EMIA e de todo este processo de despedimento”.
No último ano, os contatos com a Câmara de Azambuja e o atual presidente também têm deixado a desejar. Pelo meio, o vice-presidente, Silvino Lúcio, de acordo com Isidro Ferreira, até lhe chegou a prometer que tudo se ia resolver e que o mesmo poderia ser de facto reintegrado na Câmara. Luís de Sousa, presidente do município, refere que o vice-presidente lhe jurou a pés juntos que nunca prometera tal ao ex-funcionário. Neste processo, Isidro Ferreira culpa não apenas Luís de Sousa, Joaquim Ramos, mas também toda a oposição e assembleia municipal “que lavaram as mãos. Este problema é da Câmara, e de todos. Só porque o antigo presidente não se recandidatou, o atual não pode dizer que ‘herdou o quintal’ sem problemas só porque não era presidente na altura”. A Isidro Ferreira também não lhe caiu particularmente bem um email onde Luís de Sousa escreve o seguinte – “Conheces-me bem e em vez de mandares este mail poderias ter vindo falar comigo, mas segundo me disseram tu até és de uma força política diferente da minha e como era altura de campanha eleitoral não me admira esta tua reação”. (Isidro Ferreira terá ficado consternado quando Luís de Sousa disse na campanha eleitoral que não ia despedir ninguém, mas o presidente da Câmara acrescentou que depois da sua eleição não o faria)
Um dos argumentos dos advogados da Câmara refere contudo que a admissão de Isidro Ferreira na autarquia, nesta fase do campeonato, poderia não ser tão líquida quanto isso, pois teria de ser aberto concurso público, e aquele ex-funcionário não ser o escolhido – “Isso é um facto!”, constata, mas apressa-se a elencar “as ilegalidades do processo” – “Como é que a empresa se encontra extinta e as contas bancárias permanecem ativas, e quando já foi aprovada a reintegração do património da empresa na Câmara. Nada foi acatado”. O ex-funcionário informa ainda que apenas conhece mais dois ou três casos semelhantes ao seu em todo o país. “Em todo o lado, os funcionários foram reintegrados, e quando eu olho para o meu caso é que compreendo a injustiça que me fizeram”.
Sobre a possibilidade de a Câmara não poder fazer contratações, Isidro Ferreira diz que investigou e que “Azambuja se encontra abaixo do número máximo definido por lei”. “Santarém teve um PAEL de 43 milhões de euros, e ainda há meses integrou 30 pessoas”.
A defesa dos autarcas
Luís de Sousa, atual presidente do município, refere que falou diversas vezes com o ex-funcionário em causa para também “atestar das possibilidades de reintegração na Câmara”. “Demonstrei sempre disponibilidade para isso, mas penso que o senhor Isidro deveria ter logo à partida e quando o anterior presidente lhe pôs a condição da sua demissão, ter dito que não estava disponível, não era agora três anos depois”.
“Os nossos advogados sempre me disseram que era difícil trazê-lo de volta, mas que estavam disponíveis para a Câmara pedir um parecer a outros advogados, e se fosse diferente, talvez se arranjasse maneira de o readmitir”. Entretanto deu-se o episódio com Silvino Lúcio, e Luís de Sousa lamenta que Isidro Ferreira tenha alterado a verdade dos factos – “Admirei-me com essa conversa, e o senhor vice-presidente garantiu-me que nunca prometeu nada, que tudo era mentira”.
O presidente do município revela que a partir de certa altura perdeu definitivamente o interesse em ajudar o ex-funcionário da EMIA, pois aquele “começou a ir por caminhos atribulados”. “Perdi o incentivo. Ele meteu a oposição nesta questão, e pareceu-me que queria tornar o caso político. Num dos mails que me enviou até sugeriu que tínhamos aqui um saco azul nesta questão da EMIA”. A juntar a isto “usava de um tom agressivo quando se reunia comigo”.
Questionado sobre a urgência no despedimento de trabalhadores, quando volvidos mais de dois anos, as contas da EMIA ainda estão ativas e a empresa não totalmente liquidada, o presidente da Câmara refere que “a questão não pode ser encarada sobre esse prisma”. Luís de Sousa refuta a ideia de que houve “má vontade” do anterior presidente no apressar do despedimento. Esclarece também que o facto de as contas ainda permanecerem ativas, se deve à circunstância de ter sido preciso fazer uma recolha sobre o inventário da empresa, a que se somou um erro entre a Câmara e a conservatória na altura da extinção. “Temos vindo a reunir com solicitadores e advogados para o final das avaliações, e a resolver com os bancos para passagem dos empréstimos para a Câmara. O único movimento da EMIA atualmente tem consistido no pagamento das dívidas”.
Ainda sobre o caso de Isidro Ferreira, Luís de Sousa considera que o mesmo “tem todo o direito de resolver o seu caso na Justiça”. “Se o tribunal decidir que ele tem de regressar eu abro-lhe a porta sem problemas nenhuns. Não vou é cometer ilegalidades, porque o advogado diz-me que não; bem como outras entidades”.
Quanto a Joaquim Ramos, este sustenta que a Câmara tinha chegado, em 2012, à conclusão de que a EMIA tinha de encerrar as portas. “Averiguou-se através de parecer se os trabalhadores poderiam ser reintegrados nos quadros da Câmara, o qual foi negativo. Fez-se a rescisão do contrato, receberam a indemnização”. Joaquim Ramos confirma que durante o seu mandato não conheceu qualquer animosidade por parte do ex-funcionário – “Ninguém colocou problemas! Foi tudo pacífico com os três trabalhadores”.
Sobre a eventual pressa excessiva em precipitar a extinção dos postos de trabalho, quando a lei ainda não estava completamente clara, e nas demais Câmaras houve um compasso de espera, Joaquim Ramos argumenta que “não valia a pena”. “A EMIA tinha esgotado o seu plafond de financiamento, 8 milhões de euros, não ia pedir reforço de endividamento à assembleia municipal, quando já havia uma lei a dizer que tinha de ser extinta. Por que razão iria arrastar o processo, e deixar três pessoas ali sem fazer nada?”
Mais tarde, a lei veio de facto a permitir a reintegração dos trabalhadores, mas Joaquim Ramos recusa em dizer que o que fez foi “fora de tempo”. “Foi na altura em que devia ser, não posso adivinhar que leis estão para sair, e depois não fazia sentido perpetuar a agonia da EMIA. Não podia fazer mais obras e manter artificialmente uma estrutura de pessoal a pesar no orçamento municipal, e daí a sua extinção”.
Sílvia Agostinho
23-01-2015
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