
Guerra Colonial Revisitada
Passaram 56 anos desde que os primeiros soldados portugueses rumaram à Guerra de África que hoje entrou quase no imaginário popular, mas há episódios bem vivos e que marcaram para sempre os homens com quem falámos.
Sílvia Agostinho/Miguel António Rodrigues
25-04-2017 às 10:40
Não estava preparado nem de longe nem de perto para o que iria viver em África, Angola, ao ser um dos primeiros mobilizados do país para combater na guerra colonial. Norvaldo Martins, de Benavente, tinha 22 anos em 1961, e esteve naquele território durante 30 meses e as marcas ainda hoje são profundas. De algo tem a certeza conseguiu estar na guerra sem nunca ter disparado contra pessoas. Havia quem assim não fosse. Homens, no seu entender “cruéis”, que “se fosse hoje e entrassem por aqui adentro nem sei o que lhes fazia”. Na sua memória ainda está bem viva a figura daqueles a quem os africanos chamavam de “jovem assassino”. Esta foi apenas uma das personagens da mitologia da guerra que passados mais de cinquenta anos teimam em não sair da memória.
O inimigo, guerrilheiros que reivindicavam a independência em relação a Portugal, atacavam jogando com o fator surpresa, e neste aspeto “o desgaste físico e psicológico foi enorme”. Uma das estratégias das tropas portuguesas consistiu em cativar a população de Angola obrigada a combater por parte de alguns cabecilhas das milícias. “Começaram a conviver connosco e a ver em nós uma salvaguarda”. Isto era sintomático de que “ninguém sabia muito bem o que andava por ali a fazer”. Ainda hoje sabe que os africanos “adoram os portugueses”, porque “sempre fomos humildes e os tratámos melhor do que outros povos”. Muitos foram os ex-combatentes que acabaram por casar com as africanas. “Ainda ensinei muitos a ser pedreiros ou carpinteiros, e a cultivar produtos agrícolas”.
Na guerra perdeu também alguns vizinhos e amigos. Só do concelho de Benavente foram para a guerra mais de 500 homens. Muitos outros ficaram com as sequelas psicológicas. “Ainda consegui encaminhar alguns rapazes daqui para o psicólogo que ficaram completamente desmantelados”, refere. Norvaldo Martins também sentiu na pele o stress pós-traumático. “Nem todos sofreram, no meu caso como sou sensível em relação a tudo o que me rodeia fiquei mais afetado”. Benavente viu ficar na guerra alguns dos seus filhos – “Um deles morreu no rio engolido por jacarés. Outros sei onde ainda estão sepultados. Conseguiria identificar perfeitamente esses locais”.
Passaram 56 anos desde que os primeiros soldados portugueses rumaram à Guerra de África que hoje entrou quase no imaginário popular, mas há episódios bem vivos e que marcaram para sempre os homens com quem falámos.
Sílvia Agostinho/Miguel António Rodrigues
25-04-2017 às 10:40
Não estava preparado nem de longe nem de perto para o que iria viver em África, Angola, ao ser um dos primeiros mobilizados do país para combater na guerra colonial. Norvaldo Martins, de Benavente, tinha 22 anos em 1961, e esteve naquele território durante 30 meses e as marcas ainda hoje são profundas. De algo tem a certeza conseguiu estar na guerra sem nunca ter disparado contra pessoas. Havia quem assim não fosse. Homens, no seu entender “cruéis”, que “se fosse hoje e entrassem por aqui adentro nem sei o que lhes fazia”. Na sua memória ainda está bem viva a figura daqueles a quem os africanos chamavam de “jovem assassino”. Esta foi apenas uma das personagens da mitologia da guerra que passados mais de cinquenta anos teimam em não sair da memória.
O inimigo, guerrilheiros que reivindicavam a independência em relação a Portugal, atacavam jogando com o fator surpresa, e neste aspeto “o desgaste físico e psicológico foi enorme”. Uma das estratégias das tropas portuguesas consistiu em cativar a população de Angola obrigada a combater por parte de alguns cabecilhas das milícias. “Começaram a conviver connosco e a ver em nós uma salvaguarda”. Isto era sintomático de que “ninguém sabia muito bem o que andava por ali a fazer”. Ainda hoje sabe que os africanos “adoram os portugueses”, porque “sempre fomos humildes e os tratámos melhor do que outros povos”. Muitos foram os ex-combatentes que acabaram por casar com as africanas. “Ainda ensinei muitos a ser pedreiros ou carpinteiros, e a cultivar produtos agrícolas”.
