O Apelo da Solidariedade
São histórias de pessoas extraordinárias para quem a palavra Solidariedade é uma forma de estar na vida. Há anos que se dedicam a causas diversas, e não existe cansaço em continuar a ajudar o outro. Fomos descobri-las.
Sílvia Agostinho
03-03-2017 às 23:47
São histórias de pessoas extraordinárias para quem a palavra Solidariedade é uma forma de estar na vida. Há anos que se dedicam a causas diversas, e não existe cansaço em continuar a ajudar o outro. Fomos descobri-las.
Sílvia Agostinho
03-03-2017 às 23:47

Lurdes Assunção, de Vila Franca de Xira, está à frente da Liga dos Amigos do Hospital de Vila Franca de Xira mais conhecido por batas amarelas, e que consiste num grupo de voluntárias que de segunda a sexta funcionam como um ponto de apoio e de obtenção de informação aos doentes e às visitas que todos os dias se deslocam em grande número àquela unidade hospitalar. Depois de também ter tido um problema de saúde, sentiu o chamamento do voluntariado já lá vão muitos anos. Quase todos os dias está no hospital de Vila Franca, e uma vez por semana cumpre o mesmo tipo de função no Instituto Oncológico Português. Há 32 anos que é voluntária na Liga Portuguesa contra o Cancro.
No antigo Hospital Reynaldo dos Santos, começou a criar um pequeno grupo de voluntárias, que foi bem acolhido pelos antigos diretores que acharam que podia ser uma boa ideia. Começou-se com “nove senhoras que fui chamar a suas casas, passo a expressão, e assim foi”. Quando surgiram há 25 anos atrás no hospital foi algo que despertou curiosidade, mas sobretudo “suscitou confusão junto de outros funcionários do hospital”. “As auxiliares ficaram com medo que lhes retirássemos o lugar, de tal maneira que engolimos muitos sapos, ouvimos muitas bocas, mas progressivamente foram compreendendo o nosso trabalho”, explica, suscitando – “Com certeza que teriam capacidade para fazer o que nós fazemos, mas tendo em conta outros afazeres do seu trabalho, teriam à posteriori menos tempo para o doente”. Hoje a desconfiança dissipou-se “e percebem a importância do nosso trabalho”.
No início, o grupo apenas desempenhava a função de guias e de encaminhamento para as diferentes valências, mas atualmente prestam ainda o simpático serviço de disponibilização de um pequeno lanche a quem o desejar: café com leite, chá, bolachas, sandes, através de um carrinho que vai percorrendo as salas de espera e nalguns casos o internamento. Para esta voluntária como para outras do hospital a sensação de ouvir um “Obrigado” ou um: “Se não fossem aquelas senhoras da bata amarela” vale por todos os esforços e horas dispensados ao voluntariado. Por outro lado, o grupo tem sido bem recebido na nova ala de psiquiatria no hospital, onde o apoio emocional que consegue dispensar aos doentes tem sido importante. Esta valência tem 22 camas, e tratando-se de um novo serviço tem levado à reflexão sobre as questões da saúde mental. Lurdes Assunção refere que as depressões e a bipolaridade são o motivo de muitos desses internamentos. “O nosso grupo organiza sempre uma festinha para eles no Natal”. Fátima Nunes, também voluntária do grupo, junta-se à conversa e refere que aqueles doentes “precisam muito mais de conversar do que os outros internados”.
Diz Lurdes Assunção que a larga maioria dos que se deslocam ao hospital prima pela simpatia, “mas de vez em quando lá vem um ou outro mais antipático, que nos trata com desdém, muitas vezes porque não sabe qual a nossa função”. Já quanto a quem chega de novo para prestar o serviço de voluntariado neste hospital, recebe acompanhamento durante os primeiros dias por parte de uma colega das batas amarelas para se ir ambientando ao espaço.
Os novos voluntários que chegam devem estar de alma e de coração na tarefa mas há quem se aproveite da Liga dos Amigos do Hospital de Vila Franca de Xira para conseguir, após uns dias nas batas amarelas, uma vaga de emprego como auxiliar na unidade de saúde em causa, e nessas alturas “perde-se o espírito de voluntariado”. Quem deseje fazer parte do grupo, tem de preencher um questionário, e normalmente há quem seja logo direto. “Houve um senhor que disse que queria perceber mais de higiene e segurança no trabalho, ou seja queria servir-se”.
Tendo em conta a mudança para o hospital novo, refere que “muitos criticam, mas regra geral as pessoas ficaram contentes, e valorizam o novo espaço”.
No antigo Hospital Reynaldo dos Santos, começou a criar um pequeno grupo de voluntárias, que foi bem acolhido pelos antigos diretores que acharam que podia ser uma boa ideia. Começou-se com “nove senhoras que fui chamar a suas casas, passo a expressão, e assim foi”. Quando surgiram há 25 anos atrás no hospital foi algo que despertou curiosidade, mas sobretudo “suscitou confusão junto de outros funcionários do hospital”. “As auxiliares ficaram com medo que lhes retirássemos o lugar, de tal maneira que engolimos muitos sapos, ouvimos muitas bocas, mas progressivamente foram compreendendo o nosso trabalho”, explica, suscitando – “Com certeza que teriam capacidade para fazer o que nós fazemos, mas tendo em conta outros afazeres do seu trabalho, teriam à posteriori menos tempo para o doente”. Hoje a desconfiança dissipou-se “e percebem a importância do nosso trabalho”.
