Exposição “Ciclos do Arroz” e a tentativa de regresso às origens do Neo-Realismo
A exposição, com curadoria de João Madeira, destaca-se por incluir objetos do trabalho agrícola e do quotidiano dos camponeses
Sílvia Agostinho
14-07-2016 às 12:04 Quem entra por estes dias no Museu do Neo-Realismo em Vila Franca de Xira depara-se logo à entrada com uma imponente alfaia agrícola utilizada em outros tempos no cultivo do arroz. O objeto, uma debulhadora cedida pelo Centro Operativo e Tecnológico do Arroz, em Salvaterra de Magos, convida a entrar e a apreciar a exposição “Ciclos do Arroz” que está patente até dois de outubro, a qual teve como ponto de partida a experiência coletiva, artístico-literária, realizada em 1953 por iniciativa do escritor Alves Redol, na qual participaram os artistas plásticos Júlio Pomar, Rogério Ribeiro, Alice Jorge, Cipriano Dourado, Lima de Freitas e António Alfredo, e que consistiu no acompanhamento das jornadas dos trabalhadores rurais nos arrozais do Ribatejo.
O registo desse trabalho de campo, sob a forma de apontamentos, fotografias, esquissos, desenhos ou estudos, foi utilizado como matéria-prima e fonte de inspiração para os trabalhos artístico-literários que foram produzidos pelos participantes, e que podem ser apreciados nesta mostra. A exposição, com curadoria de João Madeira, destaca-se por incluir objetos do trabalho agrícola e do quotidiano dos camponeses, alguns dos quais vinham de outras zonas do país para trabalharem na lezíria sujeitos a condições muito difíceis. Foi também a captura desta realidade que interessou a Alves Redol e aos seus colegas. “Estavam interessados numa aproximação pela parte das questões sociais, e da denúncia dos problemas das pessoas no seu dia-a-dia”. Os movimentos migratórios associados ao arroz estão também expressos nesta exposição, “que tanto podiam vir da Beira Litoral, como das zonas montanhosas, do Alto Ribatejo e também do sul”, explica Paula Monteiro. “Vinham mondar, semear, ceifar, plantar”, e por isso permaneciam meses deslocados das suas zonas de origem. E tinham alcunhas: os “ratinhos” eram das zonas montanhosas da Beira Alta, os “caramelos” eram oriundos da Beira Litoral, e os “gaibéus” da Beira Baixa e Alto Ribatejo. Na sua maioria eram mulheres, “mais indicadas para este trabalho, porque o arroz exige mãos delicadas”. Chegavam com os filhos e instalavam-se nos ditos quartéis, barracões muito grandes, uma espécie de alojamento muito precário e com poucas condições de salubridade. Permaneciam aí até à altura de regressarem às suas terras. A vida rude nos campos está bem patente nesta exposição, onde as mulheres andavam pelos campos com as saias subidas um pouco acima do joelho, presas por uma espécie de cinta na zona da anca para não molharem a roupa na apanha do cereal. O capataz exigia que andassem descalças, “pois assim davam mais rendimento”, ilustra também Fátima Pires, assistente de curadoria. As doenças associadas a estas condições também eram comuns, como a malária. O trabalho infantil na altura era uma prática pelo que muitas adolescentes se encontram retratadas nas várias fotografias que podem ser apreciadas. Para complementar esta exposição, o museu disponibiliza o documentário produzido pela Câmara de Salvaterra – “Terras do Arroz”. “Surpreendeu-nos ao fazer esta exposição a questão das migrações, com tanta gente e por períodos tão longos de tempo. Esta dimensão humana tão grande. Interessou ao museu e a esta exposição refletir sobre este trabalho tendo em conta que, naquela altura, o movimento neo-realista vivia um conflito na sua matriz, com o aparecimento já de alguns caminhos divergentes. A reunião destes artistas com Redol para esta recolha teve por objetivo um regresso às origens do Neo-Realismo também”, especifica Paula Monteiro. A recolha deu-se, então, no ano de 1953. Ao longo da década de 50 foram produzidos os diversos trabalhos ilustrativos dessa jornada dos artistas na lezíria ribatejana. Nas paredes do museu, estão lado a lado desenhos de artistas e quadros pintados, uma parte por Júlio Pomar, que retratam o mesmo instante captado pela fotografia. “Júlio Pomar contou-nos que os artistas teriam gostado de ir mais vezes ao terreno, mas era difícil viajar. Por outro lado, tinham de trabalhar em outras coisas para garantir o seu sustento”.
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