Sem quarentena nem testes
Sílvia Agostinho
06-05-2020 às 19:15
A Direção Geral de Saúde, no contexto da pandemia, indicou um conjunto de medidas com caráter obrigatório (orientação 009/2020) para as estruturas de lares de idosos no país. Assim sendo e de forma a reduzir os casos de infeção, todos os idosos que sejam admitidos têm de fazer o teste serológico de Covid-19 previamente. No caso de resultado negativo, e assim que derem ingresso no lar terão de cumprir uma quarentena obrigatória de 14 dias isolados dos restantes utentes, e de preferência sempre com o mesmo funcionário adstrito aos cuidados que esse idoso vai necessitar. O Valor Local entrou em contacto com alguns lares ou casas de acolhimento que se fazem anunciar nas diversas plataformas eletrónicas como aceitando idosos para saber até que ponto esta medida estava ou não a ser acautelada. Como são estruturas que funcionam clandestinamente neste tempo de Covid-19 a incúria acaba por continuar a ser palavra de ordem, e sobretudo quando estamos a falar da camada populacional mais vulnerável à doença.
Foi o que conseguimos apurar recorrendo a anúncios via net. Um dos contactos dizia respeito a uma casa de acolhimento, no concelho de Salvaterra, com capacidade para três utentes. Fomos informados que a mensalidade seria 800 euros mais 50 euros para aquisição de fraldas. Este é um valor que não anda longe do praticado em IPSS da região ou mesmo em lares privados em que a exigência no cumprimento das regras é mais apertada. Nesta casa de acolhimento do concelho de Salvaterra de Magos, a proprietária não fez especiais questões acerca da hipotética idosa referida pela nossa reportagem, nomeadamente, estado de saúde, morbilidades, grau de autonomia, e quando questionámos acerca da existência de constrangimentos em virtude do Covid-19, não apresentou dificuldades – “Não é preciso trazer nenhum papel do médico, basta-me a sua palavra de que a sua avó está bem”.
06-05-2020 às 19:15
A Direção Geral de Saúde, no contexto da pandemia, indicou um conjunto de medidas com caráter obrigatório (orientação 009/2020) para as estruturas de lares de idosos no país. Assim sendo e de forma a reduzir os casos de infeção, todos os idosos que sejam admitidos têm de fazer o teste serológico de Covid-19 previamente. No caso de resultado negativo, e assim que derem ingresso no lar terão de cumprir uma quarentena obrigatória de 14 dias isolados dos restantes utentes, e de preferência sempre com o mesmo funcionário adstrito aos cuidados que esse idoso vai necessitar. O Valor Local entrou em contacto com alguns lares ou casas de acolhimento que se fazem anunciar nas diversas plataformas eletrónicas como aceitando idosos para saber até que ponto esta medida estava ou não a ser acautelada. Como são estruturas que funcionam clandestinamente neste tempo de Covid-19 a incúria acaba por continuar a ser palavra de ordem, e sobretudo quando estamos a falar da camada populacional mais vulnerável à doença.
Foi o que conseguimos apurar recorrendo a anúncios via net. Um dos contactos dizia respeito a uma casa de acolhimento, no concelho de Salvaterra, com capacidade para três utentes. Fomos informados que a mensalidade seria 800 euros mais 50 euros para aquisição de fraldas. Este é um valor que não anda longe do praticado em IPSS da região ou mesmo em lares privados em que a exigência no cumprimento das regras é mais apertada. Nesta casa de acolhimento do concelho de Salvaterra de Magos, a proprietária não fez especiais questões acerca da hipotética idosa referida pela nossa reportagem, nomeadamente, estado de saúde, morbilidades, grau de autonomia, e quando questionámos acerca da existência de constrangimentos em virtude do Covid-19, não apresentou dificuldades – “Não é preciso trazer nenhum papel do médico, basta-me a sua palavra de que a sua avó está bem”.
(Clique no som para ouvir os lares /casas de acolhimento contactados pela nossa reportagem)
Ainda no concelho de Salvaterra de Magos, na freguesia de Marinhais, ligámos para outro número. Novamente, uma casa de acolhimento particular. A proprietária tem quatro utentes aos seus cuidados. O valor da mensalidade é de 600 euros, mas quando se fala em restrições devido ao Covid-19 só as coloca quanto a visitas e a conhecer a casa. Mas quanto ao ingresso da suposta avó nada de especial – “Se me dá a garantia, então não há problema. Está tudo bem”. Mas, novamente, sem direito a conhecer o lar. “Nesta altura envio fotografias”, garante. Basta deixar a idosa à porta, fazer o pagamento via transferência bancária, que depois a proprietária se encarregaria de acompanhar a idosa ao quarto reservado. “Deixe à porta que eu levo lá para dentro”, é assim que passa a descrever todo o cenário futuro. Com o decorrer da conversa lá vai dizendo que se os familiares fizerem mesmo questão de conhecer a sua casa que deixa entrar mas “com luvas, máscara e roupão”. Durante a pandemia diz que não tem saído do lar, nem tão pouco a empregada. Dormem nas instalações e garante que tem um médico e uma enfermeira com quem troca alguns conselhos sobre o Covid-19. É sabido que estas estruturas mantêm por vezes profissionais da área da saúde a prestar serviços, coniventes com a situação de ilegalidade e de funcionamento à margem da lei destes ditos lares.