No início, o grupo apenas desempenhava a função de guias e de encaminhamento para as diferentes valências, mas atualmente prestam ainda o simpático serviço de disponibilização de um pequeno lanche a quem o desejar: café com leite, chá, bolachas, sandes, através de um carrinho que vai percorrendo as salas de espera e nalguns casos o internamento. Para esta voluntária como para outras do hospital a sensação de ouvir um “Obrigado” ou um: “Se não fossem aquelas senhoras da bata amarela” vale por todos os esforços e horas dispensados ao voluntariado. Por outro lado, o grupo tem sido bem recebido na nova ala de psiquiatria no hospital, onde o apoio emocional que consegue dispensar aos doentes tem sido importante. Esta valência tem 22 camas, e tratando-se de um novo serviço tem levado à reflexão sobre as questões da saúde mental. Lurdes Assunção refere que as depressões e a bipolaridade são o motivo de muitos desses internamentos. “O nosso grupo organiza sempre uma festinha para eles no Natal”. Fátima Nunes, também voluntária do grupo, junta-se à conversa e refere que aqueles doentes “precisam muito mais de conversar do que os outros internados”.
Diz Lurdes Assunção que a larga maioria dos que se deslocam ao hospital prima pela simpatia, “mas de vez em quando lá vem um ou outro mais antipático, que nos trata com desdém, muitas vezes porque não sabe qual a nossa função”. Já quanto a quem chega de novo para prestar o serviço de voluntariado neste hospital, recebe acompanhamento durante os primeiros dias por parte de uma colega das batas amarelas para se ir ambientando ao espaço.
Os novos voluntários que chegam devem estar de alma e de coração na tarefa mas há quem se aproveite da Liga dos Amigos do Hospital de Vila Franca de Xira para conseguir, após uns dias nas batas amarelas, uma vaga de emprego como auxiliar na unidade de saúde em causa, e nessas alturas “perde-se o espírito de voluntariado”. Quem deseje fazer parte do grupo, tem de preencher um questionário, e normalmente há quem seja logo direto. “Houve um senhor que disse que queria perceber mais de higiene e segurança no trabalho, ou seja queria servir-se”.
Tendo em conta a mudança para o hospital novo, refere que “muitos criticam, mas regra geral as pessoas ficaram contentes, e valorizam o novo espaço”.
Histórias de doentes que a sensibilizaram tem algumas, mas na sua memória ficam especialmente as que experienciou no IPO e com as crianças internadas. “Bastante marcantes”, refere. “Lembro-me de uma menina que lá estava, que quando foi à capela daquele hospital e viu o padre a dar a hóstia, disse que também queria uma pastilha”, descreve. Ângela de seu nome, sobreviveu à doença. Lurdes Assunção recorda que era “uma malandra de quatro ou cinco anos porque tinha um cancro num olho, e tirava a prótese escondendo-a. As enfermeiras andavam à procura desesperadas”. De resto, o ambiente no local “é sempre demasiado frágil e de grande sofrimento”.
Regressando ao hospital de Vila Franca estão neste momento cerca de 30 voluntárias, mas chegaram a ser 70. Para Lurdes Assunção, há regras que têm de ser cumpridas, e algumas pessoas “demonstram dificuldades em acatar”. “No antigo hospital havia muita confusão, e rebaldaria, sobre quem podia estar em determinado espaço ou não. Mas no novo hospital as regras são mais apertadas, e temos de acatar ordens superiores quanto a essa matéria”. Por outro lado, é explicado aos voluntários que “não usufruem de benesses”, o que em parte pode explicar o decréscimo no número de voluntários. “Dizem que tenho mau feitio, mas tem de haver regras”, alude.
A relação com a administração “é excelente”. Este grupo recebe um apoio mensal de 800 euros para colmatar o facto de neste hospital já não poderem explorar uma pequena cafetaria como acontecia no antigo. Essas verbas bem como outras que angariam através de vendas de doces na Feira de Outubro, quotizações, e cabazes de natal são reinvestidas na aquisição de bens alimentares para os doentes com carências económicas quando recebem alta, ou na compra de material ortopédico. Recentemente foram dadas por estas voluntárias umas botas ortopédicas a uma menina da Guiné que custaram 200 euros.
O drama dos doentes abandonados nos hospitais é uma realidade um pouco escondida mas que começa a ser falada. Lurdes Assunção e a sua colega referem que também na unidade de Vila Franca isso acontece sobretudo com idosos. “No inverno abrem uma ala especial para essas pessoas cujos familiares não os vêm buscar, ficando a aguardar pela intervenção da Segurança Social”. Quando se vão embora “choram mas outros estão demasiado debilitados para isso”. Lurdes Assunção recorda que durante os sete anos em que fez voluntariado no Hospital de São José era sintomática a chegada de idosos às urgências à sexta, principalmente no verão, acompanhados dos familiares. “Passadas poucas horas iam-se embora, deixavam um número de telefone. Durante o fim-de-semana ninguém atendia, ou seja era falso. Esses familiares só regressavam na segunda-feira. Sinal de que queriam estar à vontade sem incómodos.”
