Museu do Neo-Realismo apresenta fragmentos da vida portuguesa em “Representações de um Povo”
Patente até abril do ano que vem, contou com a colaboração de vários comissários que escolheram figuras ou episódios da história do país
|16 Jun 2021 10:14
Sílvia Agostinho O Museu do Neo-Realismo em Vila Franca de Xira abriu portas para a exposição de longa duração, “Representações de um Povo” que vai estar patente até 10 de abril do próximo ano. Seis artistas retrataram o povo português em épocas passadas em contextos de trabalho, de luta, sobrevivência e morte. Esta exposição está patente no piso 2 do museu, que contou com a colaboração de seis comissários: Carlos Silveira; Pedro Bebiano Braga, João Serra, Laura Castro, Joana Baião, e Raquel Henriques da Silva, diretora do museu e que assumiu a coordenação desta exposição.
Numa visita guiada, Raquel Henriques da Silva começa por nos dar a conhecer que alguns dos acontecimentos retratados já se situam fora do período temporal do neo- realismo, movimento que se desenrolou nas suas várias vertentes artísticas entre as décadas de 30 a 50 do século passado. “No fundo quisemos colocar o neo-realismo em contexto”. “Ao povo alentejano” de Jorge Pinheiro, nascido em 1930, com reminiscências que fazem lembrar “para quem for mais religioso um cristo morto” é o primeiro ponto de paragem. A tela mostra um corpo humano deitado com um pano vermelho sobre a face. Tem como contexto a devolução das terras da reforma agrária, o que no “Alentejo significa o fim da Revolução de Abril”. Neste cenário e em clima de grande tensão houve dois mortos num acontecimento registado a 27 de setembro de 1979. Acompanham a exposição, fotografias de Mário Marnoto que fotografou o acontecimento. Estava no local onde ocorreu aquele acontecimento fatídico. “Demorou uns meses, mas consegui encontrá-lo”, refere a diretora do museu. Jorge Pinheiro que estava “em Paris decidiu que tinha de fazer alguma coisa com base neste conceito de região mártir”. De 1813, temos uma das gravuras que mais emociona a diretora do museu “A sopa de Arroios”, de 1813 que retrata a fuga das populações fustigadas pelas invasões napoleónicas. Muitas mulheres e crianças acabaram por vir para este ponto de encontro que foi a zona do Arco de Arroios em Lisboa. No fundo era “um campo de refugiados”. Os acontecimentos reportam a 1810 mas são representados três anos mais tarde por Domingos Sequeira (1768-1837). Morador em Arroios, uma das principais entradas da capital à época, “Sequeira viu no assunto um tema poderoso”, que foi “a última grande invasão francesa”. “Numa altura em que Lisboa ainda tinha portas, foram abertas para receber os camponeses dos arredores”. “Este é um trabalho absolutamente brilhante. Acompanham esta obra vários elementos, um deles um filme que retrata este acontecimento histórico das invasões. O Zé Povinho, personagem anacrónica, criação de Rafael Bordalo Pinheiro é um tema incontornável para a exposição “Representações de um Povo”. Nascido em 1846 e falecido em 1905, deixou uma marca “por ter sido dos mais inovadores nesta transição de século”. Caricaturista e ilustrador “de excelência” criou aquela personagem que nunca mais saiu do imaginário popular. “Esmiuçador da vida política e social da época com uma crítica satírica edita uma série de jornais centrada numa das suas criações mais potentes, a do Zé Povinho (1870)”.