Na guerra perdeu também alguns vizinhos e amigos. Só do concelho de Benavente foram para a guerra mais de 500 homens. Muitos outros ficaram com as sequelas psicológicas. “Ainda consegui encaminhar alguns rapazes daqui para o psicólogo que ficaram completamente desmantelados”, refere. Norvaldo Martins também sentiu na pele o stress pós-traumático. “Nem todos sofreram, no meu caso como sou sensível em relação a tudo o que me rodeia fiquei mais afetado”. Benavente viu ficar na guerra alguns dos seus filhos – “Um deles morreu no rio engolido por jacarés. Outros sei onde ainda estão sepultados. Conseguiria identificar perfeitamente esses locais”.

E nessa guerra enfrentou episódios no limite como quando teve um conflito verbal com um superior em que “ou ele matava-me ou eu matava-o a ele”. Muitos destes homens ainda andam na política, mas “fizeram barbaridades sem explicação que não se compreende”. Há poucos anos atrás, Norvaldo Martins editou o livro “Feridas Invisíveis”, no qual conta a sua experiência pessoal na Guerra de África, na qual os militares portugueses tiveram uma capacidade de resistência que acabou por surpreender muitos – “Lembro-me de um oficial americano ter dado conta da sua admiração por durante tanto tempo termos mantido três frentes de batalha em três países durante 15 anos”. Guerra esta que acabou por ser interessante para algumas potências que financiavam a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), ambas rivais, como a União Soviética, “que tiravam os proveitos das empresas que lá trabalhavam enquanto nós andávamos a guerrear”.
Muitas vezes pensou em fugir quando estava na guerra, principalmente pela Namíbia na fronteira do sudoeste africano, mas acabou por tirar essa ideia da cabeça:“Porque não tinha o apoio de ninguém do lado de lá do rio, e ainda podia acabar por ser engolido pelos jacarés”. Injustiças viu muitas, não só as relacionadas com os ataques, mas também quando os oficiais portugueses “enchiam o bandulho em jantares com civis enquanto nós passávamos fome. Uma vez mostrei seriamente o meu desagrado”. Na guerra pensava-se em fugir, mas “havia elementos da Pide entre os militares e não tínhamos como o fazer”.
Mais de 50 anos depois da guerra, Norvaldo Martins defende que até hoje nunca se deu o reconhecimento devido aos que combateram no Ultramar. “Alguns até se aproveitaram dos ex-combatentes como o Paulo Portas quando numa campanha eleitoral prometeu um subsídio. Como se sabe os portugueses não resistem ao dinheiro, e como ele prometeu uns cobres aumentou a votação. Pôs isso na cabecinha dos ex-militares e conseguiu atingir a posição de ministro da Defesa (Governo de Durão Barroso)”. Esse subsídio foi implantado, depois diminuído, “ e acabou por ser dado às associações que para aí existem, mas que na sua maioria não funcionam. Talvez lucrem com esse dinheiro porque quando nos dirigimos a esses locais nunca dispõem de psicólogos nem de outros meios necessários”, aponta.
Muitas vezes pensou em fugir quando estava na guerra, principalmente pela Namíbia na fronteira do sudoeste africano, mas acabou por tirar essa ideia da cabeça:“Porque não tinha o apoio de ninguém do lado de lá do rio, e ainda podia acabar por ser engolido pelos jacarés”. Injustiças viu muitas, não só as relacionadas com os ataques, mas também quando os oficiais portugueses “enchiam o bandulho em jantares com civis enquanto nós passávamos fome. Uma vez mostrei seriamente o meu desagrado”. Na guerra pensava-se em fugir, mas “havia elementos da Pide entre os militares e não tínhamos como o fazer”.
Mais de 50 anos depois da guerra, Norvaldo Martins defende que até hoje nunca se deu o reconhecimento devido aos que combateram no Ultramar. “Alguns até se aproveitaram dos ex-combatentes como o Paulo Portas quando numa campanha eleitoral prometeu um subsídio. Como se sabe os portugueses não resistem ao dinheiro, e como ele prometeu uns cobres aumentou a votação. Pôs isso na cabecinha dos ex-militares e conseguiu atingir a posição de ministro da Defesa (Governo de Durão Barroso)”. Esse subsídio foi implantado, depois diminuído, “ e acabou por ser dado às associações que para aí existem, mas que na sua maioria não funcionam. Talvez lucrem com esse dinheiro porque quando nos dirigimos a esses locais nunca dispõem de psicólogos nem de outros meios necessários”, aponta.
Quando regressou da guerra, as marcas psicológicas não mais o deixaram. Ainda hoje mantem as sequelas, e tardiamente foi tratado como outros colegas por profissionais preparados para as consequências do stress pós traumático. Aguarda que o Estado o possa ressarcir através de um subsídio tendo em conta que uma junta médica o declarou deficiente das forças armadas. “Há 14 anos que espero!”