Regressando ao hospital de Vila Franca estão neste momento cerca de 30 voluntárias, mas chegaram a ser 70. Para Lurdes Assunção, há regras que têm de ser cumpridas, e algumas pessoas “demonstram dificuldades em acatar”. “No antigo hospital havia muita confusão, e rebaldaria, sobre quem podia estar em determinado espaço ou não. Mas no novo hospital as regras são mais apertadas, e temos de acatar ordens superiores quanto a essa matéria”. Por outro lado, é explicado aos voluntários que “não usufruem de benesses”, o que em parte pode explicar o decréscimo no número de voluntários. “Dizem que tenho mau feitio, mas tem de haver regras”, alude.
A relação com a administração “é excelente”. Este grupo recebe um apoio mensal de 800 euros para colmatar o facto de neste hospital já não poderem explorar uma pequena cafetaria como acontecia no antigo. Essas verbas bem como outras que angariam através de vendas de doces na Feira de Outubro, quotizações, e cabazes de natal são reinvestidas na aquisição de bens alimentares para os doentes com carências económicas quando recebem alta, ou na compra de material ortopédico. Recentemente foram dadas por estas voluntárias umas botas ortopédicas a uma menina da Guiné que custaram 200 euros.
O drama dos doentes abandonados nos hospitais é uma realidade um pouco escondida mas que começa a ser falada. Lurdes Assunção e a sua colega referem que também na unidade de Vila Franca isso acontece sobretudo com idosos. “No inverno abrem uma ala especial para essas pessoas cujos familiares não os vêm buscar, ficando a aguardar pela intervenção da Segurança Social”. Quando se vão embora “choram mas outros estão demasiado debilitados para isso”. Lurdes Assunção recorda que durante os sete anos em que fez voluntariado no Hospital de São José era sintomática a chegada de idosos às urgências à sexta, principalmente no verão, acompanhados dos familiares. “Passadas poucas horas iam-se embora, deixavam um número de telefone. Durante o fim-de-semana ninguém atendia, ou seja era falso. Esses familiares só regressavam na segunda-feira. Sinal de que queriam estar à vontade sem incómodos.”
Os sorrisos das crianças de África deram-lhe a certeza do voluntariado
Vera Guerreiro é uma jovem que há muito se dedicou a esta causa, e a sua experiência ultrapassou as fronteiras do país e chegou até África no âmbito de iniciativas da Assistência Médica Internacional (AMI) e da Associação de Direitos Humanos. Hoje com 35 anos, lembra que tudo começou aos 26.
Nessa altura e através da AMI foi até ao Senegal com outros voluntários onde se estabeleceu numa aldeia, em que tinha por missão ajudar a construir um centro de costura para as mulheres dessa povoação, com o objetivo de permitir às senegalesas a venda dos seus serviços de costura para ajudar no sustento da família, sem terem de se deslocar para a cidade. Para Vera Guerreiro, a experiência naquele país africano, “serviu de ponto de partida” para o seu envolvimento no voluntariado e na solidariedade. O toque de África como lhe chama e a perceção da pureza das pessoas, deixou-lhe marcas. Ia com as expetativas muito altas, “e mesmo assim foram superadas”. No fundo resultou como a confirmação de que “tinha de continuar a fazer algo no ramo da solidariedade”.
Desta primeira passagem pelo continente africano diz que ficou com histórias mais felizes e outras mais tristes na memória. “Lembro-me de uma história de uma mãe que ia ter bebé e havia uma grande expetativa entre os voluntários, mas infelizmente o bebé acabou por não sobreviver ao parto. Ficámos muito tristes porque se gerou uma grande ansiedade, porque já pensávamos em nomes e padrinhos, mas a vida é assim”. Mas também houve casos como o do Facari, um menino mais expedito que queria vir-se embora connosco e escondeu-se no autocarro à espera de seguir viagem com os voluntários, “mas infelizmente não o pudemos trazer”. O Senegal era mais pobre do que imaginava, mas não voltou lá. Depois passou pelo Quénia, “onde a pobreza é ainda mais acentuada” numa experiência semelhante à que viveu no Senegal.
Vera Guerreiro, que reside no Cartaxo, abraçou em 2012 uma causa que também se relacionava com o envio de bens para São Tomé e Príncipe, através da realização de jantares temáticos na sua casa, organizados em conjunto com uma amiga, em que cada um pagava o preço que entendesse. A partir daí foi possível adquirir material escolar, roupa, e brinquedos, entregues no final desse ano. A experiência resultou, e Vera Guerreiro e um grupo de amigos fundou a CLR Projects, a par com a CLR África. Isto porque “também percebemos que era um grande erro se apenas nos limitássemos a ajudar os outros, e não procurássemos ajudar os portugueses”.
Vera Guerreiro é uma jovem que há muito se dedicou a esta causa, e a sua experiência ultrapassou as fronteiras do país e chegou até África no âmbito de iniciativas da Assistência Médica Internacional (AMI) e da Associação de Direitos Humanos. Hoje com 35 anos, lembra que tudo começou aos 26.
Nessa altura e através da AMI foi até ao Senegal com outros voluntários onde se estabeleceu numa aldeia, em que tinha por missão ajudar a construir um centro de costura para as mulheres dessa povoação, com o objetivo de permitir às senegalesas a venda dos seus serviços de costura para ajudar no sustento da família, sem terem de se deslocar para a cidade. Para Vera Guerreiro, a experiência naquele país africano, “serviu de ponto de partida” para o seu envolvimento no voluntariado e na solidariedade. O toque de África como lhe chama e a perceção da pureza das pessoas, deixou-lhe marcas. Ia com as expetativas muito altas, “e mesmo assim foram superadas”. No fundo resultou como a confirmação de que “tinha de continuar a fazer algo no ramo da solidariedade”.