A personagem descrita pelo seu autor: “Era alguém que se punha a dormir, mas depois dava uns tiros para o ar para voltar a dormir”. A figura do Zé Povinho “à época e hoje é vista como muito ambivalente. Há quem considere que faz uma caricatura muito negativa do povo português, mas eu não considero.” Ramalho Ortigão (1836-1915) já o descrevia – “Brinca, brincando esta figura tem hoje perto 50 anos. É o Zé Povinho. Um dia virá em que talvez mude de figura e também de nome e se passe chamar simplesmente de Povo”. Porque “‘povinho’ pode ser depreciativo mas também carinhoso, é muito rico do ponto de vista semiológico e ambivalente como é esta personagem, com a sua popularidade e a sua rebeldia mansa”. Do núcleo desta exposição, temos a obra de Augusto Gomes (1910-1976), com a representação de uma família de pescadores numa pintura a preto e branco: pai, mãe e dois filhos, que foi realizada para homenagear o naufrágio de pescadores de Matosinhos ocorrido em dois de dezembro de 1947, no qual faleceram 152 pessoas. “Tem como o primeiro quadro que vimos uma forte ressonância religiosa, assemelhando-se à sagrada família, evoca também a resignação, a pobreza, o abandono, mas o pai na sua expressão, também a força”. Indissociável desta exposição - o universo da pesca no meio do século passado (em plena época do neo-realismo) com fotografias não só da faina, mas de mulheres e a sua desgraça e sofrimento perante as adversidades do mar e a espera dos maridos.
O inevitável quadro do trabalho infantil não podia deixar de ser uma presença face à realidade desta carga que dominou gerações até há escassas décadas. Para isso foi escolhido o fabrico do vidro na Marinha Grande. Em 1945, Teresa Arriaga (1915-2013), pintora neo-realista, e conhecida antifascista que foi ensinar desenho para a Escola Industrial da Marinha Grande, onde “ao mesmo tempo que dá aulas produz um conjunto notabilíssimo de desenhos da expressão desses meninos a grafite com recurso ao carvão porque ficou muito impressionada” com o fenómeno de crianças com sete ou oito anos que já trabalhavam. “Elos mais fracos de uma cadeia inexorável de exploração”. Raquel Henriques da Silva gostaria de “rever algumas das crianças retratadas que hoje serão idosos”. O semblante à época já mostrava uma dureza e um entendimento adulto do seu destino. A exposição termina em Trás-os-Montes com o trabalho da segunda artista viva de “Representações de um Povo” de Graça Morais, nascida em 1948, com “Marias”, com pinturas das mulheres transfiguradas de Graça Morais num retrato da condição humana da sua aldeia no distrito de Bragança. São estes os retratos escolhidos para esta exposição de longa duração, mas matéria-prima há muita e na cabeça da diretora do museu há pelo menos 15, a que se juntam mais uns tantos que lhe têm sido sugeridos por intelectuais da cena artística. “Alguns núcleos serão substituídos, tocando no neo-realismo mas daqui para a frente ou para trás. Ainda tenho artistas contemporâneos vivos. Prefiro exposições que não sejam muito fatigantes numa lógica de ir mudando algumas das representações e que concentrem informação”, elucida Raquel Henriques da Silva. As visitas guiadas desta exposição realizam-se às sextas-feiras. Manuela Ralha, vereadora da Cultura no município, enfatiza que a exposição “está a despertar enorme interesse quer junto da comunidade ligada à História de Arte quer do público em geral”, e que ajuda a compreender “o nosso percurso enquanto povo e enquanto país”. Museu é fonte inesgotável de pesquisa por parte da academia estrangeira, mas menos da portuguesa Quase a completar 14 anos de existência o Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, conseguiu atingir uma centralidade no mundo académico europeu com muito do seu acervo a ser consultado por especialistas diversos. Segundo Manuela Ralha “o preconceito ideológico” ainda vai perdurando no país, em que os académicos reduzem este movimento ao “comunismo”, embora “nem todos os neo-realistas tenham sido militantes do PCP”. Lá fora há quem se dedique ao estudo do Neo-Realismo português, desde o caso de um académico italiano que escreveu sobre Soeiro Pereira Gomes, porque “os italianos também tiveram uma espécie de Neo-Realismo, com um peso mais cultural enquanto cá era visto como um movimento político e contra o poder, talvez por essa carga ideológica tenha sido mais desprezado. O Neo-Realismo é muito mais do que um braço da teoria marxista”, diz. “Esta semana vai acontecer uma conferência em Zurique sobre Carlos Oliveira, por exemplo”, dá a conhecer a vereadora. O Neo-Realismo “estuda antes de mais o povo, as suas condições de vida, o homem pelo homem e trabalha no sentido do reconhecimento dos direitos humanos”. Deixe a sua Opinião sobre este Artigo
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