Noutra casa de acolhimento, desta feita no concelho do Cartaxo, a mensalidade é de 700 euros. A proprietária procura saber um pouco mais do estado clínico da hipotética idosa para a qual procuramos uma vaga. Se tem ou não sintomas do Covid-19 bem como os familiares mais próximos. Garantimos que está tudo bem, e como tal não é preciso mais nada para recebermos luz verde. “Não é preciso ir ao médico até porque sabemos que nesta altura é complicado ter consultas”. A “nossa” avó ficaria, uma vez instalada nesta casa de acolhimento, num quarto com mais três utentes e claro está sem cumprir qualquer tipo de quarentena específica. “Não é preciso grande coisa. A nossa casa é familiar. Só temos quatro idosos a residir connosco. As empregadas também não têm sintomas”. A única salvaguarda são as visitas. Diz-nos a proprietária que nesta fase dá privilégio à vídeochamada, ou então, sugere-nos, que os familiares apareçam à entrada da casa e sempre dá para dizer um adeus ou um olá “mas tudo sem grandes contactos ou afetos”. “Tem de ser!”, desabafa.
Por último e de regresso ao concelho de Salvaterra de Magos, um dos municípios da região onde os lares ilegais são quase porta sim, porta não, é nos dito pela proprietária de uma casa de acolhimento de Marinhais que o valor da mensalidade é de 600 euros. Neste momento tem três idosos a residir com a família composta ainda por marido e filhos. Os utentes têm entre 87 e 92 anos. Quanto a exigências não faz muitas. “Se me garante que ela tem estado sempre em casa e não tem sintomas, por mim está tudo bem”. Esta proprietária sabe que o teste de Covid-19 é importante, e que é passado “pelos médicos de família”, mas no seu caso não faz questão. Procura antes saber qual o histórico de outras doenças para o caso “de existir alguma emergência, um dia, e ter de a levar para o hospital”. No caso desta casa de acolhimento, a nossa idosa ficaria num quarto com “mais uma menina”, ou seja outra utente. “Somos uma casa particular, e vivemos todos em família”, salienta.
Noutra casa de acolhimento, desta feita no concelho do Cartaxo, a mensalidade é de 700 euros. A proprietária procura saber um pouco mais do estado clínico da hipotética idosa para a qual procuramos uma vaga. Se tem ou não sintomas do Covid-19 bem como os familiares mais próximos. Garantimos que está tudo bem, e como tal não é preciso mais nada para recebermos luz verde. “Não é preciso ir ao médico até porque sabemos que nesta altura é complicado ter consultas”. A “nossa” avó ficaria, uma vez instalada nesta casa de acolhimento, num quarto com mais três utentes e claro está sem cumprir qualquer tipo de quarentena específica. “Não é preciso grande coisa. A nossa casa é familiar. Só temos quatro idosos a residir connosco. As empregadas também não têm sintomas”. A única salvaguarda são as visitas. Diz-nos a proprietária que nesta fase dá privilégio à vídeochamada, ou então, sugere-nos, que os familiares apareçam à entrada da casa e sempre dá para dizer um adeus ou um olá “mas tudo sem grandes contactos ou afetos”. “Tem de ser!”, desabafa.
Por último e de regresso ao concelho de Salvaterra de Magos, um dos municípios da região onde os lares ilegais são quase porta sim, porta não, é nos dito pela proprietária de uma casa de acolhimento de Marinhais que o valor da mensalidade é de 600 euros. Neste momento tem três idosos a residir com a família composta ainda por marido e filhos. Os utentes têm entre 87 e 92 anos. Quanto a exigências não faz muitas. “Se me garante que ela tem estado sempre em casa e não tem sintomas, por mim está tudo bem”. Esta proprietária sabe que o teste de Covid-19 é importante, e que é passado “pelos médicos de família”, mas no seu caso não faz questão. Procura antes saber qual o histórico de outras doenças para o caso “de existir alguma emergência, um dia, e ter de a levar para o hospital”. No caso desta casa de acolhimento, a nossa idosa ficaria num quarto com “mais uma menina”, ou seja outra utente. “Somos uma casa particular, e vivemos todos em família”, salienta.
Contactado pelo Valor Local, o presidente da Associação de Apoio Domiciliário de Lares e Casas de Repouso de Idosos (ALI), João Ferreira Almeida considera “inacreditável” o estado de coisas descrito pelo nosso jornal, mas confessa não se admirar tendo em conta o modus operandi destas casas que funcionam à margem da lei. João Ferreira Almeida considera que a lei e as recomendações da Direção Geral de Saúde, um pouco por todo o país, estão a ser acatadas, à exceção destas “casas clandestinas onde de facto tudo é possível”. Para o dirigente e face ao estado de coisas “é tudo uma questão de a Segurança Social querer atuar, mobilizar meios e recursos que em articulação com os bombeiros de cada concelho, não tem problemas nenhuns em saber quais são os lares ilegais e verificar de facto como é que andam a trabalhar no Covid 19”. O problema, salienta, “é que nesta altura se calhar ainda é mais difícil mobilizar meios para o terreno”.
A pandemia pode ter um efeito rastilho preocupante neste tipo de estruturas ilegais - "Temo que a situação, dentro de algum tempo, possa ficar muito feia". Mas também, salienta, que na sua perceção "ninguém se preocupa com essas casas (municípios, Segurança Social e a própria rede social) porque nada como ignorar um problema para não se tratar dele". João Ferreira de Almeida diz que os distritos de Santarém e de Setúbal são os mais emblemáticos no que respeita a este tipo de lares em todo o país. Segundo os últimos da Direção Geral de Saúde, ao dia de hoje, seis de maio, há 6349 casos de infeção por Covid-19 em indivíduos acima dos 70 anos. Já morreram 950 pessoas com mais de 70 anos no nosso país vítimas desta doença.