Desta primeira passagem pelo continente africano diz que ficou com histórias mais felizes e outras mais tristes na memória. “Lembro-me de uma história de uma mãe que ia ter bebé e havia uma grande expetativa entre os voluntários, mas infelizmente o bebé acabou por não sobreviver ao parto. Ficámos muito tristes porque se gerou uma grande ansiedade, porque já pensávamos em nomes e padrinhos, mas a vida é assim”. Mas também houve casos como o do Facari, um menino mais expedito que queria vir-se embora connosco e escondeu-se no autocarro à espera de seguir viagem com os voluntários, “mas infelizmente não o pudemos trazer”. O Senegal era mais pobre do que imaginava, mas não voltou lá. Depois passou pelo Quénia, “onde a pobreza é ainda mais acentuada” numa experiência semelhante à que viveu no Senegal.
Vera Guerreiro, que reside no Cartaxo, abraçou em 2012 uma causa que também se relacionava com o envio de bens para São Tomé e Príncipe, através da realização de jantares temáticos na sua casa, organizados em conjunto com uma amiga, em que cada um pagava o preço que entendesse. A partir daí foi possível adquirir material escolar, roupa, e brinquedos, entregues no final desse ano. A experiência resultou, e Vera Guerreiro e um grupo de amigos fundou a CLR Projects, a par com a CLR África. Isto porque “também percebemos que era um grande erro se apenas nos limitássemos a ajudar os outros, e não procurássemos ajudar os portugueses”.
A partir do Cartaxo, o projeto estendeu-se a outras partes do país, onde uma rede de voluntários tenta ajudar os mais desfavorecidos. A CLR Projects existe como associação há seis anos, e como organização não-governamental (ONG) há três. A associação colabora com os centros de acolhimento temporários de crianças, distribuídos de norte a sul do país, incluindo ilhas, a nível de higiene, alimentação, obras.
Acompanha ainda uma bolsa de famílias em SOS mensalmente, garantindo que “não falta comida nem higiene”. A CLR Projects pretende também fornecer orientação em termos monetários e de procura de trabalho a essas pessoas com o intuito de que “possam seguir o seu caminho”. Organizar a partir do Cartaxo toda uma logística não é fácil até porque vive do trabalho dos voluntários que “estão de alma e coração no projeto”. “Também tentámos não dar o passo maior do que a perna, tendo em conta que nesta altura gostávamos de estar a ajudar Moçambique, mas seria necessário termos uma equipa maior, pode ser que seja possível um dia”.
Para esta voluntária, a solidariedade deve ser um princípio a ser incutido desde cedo nas crianças, “porque hoje são outros, amanhã podemos ser nós, ou os nossos familiares.”
Acompanha ainda uma bolsa de famílias em SOS mensalmente, garantindo que “não falta comida nem higiene”. A CLR Projects pretende também fornecer orientação em termos monetários e de procura de trabalho a essas pessoas com o intuito de que “possam seguir o seu caminho”. Organizar a partir do Cartaxo toda uma logística não é fácil até porque vive do trabalho dos voluntários que “estão de alma e coração no projeto”. “Também tentámos não dar o passo maior do que a perna, tendo em conta que nesta altura gostávamos de estar a ajudar Moçambique, mas seria necessário termos uma equipa maior, pode ser que seja possível um dia”.
Para esta voluntária, a solidariedade deve ser um princípio a ser incutido desde cedo nas crianças, “porque hoje são outros, amanhã podemos ser nós, ou os nossos familiares.”
O bichinho do voluntariado e das tampinhas
Alice de Jesus, 55 anos, esperou pelo tempo da pré-reforma para se dedicar a uma causa de solidariedade, mas conta que era um sonho antigo seu. Por falta de tempo foi adiando, mas uma vez com mais disponibilidade não hesitou e inscreveu-se no Banco Local de Voluntariado da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos. Uma vez por semana podemos encontrar esta voluntária na Loja Social do município, mas a sua grande paixão tem a ver com a Tampinha Solidária. Trata-se de um projeto que evoluiu para IPSS, e do qual fala com o coração ao pé da boca. Ajudar crianças e jovens com necessidades especiais através da recolha de tampinhas de plástico com vista à aquisição de material ortopédico e ajudas técnicas é algo que tem preenchido e envolvido os seus dias.
Há dois anos que integra o banco local de voluntariado, e as expetativas “em parte foram cumpridas, porque há sempre coisas que não são bem aquilo que esperávamos”, refere, ilustrando com os casos de pessoas que não primam por serem bem-agradecidas. “Mas faz parte da vida”. Quando trabalhava numa instituição bancária em Lisboa já era conhecida como a colega que colecionava tampinhas para as campanhas existentes no país, por isso o projeto “Tampinha Solidária” assenta-lhe que nem uma luva.
A “Tampinha Solidária” é uma instituição sedeada no concelho, e que a partir de Salvaterra abraçou o resto do país, contando com uma logística bem oleada de recolha de tampinhas em diversos pontos, e ajudando crianças e jovens também oriundos de várias localidades de Portugal. No concelho, Alice de Jesus que reside em Salvaterra conta também com diversos pontos de entrega de tampinhas. O passa-palavra neste aspeto é muito importante, “até porque muitos não conhecem a tampinha”.
