Hospital de Santarém vai contar com nova Unidade de Cuidados Intensivos num investimento de 5 milhões de euros
Entrevista com a presidente do Conselho de Administração do HDS, Ana Infante. Em destaque os novos investimentos, a falta de médicos na Ortopedia, Gastroenterologia e Medicina Interna. A rotatividade no serviço de Obstetrícia
|06 Fev 2023 10:41
Sílvia Agostinho Valor Local – Ana Infante está desde 2018 à frente do Conselho de Administração do Hospital Distrital de Santarém que serve os concelhos de Almeirim, Alpiarça, Chamusca, Santarém, Coruche, Cartaxo e Salvaterra de Magos. Do seu currículo fazem parte passagens por diversos conselhos de administração nos mais diferentes cargos. Esteve no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental; Hospitais da Covilhã, Cascais, Pulido Valente entre outros. Como é que tem sido este desafio que já leva cinco anos tendo em conta os principais problemas que encontrou nesta unidade?
Ana Infante – A gestão hospitalar é um desafio muito exigente que requer grande disponibilidade, principalmente, num tempo de pandemia, e agora mais recentemente, numa altura de guerra e de aumento da inflação é ainda mais desafiante, especialmente num hospital que não tinha uma grande cultura de gestão. O que é que a tutela lhe pediu, em específico, quando foi designada para o Hospital de Santarém? O anterior administrador estava lá há 20 anos e já não podia ser reconduzido. Não consegui dizer que não a esse desafio, até porque já tinha dito que não algumas vezes (sorrisos). Quando cheguei deparei-me com uma situação grave que era o facto de o hospital não possuir fundos disponíveis para lançar procedimentos concursais da contratação pública. Tivemos de arranjar fundos até porque as obras do bloco operatório estavam paradas por causa dessa circunstância. Como é que foi gerir o hospital em tempos de pandemia? Foi ainda mais difícil. Os doentes entram-nos pela porta e temos de ter uma solução para lhes dar. Chegámos a ter 170 doentes internados na enfermaria e 19 numa unidade de cuidados intensivos o que para a nossa dimensão é muito, e mesmo assim ainda conseguimos ajudar outros da região de Lisboa que ainda estavam mais sobrelotados. Aprendemos ainda mais a trabalhar em equipa. O que notamos é que a especialidade da Medicina Interna ficou mais cansada e desgastada com a pandemia, porque é uma área cada vez mais exigente. Refere que foi encontrar o hospital numa situação financeira difícil. Nos últimos anos tinha havido ecos de que a unidade funcionava mal. Também notou isso entre os utentes e os funcionários, a sensação de que o hospital gozava de má fama e era necessário arrumar a casa? Não há hospitais fáceis e o cidadão é pouco tolerante em relação a um serviço público. Havia esse sentimento negativo entre a comunidade em relação ao hospital na sua capacidade de resposta de alguns serviços e na sua capacidade organizativa. Penso que agora dá uma resposta muito melhor, diferenciámo-nos em muitos serviços, criámos especialidades, e temos uma nova cultura de gestão. Pensa que os utentes também já têm essa perceção de que o serviço melhorou?