Do salvamento de uma tripulação brasileira a duas comissões em Moçambique
poucas vezes teve medo
Esteve desde os 17 anos ligado à vida militar. Reformou-se em 2002, e tem orgulho em dizer que é o único sargento com mais condecorações a nível mundial. Na memória de muitos está o facto de ter impedido um acidente aéreo no Aeroporto da Portela quando um avião brasileiro que carregava corpos de soldados mortos na segunda guerra mundial, (estávamos em 1960), se incendiou. Gilberto Barata, residente no Carregado, que na altura ainda não tinha partido para a guerra de África e tinha funções de mecânico eletricista não hesitou e correu para o avião de onde salvou 12 tripulantes e as 485 urnas. Depois disso recebeu as mais altas condecorações do estado português, na presença de Américo Tomás e de Salazar, e no Brasil também. Conseguiu colecionar até hoje tendo em conta o seu currículo 19 medalhas.
Enquanto vai dando conta de pormenores da sua carreira e da estadia em África mostra alguns artigos de revistas e jornais nacionais em que figurou tendo em conta esta e outras histórias, recordando também a sua ida à televisão, ao programa da Fátima Lopes que se deliciou com alguns pormenores do seu trajeto. “Adorou saber aquilo que eu fiz!”, evidencia. As medalhas também as trouxe para esta entrevista as quais dispôs com orgulho na mesa de café onde nos encontrámos. Mas as fotografias de outros tempos também não foram esquecidas. Até imagens de um animal resultante de um cruzamento de uma espécie de coelhos que fez na Nova Zelândia não faltaram no rol - “Olhe veja: era lindo, lindo, você nem queira saber!”. Colecionador de garrafas de whisky, de calendários, e de outros artefactos também é conhecido pelos seus petiscos, e fotos com o antigo chef Michel também nos são mostradas – “Cozinho melhor do que certas mulheres”, atira.
Na guerra de África foi incumbido de uma comissão em Moçambique, no ano de 1965. Tinha 24 anos. Esteve no território até 1967. No tempo em que esteve naquele país nasceram-lhe duas filhas. “A primeira é machangana”, diz-se das pessoas que nasceram no sul de Moçambique. A segunda também viria a nascer no território da ex-província portuguesa, mas em Tete no centro do país, “num cenário que nem lhe passa pela cabeça devido à guerra. Nesse dia chegaram ao hospital várias vítimas de minas antipessoais, um médico que lá estava que era do Montijo teve de cortar 17 pernas debaixo de uma temperatura de 48 graus. A minha filha nasceu à pressão”. É em tom de brincadeira que assume que gostava de ter tido um rapaz. “Tenho é uma neta reguila como tudo! Teimosa como o avô”.
poucas vezes teve medo
Esteve desde os 17 anos ligado à vida militar. Reformou-se em 2002, e tem orgulho em dizer que é o único sargento com mais condecorações a nível mundial. Na memória de muitos está o facto de ter impedido um acidente aéreo no Aeroporto da Portela quando um avião brasileiro que carregava corpos de soldados mortos na segunda guerra mundial, (estávamos em 1960), se incendiou. Gilberto Barata, residente no Carregado, que na altura ainda não tinha partido para a guerra de África e tinha funções de mecânico eletricista não hesitou e correu para o avião de onde salvou 12 tripulantes e as 485 urnas. Depois disso recebeu as mais altas condecorações do estado português, na presença de Américo Tomás e de Salazar, e no Brasil também. Conseguiu colecionar até hoje tendo em conta o seu currículo 19 medalhas.
Enquanto vai dando conta de pormenores da sua carreira e da estadia em África mostra alguns artigos de revistas e jornais nacionais em que figurou tendo em conta esta e outras histórias, recordando também a sua ida à televisão, ao programa da Fátima Lopes que se deliciou com alguns pormenores do seu trajeto. “Adorou saber aquilo que eu fiz!”, evidencia. As medalhas também as trouxe para esta entrevista as quais dispôs com orgulho na mesa de café onde nos encontrámos. Mas as fotografias de outros tempos também não foram esquecidas. Até imagens de um animal resultante de um cruzamento de uma espécie de coelhos que fez na Nova Zelândia não faltaram no rol - “Olhe veja: era lindo, lindo, você nem queira saber!”. Colecionador de garrafas de whisky, de calendários, e de outros artefactos também é conhecido pelos seus petiscos, e fotos com o antigo chef Michel também nos são mostradas – “Cozinho melhor do que certas mulheres”, atira.
Na guerra de África foi incumbido de uma comissão em Moçambique, no ano de 1965. Tinha 24 anos. Esteve no território até 1967. No tempo em que esteve naquele país nasceram-lhe duas filhas. “A primeira é machangana”, diz-se das pessoas que nasceram no sul de Moçambique. A segunda também viria a nascer no território da ex-província portuguesa, mas em Tete no centro do país, “num cenário que nem lhe passa pela cabeça devido à guerra. Nesse dia chegaram ao hospital várias vítimas de minas antipessoais, um médico que lá estava que era do Montijo teve de cortar 17 pernas debaixo de uma temperatura de 48 graus. A minha filha nasceu à pressão”. É em tom de brincadeira que assume que gostava de ter tido um rapaz. “Tenho é uma neta reguila como tudo! Teimosa como o avô”.

