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Montejunto e o que ficou por fazer depois do grande fogo
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Nunca se falou tanto em fogos e como evitá-los ou minimizá-los. O incêndio de Pedrógão Grande onde 64 pessoas perderam a vida continua no topo da atualidade. O Montejunto também foi sacudido por um violento incêndio em 2003 e não está livre de que o mesmo possa vir a acontecer. Passados 14 anos, fomos conhecer a serra com um grupo de ambientalistas que nos mostram a radiografia da paisagem protegida e do muito que ainda há por fazer.

Texto: Sílvia Agostinho/Imagem: Nuno Filipe
 03 agosto de 2017
​Já foi há 14 anos, mas ainda se fala do incêndio de 2003 que atravessou mais de metade dos cinco mil hectares da Serra de Montejunto, e visto como uma das maiores catástrofes ambientais na região nos últimos anos. O antigo presidente da Câmara do Cadaval, Aristides Sécio, falava mesmo em calamidade. Tal como está a acontecer presentemente com Pedrógão Grande, por ali passaram naquela altura responsáveis políticos e representantes regionais de institutos e outros organismos do Estado. A palavra de ordem seria “reflorestação”, mas para a Associação para o Estudo e Defesa do Ambiente do concelho de Alenquer (Alambi) as esperanças acabaram mesmo por se afundar. A paisagem protegida e o seu plano de gestão é um documento que teima em sair da gaveta e na gestão tripartida daquele património entre a Câmara de Alenquer, a do Cadaval e o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas raramente se tem chegado a bom porto.