A instituição tem como parceira a Ecolezíria em que existe um acordo baseado na entrega de cerca de quatro toneladas por mês “para se assegurar que o valor também corresponda aos objetivos da tampinha”. A “Tampinha Solidária” apenas se compromete com material no âmbito das denominadas ajudas técnicas como cadeiras de rodas, andarilhos, entre outros, não estando habilitada a doar valores monetários. Sempre que alguém deseje ter a ajuda da tampinha fica desde logo a saber o número de toneladas que é preciso, e a partir daí pode arrancar com uma campanha para o efeito, sempre com a ajuda da IPSS. Quando uma campanha consegue angariar mais do que o necessário para determinada ajuda técnica pode doar a outrem, que necessite, o remanescente.
A palavra Solidariedade muitas vezes comprometida também conhece alguns exemplos notáveis, e na Tampinha Solidária há vários. “Tivemos o caso de uma transportadora (que também é solidária) que se ofereceu para emprestar um camião para ir carregar tampinhas para ajudar uma criança do Seixal”. Desde que está na “Tampinha Solidária” que entre 20 a 30 crianças foram ajudadas.
Muitos casos a sensibilizaram, nomeadamente, o de uma menina de sete anos cujos pais já divorciados, e “com imensas dificuldades” tinham ao mesmo tempo “uma vontade muito grande” de conseguir apoio para essa criança. “Necessitava de cadeirinha, de um aparelho para lhe endireitar as costas, e essa mãe que era muito empenhada, tinha imensas dificuldades, apenas trabalhava em part-time, e havia mais filhos para sustentar”. Além disso possuía “todo o tipo de limitações a nível de deslocações para vir trazer as tampinhas. Nós é que as íamos buscar. Sensibilizou-me imenso. Demorou muito tempo a arranjar as tampinhas, mas conseguimos”.
Depois de asseguradas as toneladas suficientes para se conseguir trocar as tampinhas pelos valores correspondentes às ajudas técnicas, o trabalho não é fácil. Não basta apenas enviar. Antes há toda uma tarefa exaustiva de separação, pois nem tudo pode ser destinado à reciclagem.
A “Tampinha Solidária” encaminha plástico, cortiça, ferro, papel, e papelão, e neste aspeto “uma peça de metal não pode ir junto com as tampinhas”. Quando o camião é descarregado na fábrica passa por um detetor de metais, e se porventura dentro de algum saco vai uma peça de metal com as tampas, é imediatamente rejeitado. A instituição recebe também papel usado. Uma carrinha da “Tampinha Solidária” anda na recolha das tampinhas e outros materiais, e com circuitos previamente estudados. A ajuda é dada independentemente da condição financeira dos pais.
Nos caminhos da solidariedade também há alguns espinhos – “Temos pessoas que vêm até nós, entendem a colaboração, colaboram e usufruem mas nem tudo é cor-de-rosa, porque também há quem não seja de uma confiança extrema, e há quem se aproxime da tampinha para fazer negócio. Deu-se o caso de um pai que queria vender uma tonelada remanescente e ficar com 800 euros, mas o estatuto da empresa impede doações em dinheiro, apenas em géneros”, como “consultas, fraldas, medicamentos”. Não se tratando apenas de material ortopédico. Inevitavelmente “há quem ache sempre que a tampinha também lucra com a solidariedade, mas não nos deixamos desmoralizar. No meu caso apaixonei-me pela tampinha”.
No âmbito da Loja Solidária, a experiência de Alice de Jesus também tem tido o seu lado profícuo. O concelho tem revelado muitos casos sociais e a loja acaba por ser uma ajuda importante para muitas famílias desempregadas. De algo, a voluntária tem a certeza – “A linha entre uma vida estável e confortável financeiramente e a pobreza; e não ter o que dar de comer aos filhos, é mesmo muito ténue”. Na loja social conseguiu presenciar casos de quem há pouco tempo dificilmente se imaginaria nesta posição. Também aqui há quem seja mais e menos bem-agradecido, mas cita em especial o caso de um senhor que teve necessidade de recorrer à loja porque ainda não tinha começado a receber a sua reforma, e depois de estabilizar novamente a sua vida, tornou-se voluntário na loja. Esta é uma “bela lição de vida”, na sua opinião. Quanto a si vai continuando a colaborar enquanto puder nestes dois projetos, até porque o bichinho do voluntariado veio para ficar.
Alice de Jesus, 55 anos, esperou pelo tempo da pré-reforma para se dedicar a uma causa de solidariedade, mas conta que era um sonho antigo seu. Por falta de tempo foi adiando, mas uma vez com mais disponibilidade não hesitou e inscreveu-se no Banco Local de Voluntariado da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos. Uma vez por semana podemos encontrar esta voluntária na Loja Social do município, mas a sua grande paixão tem a ver com a Tampinha Solidária. Trata-se de um projeto que evoluiu para IPSS, e do qual fala com o coração ao pé da boca. Ajudar crianças e jovens com necessidades especiais através da recolha de tampinhas de plástico com vista à aquisição de material ortopédico e ajudas técnicas é algo que tem preenchido e envolvido os seus dias.
Há dois anos que integra o banco local de voluntariado, e as expetativas “em parte foram cumpridas, porque há sempre coisas que não são bem aquilo que esperávamos”, refere, ilustrando com os casos de pessoas que não primam por serem bem-agradecidas. “Mas faz parte da vida”. Quando trabalhava numa instituição bancária em Lisboa já era conhecida como a colega que colecionava tampinhas para as campanhas existentes no país, por isso o projeto “Tampinha Solidária” assenta-lhe que nem uma luva.