Durante a guerra, e como piloto estava adstrito às operações no ar, e algumas vezes no mato, com o lançamento de bombardeamento para as zonas onde se encontravam os denominados “terroristas” que lutavam pela independência do país. “Uma vez fizemos um ataque em que perderam a vida cerca de 300 pessoas do lado do inimigo”. Quando se fala em civis, Gilberto Barata conta que não era possível fazer uma discriminação positiva tendo em conta que também andavam armados, “eram como os talibãs de hoje em dia”. “Quem andava no ar não tinha capacidade de escolha perante o tipo de alvos a acertar, mas apenas os que andavam nos unimog e nos berliet (viaturas do exército) em terra.” Quando se lhe pergunta onde arranjava coragem e determinação para andar a combater, com a consequente perda de vidas, responde que tudo fez parte da educação que homens como ele tiveram – “Angola era nossa, Moçabique também. Eram províncias ultramarinas, e todos os países europeus também as tinham. Para mim aquilo era meu, era nosso. Agora pense no que seria retirarem-nos essa mentalidade a nós que fomos mocidade portuguesa. Não dava!”. Gilberto Barata integrou uma segunda comissão entre 1970 e 1973 num total de 30 meses. Ao contrário do que muitos dizem – “Quem andava na tropa cá queria ir para lá, ganhava-se mais”. “Ninguém pensava que podia morrer lá. Na guerra só os outros é que morrem. Está a compreender? É como quando entramos no carro nunca pensamos que o pior pode acontecer”.
No seu caso, a morte chegou a rondar bem perto – “Tenho um episódio que esse então a Fátima Lopes adorou saber, em que andei 26 dias a voar. Primeiro saltou uma antena, quando descolei de Lisboa, e tive de parar nas Canárias. Dali fui para Bissau. A parte esquerda do avião incendiou-se, bem como um dos motores. Tivemos de despejar o combustível através de uma mangueira. Estava cheio de medo”.
Apesar da segunda missão coincidir com o aproximar do fim da guerra, acabou por em parte ser mais sangrenta, com a planificação de grandes ataques no norte do país por parte de Kaúlza Arriaga, comandante chefe das Forças Armadas em Moçambique. “Queriam matar muitos, e acabaram por ser apenas 10”, recorda-se ao evocar um dos ataques que na sua opinião correu mal.
No seu caso, a morte chegou a rondar bem perto – “Tenho um episódio que esse então a Fátima Lopes adorou saber, em que andei 26 dias a voar. Primeiro saltou uma antena, quando descolei de Lisboa, e tive de parar nas Canárias. Dali fui para Bissau. A parte esquerda do avião incendiou-se, bem como um dos motores. Tivemos de despejar o combustível através de uma mangueira. Estava cheio de medo”.
Apesar da segunda missão coincidir com o aproximar do fim da guerra, acabou por em parte ser mais sangrenta, com a planificação de grandes ataques no norte do país por parte de Kaúlza Arriaga, comandante chefe das Forças Armadas em Moçambique. “Queriam matar muitos, e acabaram por ser apenas 10”, recorda-se ao evocar um dos ataques que na sua opinião correu mal.
Quando regressou a Portugal destaca entre outros serviços o de ter feito segurança a Ramalho Eanes, “de quem sou amigo” e ao general Costa Gomes. Numa revista da época que trouxe para a nossa reportagem está este antigo combatente no aeroporto na chegada do avião com o papa João Paulo II. Com uma vida cheia, “e sendo que fui sempre um homem da Segurança não me venham cá com isso do stress pós traumático. Fui sempre dinâmico, e de raciocínio rápido”, atesta. A única coisa que o incomoda são as “invejas”, conclui resolutamente.

Operador de rádio lembra discurso de Salazar de duas horas e operação a sangue frio
Foi nos primeiros anos da guerra que também embarcou para Angola, em 1964. Tinha 21 anos. Embora menos próximo do campo de batalha não deixou de sentir os efeitos de algo tão devastador.
Operador de telecomunicações, refere que ainda consegue lembrar-se de alguns episódios, nomeadamente, um discurso de duas horas de Salazar por alturas do Natal que o teve de transmitir para as tropas ali estacionadas, a “dizer que a guerra estava ganha, e esse tipo de coisas que ele dizia na altura”. Só regressou em 1967. Era impossível escapar à guerra, e “como se dizia na gíria só escapava quem tinha um tio padre!”, ri-se.