Sim, penso que os utentes têm essa noção. São muitos os elogios que recebemos. Quanto às críticas também as temos, e incidem geralmente sobre o serviço de urgência, nomeadamente, os tempos de espera ou eventuais falhas de comunicação entre os profissionais. Durante a pandemia e o facto de não ter havido visitas também motivou descontentamento. Falemos agora de um dos temas que percorre a atualidade da saúde no país: a implementação da rotatividade nos serviços de urgência de Obstetrícia, Ginecologia e serviço de partos. Como é que tem sido esta adaptação por parte do Hospital Distrital de Santarém? Até quando é que esta medida virá para ficar até porque as grávidas quererão ser atendidas, de preferência, no hospital da sua área de residência? Há carência de médicos nesta área, embora não seja o caso do Hospital de Santarém. Temos atualmente 20 obstetras e conseguimos assegurar as nossas urgências à exceção de períodos críticos ou de férias. No entanto esta medida que a direção executiva do Serviço Nacional de Saúde impõe durante o primeiro trimestre pretende dar uma resposta em rede face à falta de recursos. Nós trabalhamos em rede com o Centro Hospitalar do Médio Tejo e com o Centro Hospitalar do Oeste. Neste último fim-de-semana tivemos 19 partos em que estivemos a funcionar e a receber utentes daqueles hospitais, sendo que 10 eram provenientes da área de influência dessas duas unidades. Foi exigente e duro, mas demos resposta às necessidades da população dos três hospitais. O hospital de per si teria capacidade para assegurar as suas próprias urgências de obstetrícia sem necessidade desse apoio em rede. Sim, mas a tutela entende que deve existir esse apoio, até porque nós em outras áreas somos deficitários como é o caso da Ortopedia e necessitamos do trabalho em rede. A direção executiva do SNS vai avaliar no final do trimestre o funcionamento em rede desta urgência e decidirá se vai continuar ou não, mas não se prevê que haja mais recursos na Obstetrícia. No nosso caso, temos obstetras que se vão reformar e os novos não têm ficado no setor público. O Hospital de Santarém tem procedido a algumas inovações como a criação de uma ferramenta que consegue informar as famílias dos utentes sobre o seu percurso clínico no internamento. De que forma este instrumento tem sido importante até porque uma das queixas, que temos muitas vezes, é que as famílias ficam sem feed-back quando os seus familiares são internados? A pandemia obrigou-nos a ser criativos e como não havia visitas tínhamos de dar alguma informação aos familiares. Foi fácil de implementar, embora não seja a ideal, porque o preferível é o contacto do médico com o familiar, mas pelo menos demonstra que o utente está a ser acompanhado. Mas criámos ainda outras ferramentas como as videochamadas entre os utentes e os familiares. No último ano o Hospital de Santarém adquiriu uma ressonância magnética de última geração. A este nível dos equipamentos há outros investimentos que estejam a ser ponderados? Como temos um orçamento deficitário como os demais hospitais, recorremos aos fundos comunitários. Estamos adstritos à CCDR-Alentejo e temos tido a sorte de os nossos projetos terem sido contemplados. Em 2022, investimos 1 milhão e 500 mil euros em equipamento médico. Só a ressonância foi dois milhões de euros em 2021. Adquirimos ecógrafos, telemetrias, torres de laparoscopia, microscópio para Oftalmologia, e este ano estamos a fazer o levantamento daquilo que ainda será necessário para concorrermos ao 2030 quando saírem os avisos. O Hospital de Santarém tem 40 anos, mas as sus instalações foram projetadas há 50 anos. Está esgotado naquilo que são as suas infraestruturas e a sua capacidade para as atuais necessidades. Tivemos de reformular a rede de águas, o posto de transformação de eletricidade, e estamos a fazer a pintura do hospital. A ampliação do hospital é possível? Tivemos de ampliar para a área do jardim com a implementação de uma nova unidade de cuidados intensivos, investimento de cinco milhões de euros, que vai começar entretanto. O projeto está feito. Outra obra estruturante abrangida pelos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) diz respeito à ampliação do departamento de Psiquiatria e Saúde Mental na sua vertente de ambulatório com a criação de um edifício próprio no valor de um milhão e 200 mil euros para as consultas dessas duas especialidades. Temos duas especialidades que neste momento denotam algumas dificuldades. A Ortopedia apresenta falta de médicos, com apenas cinco médicos, quando seriam necessários mais de dez, sendo que desses cinco, três têm mais de 60 anos. Já na Medicina Interna, segundo o que apurámos, os profissionais estão a sofrer uma sobrecarga dada a falta de recursos humanos. Como é que está a lidar com esta realidade face ao défice nestas duas áreas tão importantes? Sim, essas são duas especialidades críticas a par com a Anestesiologia, que