A “Tampinha Solidária” é uma instituição sedeada no concelho, e que a partir de Salvaterra abraçou o resto do país, contando com uma logística bem oleada de recolha de tampinhas em diversos pontos, e ajudando crianças e jovens também oriundos de várias localidades de Portugal. No concelho, Alice de Jesus que reside em Salvaterra conta também com diversos pontos de entrega de tampinhas. O passa-palavra neste aspeto é muito importante, “até porque muitos não conhecem a tampinha”.
A instituição tem como parceira a Ecolezíria em que existe um acordo baseado na entrega de cerca de quatro toneladas por mês “para se assegurar que o valor também corresponda aos objetivos da tampinha”. A “Tampinha Solidária” apenas se compromete com material no âmbito das denominadas ajudas técnicas como cadeiras de rodas, andarilhos, entre outros, não estando habilitada a doar valores monetários. Sempre que alguém deseje ter a ajuda da tampinha fica desde logo a saber o número de toneladas que é preciso, e a partir daí pode arrancar com uma campanha para o efeito, sempre com a ajuda da IPSS. Quando uma campanha consegue angariar mais do que o necessário para determinada ajuda técnica pode doar a outrem, que necessite, o remanescente.
A palavra Solidariedade muitas vezes comprometida também conhece alguns exemplos notáveis, e na Tampinha Solidária há vários. “Tivemos o caso de uma transportadora (que também é solidária) que se ofereceu para emprestar um camião para ir carregar tampinhas para ajudar uma criança do Seixal”. Desde que está na “Tampinha Solidária” que entre 20 a 30 crianças foram ajudadas.
Muitos casos a sensibilizaram, nomeadamente, o de uma menina de sete anos cujos pais já divorciados, e “com imensas dificuldades” tinham ao mesmo tempo “uma vontade muito grande” de conseguir apoio para essa criança. “Necessitava de cadeirinha, de um aparelho para lhe endireitar as costas, e essa mãe que era muito empenhada, tinha imensas dificuldades, apenas trabalhava em part-time, e havia mais filhos para sustentar”. Além disso possuía “todo o tipo de limitações a nível de deslocações para vir trazer as tampinhas. Nós é que as íamos buscar. Sensibilizou-me imenso. Demorou muito tempo a arranjar as tampinhas, mas conseguimos”.
Depois de asseguradas as toneladas suficientes para se conseguir trocar as tampinhas pelos valores correspondentes às ajudas técnicas, o trabalho não é fácil. Não basta apenas enviar. Antes há toda uma tarefa exaustiva de separação, pois nem tudo pode ser destinado à reciclagem.
A “Tampinha Solidária” encaminha plástico, cortiça, ferro, papel, e papelão, e neste aspeto “uma peça de metal não pode ir junto com as tampinhas”. Quando o camião é descarregado na fábrica passa por um detetor de metais, e se porventura dentro de algum saco vai uma peça de metal com as tampas, é imediatamente rejeitado. A instituição recebe também papel usado. Uma carrinha da “Tampinha Solidária” anda na recolha das tampinhas e outros materiais, e com circuitos previamente estudados. A ajuda é dada independentemente da condição financeira dos pais.
Nos caminhos da solidariedade também há alguns espinhos – “Temos pessoas que vêm até nós, entendem a colaboração, colaboram e usufruem mas nem tudo é cor-de-rosa, porque também há quem não seja de uma confiança extrema, e há quem se aproxime da tampinha para fazer negócio. Deu-se o caso de um pai que queria vender uma tonelada remanescente e ficar com 800 euros, mas o estatuto da empresa impede doações em dinheiro, apenas em géneros”, como “consultas, fraldas, medicamentos”. Não se tratando apenas de material ortopédico. Inevitavelmente “há quem ache sempre que a tampinha também lucra com a solidariedade, mas não nos deixamos desmoralizar. No meu caso apaixonei-me pela tampinha”.
No âmbito da Loja Solidária, a experiência de Alice de Jesus também tem tido o seu lado profícuo. O concelho tem revelado muitos casos sociais e a loja acaba por ser uma ajuda importante para muitas famílias desempregadas. De algo, a voluntária tem a certeza – “A linha entre uma vida estável e confortável financeiramente e a pobreza; e não ter o que dar de comer aos filhos, é mesmo muito ténue”. Na loja social conseguiu presenciar casos de quem há pouco tempo dificilmente se imaginaria nesta posição. Também aqui há quem seja mais e menos bem-agradecido, mas cita em especial o caso de um senhor que teve necessidade de recorrer à loja porque ainda não tinha começado a receber a sua reforma, e depois de estabilizar novamente a sua vida, tornou-se voluntário na loja. Esta é uma “bela lição de vida”, na sua opinião. Quanto a si vai continuando a colaborar enquanto puder nestes dois projetos, até porque o bichinho do voluntariado veio para ficar.
Piedade Salvador: A Senhora das Causas
Quando se fala em solidariedade o nome de Piedade Salvador é incontornável na região. Desde sempre associada a algumas iniciativas que tiveram lugar ao longo dos anos, ainda está na memória de muitos os concertos, e toda a uma série de meios de angariação de fundos que a poetisa de Samora Correia empreendeu para ajudar, por exemplo, a jovem Vânia Correia que ficou tetraplégica depois de um acidente de trabalho. Mas muitos outros foram ajudados por esta senhora das causas, sempre com o apoio inexcedível das várias rádios da região que a foram ajudando nas suas diversas empreitadas.