Desde há vários anos a residir em Vila Franca de Xira, é natural do concelho do Gavião, no Alentejo. Veio para a cidade ribatejana depois da guerra, em 1967 como técnico da PT. Em Angola, esteve no norte em Tôto, e depois na província de Bengo, no Caxito, próximo da capital Luanda. Apesar da sua função ter sido mais de retaguarda, também presenciou algumas convulsões daqueles tempos como quando houve um ataque às colunas, “com algumas histórias um bocado complicadas”, ou até mesmo a investida contra a “Fazenda dos Libongos” onde “na noite em que estava de serviço mataram três civis”. No terreno apenas fez uma excursão aos Dembos, e pouco mais. Nunca teve de disparar – “Tenho uma pistola que nunca a utilizei”.
Enquanto andou por Angola, José Apolinário e os companheiros andavam “convencidos de que estávamos a ganhar a guerra”. “Havia toda uma psicologia feita para nos levar a acreditar nisso”. Tal como o seu colega de Benavente, ouvido neste trabalho, também José Apolinário atesta a boa relação com os civis – “Muito boa mesmo”. Neste caso, os do Caxito. Enquanto lá esteve, passou alguns natais sem a família, e o pior deu-se quando a sua mãe, em Portugal, faleceu precisamente quando ainda estava em África. “Foi difícil”.
Conhece casos de colegas que enfrentaram episódios de stress pós traumático, o que não foi o seu caso. “Os que andavam no meio do mato estavam mais condicionados e por isso acabaram por sofrer mais na pele”. O seu episódio mais marcante deu-se quando a toma de uma injeção correu mal, e teve de ser lancetado a sangue frio, caso contrário podia ficar “coxo para o resto da vida”. “Um médico disse-me para no dia a seguir trazer quatro amigos para me agarrarem, porque soro não havia, e tinha de ser operado dessa maneira. E ali estava eu de bruços, arrepio-me só de lembrar mas a outra opção era ficar deficiente para o resto da vida. Teve de ser”.
Quando a guerra terminou com a Revolução dos Cravos, José Apolinário não deixa de considerar que o esforço dos que lutaram acabou por ser “inglório”. Ainda hoje gostava de voltar a Caxito, se a condição financeira o permitisse – “Aquilo era uma espécie de Vila Franca de Angola, porque ficava a 53 quilómetros da capital”.
Para si os governos do país deveriam olhar mais para os ex-combatentes, “nomeadamente junto dos que chegaram mais desvalidos com episódios de stress- pós traumático”. Por outro lado, o 25 de abril “foi importante mas podia ter sido melhor. Viveu-se aquela euforia e depois pouco mais”.
Foi nos primeiros anos da guerra que também embarcou para Angola, em 1964. Tinha 21 anos. Embora menos próximo do campo de batalha não deixou de sentir os efeitos de algo tão devastador.
Operador de telecomunicações, refere que ainda consegue lembrar-se de alguns episódios, nomeadamente, um discurso de duas horas de Salazar por alturas do Natal que o teve de transmitir para as tropas ali estacionadas, a “dizer que a guerra estava ganha, e esse tipo de coisas que ele dizia na altura”. Só regressou em 1967. Era impossível escapar à guerra, e “como se dizia na gíria só escapava quem tinha um tio padre!”, ri-se.
Desde há vários anos a residir em Vila Franca de Xira, é natural do concelho do Gavião, no Alentejo. Veio para a cidade ribatejana depois da guerra, em 1967 como técnico da PT. Em Angola, esteve no norte em Tôto, e depois na província de Bengo, no Caxito, próximo da capital Luanda. Apesar da sua função ter sido mais de retaguarda, também presenciou algumas convulsões daqueles tempos como quando houve um ataque às colunas, “com algumas histórias um bocado complicadas”, ou até mesmo a investida contra a “Fazenda dos Libongos” onde “na noite em que estava de serviço mataram três civis”. No terreno apenas fez uma excursão aos Dembos, e pouco mais. Nunca teve de disparar – “Tenho uma pistola que nunca a utilizei”.
Enquanto andou por Angola, José Apolinário e os companheiros andavam “convencidos de que estávamos a ganhar a guerra”. “Havia toda uma psicologia feita para nos levar a acreditar nisso”. Tal como o seu colega de Benavente, ouvido neste trabalho, também José Apolinário atesta a boa relação com os civis – “Muito boa mesmo”. Neste caso, os do Caxito. Enquanto lá esteve, passou alguns natais sem a família, e o pior deu-se quando a sua mãe, em Portugal, faleceu precisamente quando ainda estava em África. “Foi difícil”.