carece de profissionais a nível do país. Temos uma grande carência a nível de ortopedistas. No último ano reformaram-se dois ortopedistas, outro rescindiu contrato. Atualmente temos esses cinco, o que torna difícil conseguirmos assegurar as urgências todos os dias. Recorremos como no caso de outros hospitais à contratação de prestadores de serviço. Temos trabalhado neste campo com os hospitais do Médio Tejo e de Vila Franca de Xira que nos fins de semana têm recebido os nossos utentes de Ortopedia quando estamos em contingência. Não estamos a receber politraumatizados nem urgentes com fratura exposta porque exigem mais recursos na Ortopedia. Este assunto já foi colocado à tutela para se perceber como nos podem ajudar. Tem sido muito difícil contratar porque o setor privado absorve muitos ortopedistas por causa dos seguros. Recentemente o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, anunciou que os hospitais vão poder contratar diretamente médicos especialistas. Esta é uma medida que pode atenuar o atual quadro de carência de médicos no hospital? Pode, e estamos a aguardar com toda a expetativa que essa medida saia, para que nos permita outra autonomia sem estarmos dependentes das burocracias que temos atualmente. O senhor ministro também falou que serão valorizados, nesta medida, os hospitais periféricos com menos recursos. Vamos ver se o hospital de Santarém que fica a 80 quilómetros de Lisboa será contemplado nesses incentivos. Se depois for mais fácil para si contratar mais ortopedistas por via dessa desburocratização, até que ponto é que sentiremos de facto esse efeito prático, até tendo em conta que o Hospital de Santarém sofre já com uma certa concorrência do setor privado existente na cidade? Atualmente os hospitais não têm autonomia para contratarem funcionários, seja pessoal médico, seja outro. Quando isso for possível, podemos fazer toda uma gestão de pessoal diferente, porque neste momento temos de pedir às várias tutelas para que nos autorizem contratar. Por vezes estamos mais de seis meses à espera. O que acontece é como não temos capacidade para aguardar tanto tempo recorremos a prestadores de serviços com um valor por hora superior à remuneração base, e quando vem a autorização das Finanças para a contratação, determinado clínico já não quer ser integrado no quadro porque lhe é mais vantajoso ficar num regime de prestação de serviços. Esta é uma realidade difícil de gerir porque acaba por não ser justo para o profissional do mapa de quadro auferir menos do que o prestador, que tanto pode estar no hospital como noutra instituição, e que nunca chega a vestir a camisola. Até que ponto, o Hospital de Santarém tem-se ressentido com a concorrência do setor privado existente sobretudo no concelho, nomeadamente, o grupo CUF. Acaba esta concorrência por ser saudável ou por também atrapalhar o hospital. Acaba por ser concorrencial, mas nós também temos vantagens e temos de ser criativos. Temos condições num hospital público que não existem num privado como a capacidade de investigação, de formação, a diversidade de doentes, o trabalho em equipa, enquanto no setor privado a remuneração base é superior e o médico não tem de fazer tantas urgências. Os médicos optam muito em termos daquilo que é o seu projeto de vida no momento. Temos conseguido captar alguns, mas nas duas especialidades onde somos mais deficitários, estamos a falar de urgências muito exigentes quer as de Ortopedia quer as de Medicina Interna. Como é que se consegue aliciar um jovem médico que termine o seu internato para ficar num hospital do SNS em oposição a um outro tipo de conforto proporcionado por uma unidade privada? Aliciando-o através de um projeto, com a criação, por exemplo, de centros de responsabilidade integrada (unidades intermédias de gestão dependentes dos conselhos de administração) em que conseguimos efetuar uma majoração dos pagamentos, ou ainda através de serviço de combate às listas de espera, fora do horário normal de trabalho, também com aumento de remuneração. De resto é como disse: existir um projeto, formação e vestirem a camisola do hospital. Com isso é possível aproximar-se do privado em termos de remuneração? Não, ainda não é possível no que respeita à remuneração base. O vencimento em horas extraordinárias é que vai compor o que aufere cada médico, que no serviço público ganha mal para as funções que desempenha. Neste novo ano de 2023, chegaram ao Hospital de Santarém para cumprirem o seu internato 29 novos médicos, dos quais 22 de Formação Geral e sete de Formação Específica nas áreas de Cirurgia Geral (dois), Pediatria (dois), Patologia Clínica (um), Cardiologia (um) e Ginecologia e Obstetrícia (um). Não recebeu médicos para a Medicina Interna? Não tivemos nenhum médico do internato a concorrer nesta especialidade como de resto aconteceu também noutros hospitais do país. Por algum motivo em especial? Penso que o desgaste inerente