Hoje, com 67 anos admite que é “uma chorona por natureza”, e tudo começou há 20 anos atrás, quando tentou ajudar um rapaz de Samora Correia “que andava desenganado pelos médicos”. Tinha leucemia e conseguiu sobreviver. Mas até conseguir sair do hospital, recebia as visitas da mãe que não podiam ser feitas com a regularidade desejada, “e aquele moço que adorava trabalhar, apenas queria ter a mãe a seu lado”. “Decidi pôr as rádios a trabalhar para me ajudarem, através das emissoras Iris Fm, Voz de Alenquer, Marinhais, Ribatejo, e a Ateneu. Conseguiu-se angariar a verba necessária para a mãe ir vê-lo todos os dias”. Piedade Salvador nesta altura já recitava poesia aos microfones das rádios da região. A onda de solidariedade para com o jovem “foi enorme”. Para além das verbas terem dado para as deslocações da mãe ao hospital, ainda se conseguiu “comprar uma televisão para quando regressasse a casa”, bem como “mais mil contos (ainda no tempo do escudo) para depósito numa conta para ele”.
Esta campanha que envolveu espetáculos em vários locais “rendeu uns bons dinheirinhos, sobretudo o que foi realizado no Ateneu de Vila Franca, e quando já havia três ladrões à nossa espera para nos roubarem as verbas angariadas”, recorda-se. Valeu a ajuda da polícia “que os conseguiu dispersar”. De regresso a Samora, vinha com o coração nas mãos. Seguia no mesmo carro com familiares do vizinho doente, até porque nestas coisas “não quero ficar com a responsabilidade total do dinheiro, e levo sempre comigo as pessoas mais próximas de quem estamos a beneficiar com os diversos espetáculos”. Apenas quando “deixei esses familiares à porta de casa é que respirei de alívio, até lá vinha assustadíssima com o episódio dos ladrões. Valeu a intervenção das forças de segurança”; continua a recordar.
Seguiu-se a campanha de solidariedade para com o caso de Vânia Correia que ficou tetraplégica, em 2003, na sequência de um acidente de trabalho. Nos anos seguintes Cuba ganhava fama como a nova meca da medicina e da fisioterapia, e Piedade Salvador voltou a arregaçar as mangas. Os diversos espetáculos que organizou deram para pagar alguns tratamentos e deslocações. A campanha revestiu-se de cartazes por todo o lado, e de donativos particulares. “Lembro-me de um presidente de junta ter contribuído a título pessoal, e de um senhor que de uma só vez ofereceu 500 euros”. A conta ao número de espetáculos perdeu-se tal a intensidade que o caso atingiu por se tratar de uma jovem com 20 e poucos anos. Os artistas sempre atuaram gratuitamente, e a eles Piedade Salvador confessa que lhes deve muito. A ainda pouco conhecida, na altura, Ana Moura veio a Samora Correia cantar para a causa de Vânia Correia. Piedade Salvador não se lembra do total da verba angariada, mas em entrevista ao nosso jornal, em 2015, a própria Vânia Correia referiu-nos que rondou os 25 mil euros. A jovem melhorou o seu estado de saúde. Hoje consegue andar, embora de forma muito condicionada, com recurso a ortóteses e a um andarilho, sendo que normalmente prefere a cadeira de rodas. “Sempre enfrentou a vida com uma coragem extraordinária que dá para dar e vender às outras pessoas”, constata Piedade Salvador, acrescentando que ainda tem contacto frequente com Vânia Correia.
Depois seguiu-se o apoio a Manuel Falua, maqueiro no Hospital de Vila Franca, também de Samora Correia, que ficou, entretanto, sem as duas pernas por complicações a nível do seu estado de saúde. Precisava na altura de uma plataforma elevatória para conseguir vencer os degraus de acesso à sua casa. Fizeram-se espetáculos também, mas sem se adquirir a plataforma, porque entretanto deu-se a perda do outro membro inferior. Em Coruche, o nome de Piedade Salvador está ligado a outra campanha, desta vez para ajudar uma amiga com uma filha com trissomia 21 que abriu uma escola para crianças com necessidades especiais daquele tipo, e como as professoras estavam em risco de ficar sem o ordenado, conseguiu-se “através de alguns concertos encontrar-se a verba necessária”.
Nos últimos tempos está entregue à campanha que visa angariar fundos para as obras de beneficência da Igreja Matriz de Samora Correia. O restauro do interior está orçado em 1 milhão 200 mil euros, implicando a recuperação da talha dourada e da azulejaria. "Temos de fazer muitos eventos, almoços, e espetáculos, para se conseguir alcançar os 80 mil euros apenas da parte da comissão”. Será “muito difícil mas temos de conseguir”. A restante verba é assegurada pelo município de Benavente e pelos fundos da União Europeia.
“O mundo está muito desumano, e o que me toca vou escrevendo, para libertar um pouco o que sinto, e por isso sinto que tenho o dever de ajudar sempre que me pedem”, ilustra desta forma o seu desígnio de vida em torno da solidariedade.