Conhece casos de colegas que enfrentaram episódios de stress pós traumático, o que não foi o seu caso. “Os que andavam no meio do mato estavam mais condicionados e por isso acabaram por sofrer mais na pele”. O seu episódio mais marcante deu-se quando a toma de uma injeção correu mal, e teve de ser lancetado a sangue frio, caso contrário podia ficar “coxo para o resto da vida”. “Um médico disse-me para no dia a seguir trazer quatro amigos para me agarrarem, porque soro não havia, e tinha de ser operado dessa maneira. E ali estava eu de bruços, arrepio-me só de lembrar mas a outra opção era ficar deficiente para o resto da vida. Teve de ser”.
Quando a guerra terminou com a Revolução dos Cravos, José Apolinário não deixa de considerar que o esforço dos que lutaram acabou por ser “inglório”. Ainda hoje gostava de voltar a Caxito, se a condição financeira o permitisse – “Aquilo era uma espécie de Vila Franca de Angola, porque ficava a 53 quilómetros da capital”.
Para si os governos do país deveriam olhar mais para os ex-combatentes, “nomeadamente junto dos que chegaram mais desvalidos com episódios de stress- pós traumático”. Por outro lado, o 25 de abril “foi importante mas podia ter sido melhor. Viveu-se aquela euforia e depois pouco mais”.

O soldado que sobreviveu a uma mina
Hoje com 77 anos, foi também dos primeiros a partir para Angola, Joaquim Rodrigues, de Pombal, e a residir no Cartaxo, guarda sobretudo a memória relacionada com o episódio em que indo com mais três colegas escapou a uma mina. Ao atravessar o rio numa ponte reparou no artefacto e foi por milagre que o pior não aconteceu. Já tinha cumprido quatro anos de serviço militar em Portugal quando foi chamado em 1961 para combater em Angola – “Foi um choque muito grande saber que tinha de ir, quando pensava que já podia ir para casa”, conta.
Andou sempre nos cenários de maior conflitualidade no norte daquele país africano . Estacionou durante uma semana em Luanda mas rapidamente rumou a Ambriz, Ambrizete e Pedra Verde. Um dia antes do episódio com a mina, ouvira falar de um carro de um batalhão de cavalaria que durante a noite tinha sido alvo dos guerrilheiros da fação antagónica. No dia seguinte e numa viagem para ir buscar comida, com um grupo de mais três colegas teriam de atravessar uma ponte. Dois seguiam na frente, e Joaquim Rodrigues ao lado com um companheiro. “Íamos a pé quando olhei para o chão, e ao lado da ponte o terreno parecia que estava mexido. Esgravatei com o sabre. O meu colega que era o 24 concordou que havia alia algo estranho. Chamei o nosso alferes que também ficou surpreendido.
Conseguiram encontrar um senhor que se propôs em desarmadilhar a mina, e até chegou a dizer – ‘Se a mina explodir é porque não faço cá falta nenhuma’. Mas foi bem-sucedido, conseguiu retirar o detonador. A mina pesava 14 quilos”. Ainda hoje na sala de estar de Joaquim Rodrigues, as fotos daquele dia e da mina que lhe podia ter tirado a vida estão em exposição e servem sempre de mote para contar a aventura de uma vida. “Agradeço a Deus estar vivo hoje! Não me faz diferença se aquele país continuou ou não a ser nosso”, resume.
Hoje com 77 anos, foi também dos primeiros a partir para Angola, Joaquim Rodrigues, de Pombal, e a residir no Cartaxo, guarda sobretudo a memória relacionada com o episódio em que indo com mais três colegas escapou a uma mina. Ao atravessar o rio numa ponte reparou no artefacto e foi por milagre que o pior não aconteceu. Já tinha cumprido quatro anos de serviço militar em Portugal quando foi chamado em 1961 para combater em Angola – “Foi um choque muito grande saber que tinha de ir, quando pensava que já podia ir para casa”, conta.
Andou sempre nos cenários de maior conflitualidade no norte daquele país africano . Estacionou durante uma semana em Luanda mas rapidamente rumou a Ambriz, Ambrizete e Pedra Verde. Um dia antes do episódio com a mina, ouvira falar de um carro de um batalhão de cavalaria que durante a noite tinha sido alvo dos guerrilheiros da fação antagónica. No dia seguinte e numa viagem para ir buscar comida, com um grupo de mais três colegas teriam de atravessar uma ponte. Dois seguiam na frente, e Joaquim Rodrigues ao lado com um companheiro. “Íamos a pé quando olhei para o chão, e ao lado da ponte o terreno parecia que estava mexido. Esgravatei com o sabre. O meu colega que era o 24 concordou que havia alia algo estranho. Chamei o nosso alferes que também ficou surpreendido.
