A EUROPA & OS CONSUMIDORES
Por Mário Frota,
presidente da Associação Portuguesa de Direito do Consumo
DADOS INCONTROVERSOS DE UMA EUROPA QUE, POR VEZES, NÃO É MODELO,
APESAR DA “PROPAGANDA” VEICULADA…
I
A POLÍTICA DOS CONSUMIDORES: UM CONTRIBUTO ESSENCIAL PARA A ESTRATÉGIA «EUROPA 2020»
“As despesas de consumo representam 56 % do PIB da UE, sendo essenciais para a consecução dos objectivos da estratégia «Europa 2020», a saber, um crescimento inteligente, inclusivo e sustentável. O incentivo da procura pode desempenhar um papel fundamental para a saída da UE da crise que perdura.
Para que tal seja possível, há que concretizar o potencial do mercado único.
Os dados disponíveis revelam que, para os consumidores que compram em linha na UE, a escolha dos produtos à sua disposição é 16 vezes superior, mas 60 % dos consumidores não utilizam ainda este canal de venda a retalho.
Esta relutância impede-os de beneficiar plenamente da variedade de escolha e das diferenças de preços no mercado único.
Melhorar a confiança dos consumidores nas compras além-fronteiras em linha através da adopção de medidas políticas adequadas pode constituir uma importante incentivo para o crescimento económico da Europa.
Consumidores confiantes e no pleno uso dos seus direitos podem dinamizar a economia europeia.”
II
EXCESSO DE INFORMAÇÃO = DÉFICIT DE INFORMAÇÃO?
O inquérito sobre a capacitação dos consumidores, publicado em 2011, revela que
. 1 (um) em 4 (quatro) consumidores europeus afirma sentir falta de confiança e
. cerca de 2 (dois) [rectius, mais do que 1 (um)] em 3 (três) consideram-se mal informados;
. apenas 2 % poderiam responder correctamente a perguntas sobre os seus direitos de [arrependimento ou desistência nos contratos que o prevêem], as garantias e a protecção de que dispõem contra as práticas comerciais desleais.
A notória carência de informação de banda dos consumidores prejudica a sua capacidade de defender os direitos que os textos na União Europeia e nos Estados-membros lhes reconhecem.
III
DIREITOS QUE, NA PRÁTICA, NÃO SÃO PLENAMENTE RESPEITADOS
Nos começos da década de 2010,
. cerca de 2 (dois) em 5 (cinco) cidadãos europeus tiveram problemas com um produto ou serviço, o que justificaria de todo a apresentação de queixa.
O total dos prejuízos sofridos pelos consumidores europeus ascendeu a cerca de 0,5 % do PIB da UE.
Apesar de um nível de protecção dos consumidores globalmente elevado garantido pela legislação da UE, os problemas com que se confrontam os consumidores ficam muitas vezes por resolver:
Em 2011, EUROBARÓMETRO registava:
. apenas 26 % dos retalhistas (comerciantes) conhecem o prazo exacto de devolução pelo consumidor de um “produto defeituoso”.
. muitos dos litígios de consumo ficam por resolver pelo simples facto de o consumidor não tomar qualquer iniciativa.
O inquérito sobre capacitação demonstra ainda que dos consumidores afectados por problemas:
. apenas 16 % recorreram a associações de consumidores ou a entidades públicas para a sua resolução (na maior parte dos casos, os consumidores nem sequer equacionam a hipótese de recorrer às vias judiciais se infrutífero se mostrar o contacto inicial com o estabelecimento, em especial se os montantes em causa forem de reduzido valor).
IV
RESTITUIR AO CONSUMIDOR DIREITOS QUE LHE FORAM VERGONHOSAMENTE SUBTRAÍDOS EM PORTUGAL
A LDC – Lei de Defesa do Consumidor -, dentre os direitos reconhecidos aos consumidores, estabelece na alínea g) do seu artigo 3.º – no particular do acesso aos tribunais – que
“o consumidor tem direito à protecção jurídica e a uma justiça acessível e pronta”.
E, ao concretizar, no artigo 14, o preceito, aí se definiu, ao tempo:
“a) o direito à isenção de preparos (taxa de justiça inicial) nos processos cujo valor seja igual ou inferior a 5 000€;
b) o direito à isenção de custas em caso de procedência parcial da respectiva acção.”
José Sócrates, em 2008, a 26 de Fevereiro (há já 8 anos…), pelo Decreto que fez baixar o Regulamento das Custas Judiciais, revogou tais dispositivos, “roubando” assim aos consumidores um direito, que era próprio, e que dificultou deveras desde então a vida aos consumidores ávidos de justiça.
Os consumidores, a partir desse momento, ao moverem acções ou a serem demandados nos tribunais judiciais, obrigam-se ao pagamento de taxas de justiça, em geral incomportáveis. E incomportáveis como forma de dificultar exactamente o acesso às vias de resolução dos litígios.
A justiça acessível desapareceu.
Agora até nos tribunais arbitrais de conflitos de consumo, mercê das dificuldades experimentadas, se paga, em geral, os serviços ali prestados, aliás, com excepções muito contadas...
Sucessivas diligências nossas de molde a repristinar na íntegra o artigo respectivo, ao longo das legislaturas anteriores, foram fadadas ao insucesso.
Portugal parece não ter intuído ainda a instante necessidade de conferir à política de consumidores foros de cidade.
E os poderes instituídos tratam, em geral, com soberano desprezo os consumidores.
Na Europa nem tudo são rosas, como se viu.
Entre nós, é tempo, é hora de tudo se alterar!
Para que os direitos sejam repostos! E a dignidade restituída os consumidores!
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