Municípios à beira de um ataque de nervos com prazos do Governo para limpeza de terrenosCâmaras não negam que tarefa é gigantesca e praticamente impossível dada a escassez de tempo
Sílvia Agostinho
06-02-2018 às 10:29 O Governo determinou que até dia 15 de março os privados procedam à limpeza dos seus terrenos. Se tal não for efetuado terão de ser as autarquias a assumir essa responsabilidade, onde a limpeza das faixas de combustível não se concretizou, dispondo para o efeito até final de maio para que tal aconteça. Caso contrário já foi deixado o aviso de que as autarquias poderão sofrer um corte de 20 por cento do duodécimo das transferências correspondentes ao Fundo de Equilíbrio Financeiro. O presidente da Associação Nacional de Municípios, o socialista Manuel Machado, afirmou que a medida nos termos em que é apresentada consiste numa “ofensa ao poder local” e que não é razoável o tempo proposto. Ouvimos alguns dos municípios da região sobre esta medida e a forma como se estão a adaptar à urgência exigida.
No caso do concelho de Alenquer, um dos mais extensos, esta Câmara, considera que as dificuldades nesta matéria afiguram-se numa primeira aceção como flagrantes. As áreas a intervir são extensas, “pelo que mesmo que ocorra uma adesão significativa dos proprietários, e do município em sua substituição, será impossível implantar no terreno todas as faixas de gestão combustível previstas no Plano Municipal de Defesa da Floresta contra Incêndios de Alenquer”. Esta autarquia e face aos prazos procederá à afixação de editais no sentido de informar os proprietários face às necessidades em causa. As ações de fiscalização por parte do município e da GNR estarão no terreno após 15 de março. A afixação de informação está também a ser levada a cabo pelo município de Salvaterra de Magos que explicita que optou pela distribuição de editais nos locais próprios e habituais para o efeito, bem como no seu site na internet. No âmbito do Gabinete Técnico Florestal Intermunicipal (GTFI) - Benavente, Coruche e Salvaterra de Magos, em conjunto com o Serviço Municipal de Proteção Civil de Salvaterra de Magos está a ser ainda preparado um flyer sobre esta matéria para ser distribuído com a fatura da água e saneamento e também a distribuição de cartazes em pontos estratégicos do concelho. A informação que estes dois elementos (flyer e cartazes) contem inclui ainda a forma como se executa a gestão de combustível na respetiva faixa. No município de Azambuja, o trabalho de campo de contacto com os proprietários começou em 2017, pelo que a autarquia esclarece que ao longo do ano passado, enviou notificações aos proprietários, mas esta tarefa “tem sido dificultada devido à desatualização do cadastro”, o que leva a que muitas delas não consigam chegar aos destinatários. “Podemos dizer que dos 141 proprietários formalmente notificados cerca de 50 por cento nem receberam a carta registada. Pela positiva, 20 por cento dos proprietários efetuaram as limpezas de que foram notificados. Os restantes têm processos a decorrer, na sequência das ações de fiscalização realizadas pela Câmara”. De referir que esta fiscalização tem tido maior incidência nas áreas identificadas no Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios como as de maior perigo. Pese embora já se encontrar no terreno esta ação de fiscalização e contacto com os proprietários, este município considera que o tempo para fazer cumprir a lei em causa é muito reduzido, e especifica: “Nos casos em que o município tenha de assumir esses trabalhos de limpeza, mesmo havendo disponibilidade financeira, há regras a cumprir na contratação pública de prestações de serviços que levam o seu tempo” já para não falar de uma orografia complexa com uma área florestal muito significativa de pequenas parcelas, e de um tipo de trabalhos demorado e de grande dimensão. No concelho do Cartaxo, a notificação dos proprietários já começou, mas à semelhança dos restantes, este município não esconde que estamos perante uma tarefa hercúlea para o espaço temporal. Em 2017 a Câmara enviou mais de 350 notificações, destas apenas cerca de 60 estão hoje por resolver, “quase todas por desatualização do cadastro” o que desemboca em notificações imprecisas e repetição de processos. A este estado de coisas não ajuda a ocupação territorial do concelho: com uma área rural muito extensa, com habitações e muitas construções de apoio com armazéns para produtos agrícolas ou máquinas, e dentro dessas áreas temos áreas mistas nas quais o rural e o urbano se conjugam, obrigando por isso a uma fiscalização, sensibilização e intervenção maiores. No cômputo geral destes quatro municípios, os cadastros desatualizados, com as dificuldades acrescidas na identificação dos proprietários, resultante da desatualização das cadernetas prediais rústicas e da inexistência de comunicação, muitas vezes, entre a Autoridade Tributária e a Conservatória do Registo Predial; o abandono dos terrenos agrícolas, a falta de meios humanos e materiais de algumas das autarquias para realizar este trabalho em tão pouco tempo são os principais contratempos nesta tarefa demasiado gigantesca. Os pressupostos desta medida governamental inscrita em Orçamento de Estado estão a deixar os municípios à beira de um ataque de nervos. A Câmara de Salvaterra não poupa o Governo nas suas palavras: “Os municípios não foram sequer ouvidos, quanto mais escutados. O que o Governo e a Presidência da República fizeram é, do ponto de vista da solidariedade e da lealdade entre a administração central e local, inqualificável”. Para esta autarquia, o Governo e o legislador “empurraram para os autarcas aquilo que nunca foi capaz de levar por diante, apesar de dirigir o ICNF, as polícias, o Ministério da Agricultura e os demais intervenientes da floresta”. “A administração central, que durante décadas não fez, quer que os municípios o façam em semanas”, atira o presidente da autarquia, Hélder Esménio. “É ridículo, é uma deslealdade institucional sem precedentes e visa apenas alijar as suas responsabilidades de ocorrências futuras”, conclui.
O presidente da Câmara do Cartaxo, Pedro Ribeiro, também espera ver maior clarificação desta matéria até porque os municípios foram pouco envolvidos principalmente quando se impõe uma medida de corte de financiamento - “Se os municípios não tiverem condições para cumprir os apertados prazos em questão, em nada acresce, para a solução do problema – a limpeza de faixas de combustível –, as severas sanções a que estão sujeitos, como é o caso do corte de 20 por cento das transferências correspondentes ao Fundo de Equilíbrio Financeiro, no mês seguinte”. Também Luís de Sousa, presidente da Câmara de Azambuja, refere que o seu município não foi consultado por nenhuma via em relação a este assunto, reforçando que o quadro em causa se traduz numa “situação muitíssimo complicada” tendo em conta os prazos tão curtos. O presidente da Câmara de Alenquer, Pedro Folgado, não esconde que os municípios podem não ter sido ouvidos ou relevados o suficiente mas sobretudo será importante concertar medidas e implementá-las entre os especialistas e os interessados nas problemáticas do território, floresta e defesa das populações. ComentáriosSeja o primeiro a comentar...
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