Conseguiram encontrar um senhor que se propôs em desarmadilhar a mina, e até chegou a dizer – ‘Se a mina explodir é porque não faço cá falta nenhuma’. Mas foi bem-sucedido, conseguiu retirar o detonador. A mina pesava 14 quilos”. Ainda hoje na sala de estar de Joaquim Rodrigues, as fotos daquele dia e da mina que lhe podia ter tirado a vida estão em exposição e servem sempre de mote para contar a aventura de uma vida. “Agradeço a Deus estar vivo hoje! Não me faz diferença se aquele país continuou ou não a ser nosso”, resume.
Também o relacionamento com a população local que não os guerrilheiros se revelou pacífica na sua opinião. “Andámos a guardar algumas quintas, nomeadamente, uma de um senhor português mas nunca houve problemas”. Contudo “e nunca fiando andávamos sempre de espingarda quando íamos para a praia, para ali ou para acolá”, lembra-se.
Este antigo combatente refere que o stress pós traumático não o acometeu – “Tenho andado sempre bem. Depois de regressar em 1963, fui trabalhar para a CP e andei lá 39 anos”, embora conheça pessoas que ficaram muito “afetadas” mas nesse aspeto “a Liga tem ajudado”.
Este antigo combatente refere que o stress pós traumático não o acometeu – “Tenho andado sempre bem. Depois de regressar em 1963, fui trabalhar para a CP e andei lá 39 anos”, embora conheça pessoas que ficaram muito “afetadas” mas nesse aspeto “a Liga tem ajudado”.

Antigo vereador da Câmara de Azambuja esteve em Angola: “A tragédia de um era a tragédia de todos”
Conhecido de muitos por ter sido até há poucos anos atrás vereador da Câmara Municipal de Azambuja, José Manuel Pratas tem na sua vida pessoal momentos de outros desafios que muitos desconhecem.
Abraçou a política no pós 25 de abril, tendo participado na constituição da Associação nacional de Freguesias (ANAFRE) enquanto presidente da junta de freguesia de Aveiras de Cima, mas antes, Pratas passou também pela guerra colonial.
Ao Valor Local contou com alguma emoção os tempos que passou em Angola. Fez precisamente na semana passada “47 anos que embarquei para Angola”. “Foram 27 meses (o tempo de uma comissão de serviço) diferentes na minha vida que jamais esquecerei”.
Foram tempos diferentes, dos quais guarda bons amigos, com quem se encontra anualmente. O próximo encontro está marcado para dia 30 de abril. Pratas esteve como escriturário no batalhão de caçadores: “Esta foi uma experiência espetacular”, recorda-se. Aliás foi no serviço militar, como tantos outros soldados, que Pratas tirou o quinto ano de liceu. O antigo autarca esteve destacado “sempre no mato”. Foram tempos também eles angustiantes e dramáticos.
Conhecido de muitos por ter sido até há poucos anos atrás vereador da Câmara Municipal de Azambuja, José Manuel Pratas tem na sua vida pessoal momentos de outros desafios que muitos desconhecem.
Abraçou a política no pós 25 de abril, tendo participado na constituição da Associação nacional de Freguesias (ANAFRE) enquanto presidente da junta de freguesia de Aveiras de Cima, mas antes, Pratas passou também pela guerra colonial.
Ao Valor Local contou com alguma emoção os tempos que passou em Angola. Fez precisamente na semana passada “47 anos que embarquei para Angola”. “Foram 27 meses (o tempo de uma comissão de serviço) diferentes na minha vida que jamais esquecerei”.
Foram tempos diferentes, dos quais guarda bons amigos, com quem se encontra anualmente. O próximo encontro está marcado para dia 30 de abril. Pratas esteve como escriturário no batalhão de caçadores: “Esta foi uma experiência espetacular”, recorda-se. Aliás foi no serviço militar, como tantos outros soldados, que Pratas tirou o quinto ano de liceu. O antigo autarca esteve destacado “sempre no mato”. Foram tempos também eles angustiantes e dramáticos.

Conta ao Valor Local que em junho de 1974 presenciou a morte de 27 militares portugueses e alguns civis: “A quatro de agosto de 1970, assisti a um massacre de pessoas que andavam na apanha de café, sendo que foi a minha companhia que os foi socorrer”. Sobre o ambiente que se vive no mato e longe de casa, Pratas assume que “éramos como uma família” apesar de serem 166 homens aquartelados.
José Manuel Pratas fala numa experiencia sem igual, em que os espírito de camaradagem e de partilha se fazia sentir: “Quando um não tinha dinheiro ou comer, os outros socorriam”. Foram “laços que ficaram para a vida”. “A tragédia de um era a tragédia de todos”, afiança.
Quanto ao intuito da guerra, José Manuel Pratas assume não o ter percebido. Refere que foi a incumbência de embarcar durante o serviço militar obrigatório que o levou a Angola, e onde se limitou a sobreviver.
“Tinha saído da província, porque Aveiras de Cima era província, mas tive muita sorte com os colegas. Eram na maioria de Lisboa, Porto e Coimbra. Eram pessoas com alguma cultura”, refere, salientando a convivência entre colegas.