Numa visita guiada pela serra de Montejunto, a associação identifica as espécies que a existirem, num maior número, poderiam funcionar ainda mais ativamente no sentido de se evitar a propagação do fogo florestal, e assim afastar cada vez mais um cenário igual ao de 2003. Embora apenas dominada em parte pelo eucalipto, os ambientalistas que guiaram o Valor Local denunciam alguma prevaricação nos baldios com a plantação daquela árvore por particulares. Falta um plano e uma gestão mais profissionalizada no terreno que precisa de sair definitivamente dos gabinetes.
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O nosso passeio começa na denominada zona do Furadouro recortada por uma estradinha onde algumas espécies autóctones ou nativas vão preenchendo uma paisagem generosa. A mãe natureza fez o seu trabalho depois de 2003, e poucas são atualmente as marcas desse fogo, mas Francisco Henriques refere que se perderam caminhos que davam acesso a grutas, formações sempre na mira dos exploradores caseiros. Ladeiam-nos os carrascos, os medronheiros, os loureiros, e os espinheiros alvares que pela sua natureza criam uma resistência aos incêndios. 
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​No incêndio de 2003, a serra era preenchida por pinheiros mansos mandados plantar nas décadas de 30 e 40 do século passado que não voltaram a regenerar-se. Foi um património que se perdeu. Já na zona dominada pelo pinheiro de alepo que confina com Cabanas de Torres, essa regeneração aconteceu e foi bem sucedida, apesar de não ser uma espécie nativa da serra. “É mediterrânica mas adaptou-se bem a esta zona calcária”. “Passados cinco anos de um fogo têm essa capacidade”; acrescenta a vice-presidente da Alambi, Isabel Graça. “O mesmo acontece com os carvalhos”, acrescenta Francisco Henriques, e o biólogo João Morais apresenta o carvalho cerquinho fruto dessa regeneração que a serra teve de enfrentar. “Tem solo para isso, e quando não é perturbado expande-se muito bem”, diz Francisco Henriques. A profusão deste tipo de vegetação pode funcionar como uma barreira sempre que acontecem incêndios, de que o melhor exemplo é a Arrábida, “onde a regeneração começa de imediato”, diz por seu turno João Morais do Fundo para a Proteção dos Animais Selvagens (FAPAS). A nova invasão da serra pelos matos mediterrânicos pós 2003 podia, contudo, ter sido mais positiva se acontecesse o necessário desbaste – “Como se apresenta hoje, em parte, não interessa a ninguém, demasiado densa e com características invasoras”, dá conta Isabel Graça.
Francisco Henriques descreve os efeitos do fogo e a vegetação que hoje domina parte da serra (clique na imagem para assistir ao vídeo)
​A ambientalista tem uma opinião muito vincada sobre o caso de Pedrógão Grande – “Tudo o que ardeu é propriedade privada, é importante que não nos esqueçamos disso”. Por outro lado “a culpa dos incêndios não é das indústrias que assentam a sua base na exploração do eucalipto que normalmente são obrigadas a fazer replantações e a ter uma gestão rigorosa no âmbito de certificados de sustentabilidade. Há uma exploração na Chamusca que foi obrigada a plantar montado de sobro em dobro do que extraiu em eucalipto”. No caso do Montejunto, a maioria dos terrenos baseia-se em baldios complementados com casas florestais desativadas nos últimos anos. Dois baldios na zona do Cadaval ainda são geridos por populares. “Não nego nem afirmo que tenha havido pedidos para eucaliptos por parte desses baldios”, acredita Isabel Graça. Mas para a ambientalista as notícias sobre os eucaliptos não deixam de ter o seu quê de exageradas até porque no caso da serra não têm relevante valor comercial. “O preço há muito que não sobe à porta de fábrica. Para estes produtores não compensaria. As indústrias procuram árvores destas mas em melhores condições, não como se apresentam nesta serra”.
Isabel Graça analisa o caso de Pedrógão Grande e a proliferação dos eucaliptais (clique na imagem para assistir ao vídeo)
Mas Francisco Henriques tem uma opinião diferente – “Acho que os eucaliptos têm importância e na minha opinião impediram o avanço do plano de ordenamento do Montejunto”. “Eu acho que não! Tem mais a ver com o lobby das eólicas”, contrapõe Isabel Graça. (Nos primeiros anos da década passada avançou-se com essa possibilidade que acabou por não ir para a frente). “O plano de ordenamento proibia expressamente a plantação de eucaliptos. Aliás no caso do concelho do Cadaval não se pode plantar nem mais um”, argumenta Henriques. O esgrimir de posições continua –  “As celuloses querem eucaliptos que por ano cresçam 12m3 e aqui não se consegue ir além dos 2m3. Os proprietários não ganhariam mais do que tuta e meia”, assegura a colega de Henriques.
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Um pouco mais acima, em direção ao topo da serra, a comitiva parou para ver as zelhas, uma árvore que tem um efeito protetor (também ela) em relação aos incêndios. João Morais esclareceu-nos que se trata de uma espécie rara em Portugal, e por isso o Montejunto tem muita sorte em a ter no seu “portfolio”. A sombra é agradável, e fresca. “São raríssimas as matas de zelhas no país, e com esta densidade não se verifica, talvez na Arrábida”, considerada por este biólogo uma das paisagens melhor preparadas para um incêndio, mas que ao contrário do Montejunto foi alvo de um plano de ordenamento.
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É tempo agora de seguir até mais um bosque limítrofe, onde as silvas fazem as honras da casa, e Isabel Graça não resiste e brinca com o nome da jornalista – “Está no seu elemento, se é Sílvia, aqui está ao pé das silvas e da floresta”. É apresentada à nossa reportagem uma euroforbiácea, descrita por João Morais como “o nosso petróleo verde rica em compostos semelhantes ao petróleo e com capacidade para produzir energia”. Nesta altura do nosso périplo, João Morais teve de nos abandonar, mas deixou registada a ideia de que há que continuar a sensibilizar as pessoas, nomeadamente, as que vivem mais perto da serra, e a replantação é também uma das ações da FAPAS nesta paisagem. Todos os anos plantam-se carvalhos cerquinhos, “porque não tenha dúvidas de que mais cedo ou mais tarde haverá um novo fogo”. Quanto às espécies animais “estão bem e recomendam-se”. Algumas foram-se extinguindo ao longo das décadas, mas hoje em dia nada de especial há a assinalar. Os javalis, considerada uma praga, por muitos, também andam pela serra, “mas não interferem com a agricultura nem com a botânica. Dizia-se há uns anos que davam cabo das orquídeas mas não é verdade”. Em termos “de aves de rapina a fauna aqui já foi mais interessante, mas ainda há diversidade. Ainda aparecem alguns bufos reais”. Os morcegos que levaram a que a paisagem passasse a integrar a Rede Natura são outra das coqueluches da paisagem.