à Medicina Interna é um dos motivos. É altamente exigente e a mais sacrificada nas urgências hospitalares. Outras especialidades como a Gastroenterologia, a Neurologia ou a Dermatologia foram-se autonomizando e deixaram de fazer urgências hospitalares. Hoje o doente é visto como um todo e cabe à Medicina Interna essa responsabilidade. No diálogo com o ministro da Saúde quais têm sido as suas principais reivindicações? Temos falado da necessidade de os hospitais terem mais autonomia e poderem contratar autonomamente os seus profissionais, termos um orçamento compatível com os gastos tendo havido um reforço no final do ano. Giro um orçamento de 90 milhões anuais, em que 70 milhões são por histórico e os outros 20 milhões no cumprimento do contrato programa. Pelo que sei, neste momento o hospital dispõe apenas de um gastroenterologista. Essa especialidade é essencial, mas é muito cativada pelo setor privado. O facto de termos apenas um médico dessa especialidade preocupa-nos e ainda ontem expus essa questão junto da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARS-LVT) questionando como é que nos podia ajudar no âmbito do trabalho em rede com outros hospitais, pelo menos nalgumas consultas, tendo em conta que no final do ano perdemos uma médica para o privado. Isso pode ser feito com a deslocação dos utentes a outras unidades? Sim, ou através da deslocação de um médico ao Hospital de Santarém, o que seria o ideal. ASSISTA AO VÍDEO DA ENTREVISTA
De facto, e segundo o portal SNS para o hospital de Santarém, ao dia de hoje, temos várias centenas de pessoas em lista de espera para consulta na Gastroenterologia pelo menos nos casos menos graves, mas já são números consideráveis. Por outro lado, é nos referido que no serviço de Medicina, nas enfermarias, temos doentes nos corredores, dado que esta ala está sobrecarregada
Queria dizer que as nossas listas de espera não ultrapassam os nove meses à exceção da Dermatologia. Damos resposta a 500 mil habitantes. Estamos a consertar com os três dermatologistas que temos em horário reduzido no sentido ultrapassar a lista de 500 doentes à espera de consulta, com a programação desses atendimentos, aos sábados, em regime de atividade adicional. Em relação às enfermarias chegámos a ter 220 doentes internados em altura de grandes picos de afluência e foi preciso pedir um esforço acrescido à Medicina Interna. Foi um mal menor. Como profissional deste setor há largos anos, em que fez parte de sucessivos conselhos de administração de vários hospitais, que apreciação é que faz do nosso SNS, em que os governos do país vão passando, mas a evolução é lenta? Os problemas no SNS são recorrentes. Trabalho há 33 anos nesta causa pública, verifico que muitos dos problemas já foram falados muitas vezes. É preciso que haja coragem política para se mexer nalguns poderes estabelecidos, para mudar algumas coisas e ter atitude. É preciso contratar médicos, distribuí-los onde são necessários, e coragem para dizer a um interno que formámos, ao longo de seis anos, que não pode sair para o setor privado sem nenhuma contrapartida para quem o formou. Pensa que este ministro pode trazer algo mais do que a anterior ministra Marta Temido? Estará pelo menos a tentar da mesma forma que a ministra também tentou e não será de somenos lembrar que ela governou em pandemia. Temos assistido a muitas queixas no Serviço Nacional de Saúde às queixas dos enfermeiros quanto à sobrecarga de trabalho, de que forma é que também tem estado atenta a esta realidade no Hospital de Santarém? Em articulação com o nosso enfermeiro chefe tentamos sempre dar respostas aos seus anseios. Penso que é uma classe que se encontra estável no hospital de Santarém. Temos gerido os nossos enfermeiros em função das urgências, indo buscar profissionais a serviços menos sobrecarregados. Por vezes os senhores enfermeiros não gostam tanto, porque estão mais habituados a trabalhar nas suas equipas, mas têm colaborado e trabalhado muito bem em conjunto. Em breve o hospital terá um novo diretor clínico, dado que o doutor Paulo Sintra se encontra demissionário. Sim é verdade. Esse é um facto que já é passado, temos de nos focar no futuro. O atual diretor clínico apresentou a renúncia do seu cargo. Termina o seu mandato no final deste ano. É sua intenção renovar o seu mandato à frente dos destinos deste hospital? O meu desejo é dar continuidade até final deste ano aos projetos que temos em curso, nomeadamente, o gabinete médico legal, sendo o distrito de Santarém o único que não dispõe de uma estrutura deste tipo. Iniciámos as obras em janeiro e contamos ter a obra pronta no final deste ano. Era uma das minhas ambições. De resto, este conselho de administração quer dar continuidade aos nossos projetos na senda da diferenciação do Hospital de Santarém e da satisfação dos nossos utentes, porque críticas haverá sempre. |
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