Ainda assim nem todos aguentaram a pressão. O stress de guerra é real no terreno e Pratas conta mesmo a história de um antigo jogador do Sporting que “já tinha cá casa e carro e ganhava bem”. “Foi obrigado a ir para a guerra e hoje é um farrapo humano”. Sobre esse homem, Pratas diz que entrou “numa depressão profunda” resultado da situação da guerra.
Pratas refere não ter ficado com sequelas psicológicas, embora em Aveiras de Cima isso se note noutros antigos combatentes, nomeadamente, porque não tiveram o adequado suporte familiar com a ausência de família e amigos.
José Manuel Pratas diz ter encarado a situação de forma gradual. O antigo autarca desenhou como objetivos encontrar emprego e casar, depois de vir da guerra. Conseguiu-o aos poucos. Primeiro trabalhou na Escola Secundária e depois foi para a Sugal em Azambuja.
A política aparece no pós 25 de abril. Foi presidente da junta de freguesia local. A falta de regras e de dinheiro ditaram que se constituísse a ANAFRE. As coisas dantes eram diferentes e Pratas ainda se recorda que foi com o subsídio de férias da esposa que conseguiu “pagar o ordenado à empregada da junta”. Algo que hoje seria impensável, mas à época a Câmara de Azambuja governada por António José Rodrigues (CDU) “não tinha meios financeiros para ajudar as juntas de freguesia.”
Pratas que recorda a edificação da escola e dos projetos inerentes ao ensino local como um dos marcos daquela época, vinca a importância de várias figuras da terra para que o progresso acontecesse. A união entre os aveiricenses foi de resto fundamental para que Aveiras de Cima “mostrasse o seu bairrismo e a dedicação à comunidade local, como ainda hoje acontece”.
José Manuel Pratas fala numa experiencia sem igual, em que os espírito de camaradagem e de partilha se fazia sentir: “Quando um não tinha dinheiro ou comer, os outros socorriam”. Foram “laços que ficaram para a vida”. “A tragédia de um era a tragédia de todos”, afiança.
Quanto ao intuito da guerra, José Manuel Pratas assume não o ter percebido. Refere que foi a incumbência de embarcar durante o serviço militar obrigatório que o levou a Angola, e onde se limitou a sobreviver.
“Tinha saído da província, porque Aveiras de Cima era província, mas tive muita sorte com os colegas. Eram na maioria de Lisboa, Porto e Coimbra. Eram pessoas com alguma cultura”, refere, salientando a convivência entre colegas.
Ainda assim nem todos aguentaram a pressão. O stress de guerra é real no terreno e Pratas conta mesmo a história de um antigo jogador do Sporting que “já tinha cá casa e carro e ganhava bem”. “Foi obrigado a ir para a guerra e hoje é um farrapo humano”. Sobre esse homem, Pratas diz que entrou “numa depressão profunda” resultado da situação da guerra.
Pratas refere não ter ficado com sequelas psicológicas, embora em Aveiras de Cima isso se note noutros antigos combatentes, nomeadamente, porque não tiveram o adequado suporte familiar com a ausência de família e amigos.
José Manuel Pratas diz ter encarado a situação de forma gradual. O antigo autarca desenhou como objetivos encontrar emprego e casar, depois de vir da guerra. Conseguiu-o aos poucos. Primeiro trabalhou na Escola Secundária e depois foi para a Sugal em Azambuja.
A política aparece no pós 25 de abril. Foi presidente da junta de freguesia local. A falta de regras e de dinheiro ditaram que se constituísse a ANAFRE. As coisas dantes eram diferentes e Pratas ainda se recorda que foi com o subsídio de férias da esposa que conseguiu “pagar o ordenado à empregada da junta”. Algo que hoje seria impensável, mas à época a Câmara de Azambuja governada por António José Rodrigues (CDU) “não tinha meios financeiros para ajudar as juntas de freguesia.”
Pratas que recorda a edificação da escola e dos projetos inerentes ao ensino local como um dos marcos daquela época, vinca a importância de várias figuras da terra para que o progresso acontecesse. A união entre os aveiricenses foi de resto fundamental para que Aveiras de Cima “mostrasse o seu bairrismo e a dedicação à comunidade local, como ainda hoje acontece”.
Comentários
Li com muita atenção todos os relatos, que me pareceram fidedignos. Em relação ao stress de guerra, tenho uma opinião, que pode não ser consensual. Acho que a vida do combatente pós guerra dependeu de 2 factores , como encarou o desenrolar da própria guerra ( por muito violenta que tenha sido), e do apoio familiar.
Domingos Peixoto
Vila Nova de Gaia
30-07-2020 às 15:34
Domingos Peixoto
Vila Nova de Gaia
30-07-2020 às 15:34