​Nos últimos dois anos, a Câmara de Alenquer e a do Cadaval criaram uma associação para facilitar a realização conjunta de atividades na serra de Montejunto, integrada em território dos dois concelhos vizinhos, que podem ou não passar pela paisagem protegida. Francisco Henriques considera que os objetivos que levaram o Montejunto a ser considerado como paisagem protegida andam a ficar um pouco esquecidos – “Tem-se investido mais em sinalética do que no que seria mesmo necessário. Já o Conselho Consultivo da Paisagem Protegida foi criado há 18 anos e apenas se reuniu duas vezes”. “Normalmente chamam-nos da Proteção Civil para dar o aval ao plano de proteção florestal na altura dos incêndios, mas que não é específico para a serra”. Já quanto à associação Isabel Graça não conhece ações significativas levadas a efeito, esperando que a Alambi possa ser contactada quando existirem projetos para a Serra. “Para já não conheço nada”. E dá conta do dispositivo que existia em espaços como o da serra quando os guardas florestais eram uma realidade e os fogos conseguiam ser extintos nos primeiros minutos em que deflagravam. Se ainda por lá andassem, e detetado o fogo a tempo no bosque em causa talvez se pudesse evitar o pior. Mas hoje apenas há um vigia na serra, mesmo de verão, algo incompreensível para estes ambientalistas e que de pouco servirá no caso de catástrofe.

Ambientalista dá conta da sua experiência quando havia um primeiro combate pelos guardas florestais (clique na imagem para assistir ao vídeo)
​Francisco Henriques recorda mais uma vez o atribulado processo do plano de gestão da serra que já devia estar pronto em 2002. Foi feita uma nova tentativa em 2004 por um técnico do ICNF, “do qual nada conhecemos e que não terá ido muito longe”. Uma medida que seria natural de aplicar conheceu novo soluço em 2007 quando se encomendou um plano de gestão a uma empresa privada, “que é conhecido por nós mas que morreu na praia quando o Governo Sócrates caiu. Estava em cima da secretária do secretário de Estado do Ambiente. Não foi promulgado”. Mais tarde e em novas reuniões, fez-se tábua rasa daquele documento que já estava completo, e nesta altura trabalha-se já num novo instrumento “muito mais básico em que não se vai tão longe como desejável na caracterização da serra como o anterior”. Esse trabalho que ficou para trás encomendado a um privado não está a ser aproveitado, dando a ideia de que dificilmente se conseguirá chegar a bom porto neste fatídico dossier.
Nesta altura, a nossa reportagem chega ao último ponto de paragem na descoberta pelas veredas da serra. Estamos nas Fontaínhas onde um bosque de acácias, as famigeradas amigas do fogo, nos dão as boas vindas. São o pesadelo de qualquer ambientalista. Estão ao lado de uma antiga casa de um guarda-florestal. 
O poder das acácias e de que forma influenciam os incêndios aqui explicado pelos ambentalistas (clique na imagem para assistir ao vídeo)
​A extinção dos serviços florestais não tem dúvidas, a Alambi, que significou um retrocesso de décadas na gestão da serra. “Há que existir um plano com princípio meio e fim, em que a gestão se encontre bem esquematizada, bem como as questões da vigilância. No fundo as necessidades desta serra. Sobre o que plantar, onde plantar e como. Cuidar da serra não se pode traduzir em meia dúzia de ações avulsas por parte dos ambientalistas que, algumas vezes, por ano metem as pás no terreno e colocam mais umas árvores na floresta”. “Temos de ir além das ações levadas a cabo, entre outras, pela Alambi, pela Quercus, pela FAPAS, pelo Centro de Recuperação de Animais Selvagens do Montejunto, com sede no Vilar, ou do Espeleo Clube de Torres Vedras”, define Francisco Henriques.


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