Quando se fala em solidariedade o nome de Piedade Salvador é incontornável na região. Desde sempre associada a algumas iniciativas que tiveram lugar ao longo dos anos, ainda está na memória de muitos os concertos, e toda a uma série de meios de angariação de fundos que a poetisa de Samora Correia empreendeu para ajudar, por exemplo, a jovem Vânia Correia que ficou tetraplégica depois de um acidente de trabalho. Mas muitos outros foram ajudados por esta senhora das causas, sempre com o apoio inexcedível das várias rádios da região que a foram ajudando nas suas diversas empreitadas.
Hoje, com 67 anos admite que é “uma chorona por natureza”, e tudo começou há 20 anos atrás, quando tentou ajudar um rapaz de Samora Correia “que andava desenganado pelos médicos”. Tinha leucemia e conseguiu sobreviver. Mas até conseguir sair do hospital, recebia as visitas da mãe que não podiam ser feitas com a regularidade desejada, “e aquele moço que adorava trabalhar, apenas queria ter a mãe a seu lado”. “Decidi pôr as rádios a trabalhar para me ajudarem, através das emissoras Iris Fm, Voz de Alenquer, Marinhais, Ribatejo, e a Ateneu. Conseguiu-se angariar a verba necessária para a mãe ir vê-lo todos os dias”. Piedade Salvador nesta altura já recitava poesia aos microfones das rádios da região. A onda de solidariedade para com o jovem “foi enorme”. Para além das verbas terem dado para as deslocações da mãe ao hospital, ainda se conseguiu “comprar uma televisão para quando regressasse a casa”, bem como “mais mil contos (ainda no tempo do escudo) para depósito numa conta para ele”.
Esta campanha que envolveu espetáculos em vários locais “rendeu uns bons dinheirinhos, sobretudo o que foi realizado no Ateneu de Vila Franca, e quando já havia três ladrões à nossa espera para nos roubarem as verbas angariadas”, recorda-se. Valeu a ajuda da polícia “que os conseguiu dispersar”. De regresso a Samora, vinha com o coração nas mãos. Seguia no mesmo carro com familiares do vizinho doente, até porque nestas coisas “não quero ficar com a responsabilidade total do dinheiro, e levo sempre comigo as pessoas mais próximas de quem estamos a beneficiar com os diversos espetáculos”. Apenas quando “deixei esses familiares à porta de casa é que respirei de alívio, até lá vinha assustadíssima com o episódio dos ladrões. Valeu a intervenção das forças de segurança”; continua a recordar.
Seguiu-se a campanha de solidariedade para com o caso de Vânia Correia que ficou tetraplégica, em 2003, na sequência de um acidente de trabalho. Nos anos seguintes Cuba ganhava fama como a nova meca da medicina e da fisioterapia, e Piedade Salvador voltou a arregaçar as mangas. Os diversos espetáculos que organizou deram para pagar alguns tratamentos e deslocações. A campanha revestiu-se de cartazes por todo o lado, e de donativos particulares. “Lembro-me de um presidente de junta ter contribuído a título pessoal, e de um senhor que de uma só vez ofereceu 500 euros”. A conta ao número de espetáculos perdeu-se tal a intensidade que o caso atingiu por se tratar de uma jovem com 20 e poucos anos. Os artistas sempre atuaram gratuitamente, e a eles Piedade Salvador confessa que lhes deve muito. A ainda pouco conhecida, na altura, Ana Moura veio a Samora Correia cantar para a causa de Vânia Correia. Piedade Salvador não se lembra do total da verba angariada, mas em entrevista ao nosso jornal, em 2015, a própria Vânia Correia referiu-nos que rondou os 25 mil euros. A jovem melhorou o seu estado de saúde. Hoje consegue andar, embora de forma muito condicionada, com recurso a ortóteses e a um andarilho, sendo que normalmente prefere a cadeira de rodas. “Sempre enfrentou a vida com uma coragem extraordinária que dá para dar e vender às outras pessoas”, constata Piedade Salvador, acrescentando que ainda tem contacto frequente com Vânia Correia.
Depois seguiu-se o apoio a Manuel Falua, maqueiro no Hospital de Vila Franca, também de Samora Correia, que ficou, entretanto, sem as duas pernas por complicações a nível do seu estado de saúde. Precisava na altura de uma plataforma elevatória para conseguir vencer os degraus de acesso à sua casa. Fizeram-se espetáculos também, mas sem se adquirir a plataforma, porque entretanto deu-se a perda do outro membro inferior. Em Coruche, o nome de Piedade Salvador está ligado a outra campanha, desta vez para ajudar uma amiga com uma filha com trissomia 21 que abriu uma escola para crianças com necessidades especiais daquele tipo, e como as professoras estavam em risco de ficar sem o ordenado, conseguiu-se “através de alguns concertos encontrar-se a verba necessária”.
Nos últimos tempos está entregue à campanha que visa angariar fundos para as obras de beneficência da Igreja Matriz de Samora Correia. O restauro do interior está orçado em 1 milhão 200 mil euros, implicando a recuperação da talha dourada e da azulejaria. "Temos de fazer muitos eventos, almoços, e espetáculos, para se conseguir alcançar os 80 mil euros apenas da parte da comissão”. Será “muito difícil mas temos de conseguir”. A restante verba é assegurada pelo município de Benavente e pelos fundos da União Europeia.
“O mundo está muito desumano, e o que me toca vou escrevendo, para libertar um pouco o que sinto, e por isso sinto que tenho o dever de ajudar sempre que me pedem”, ilustra desta forma o seu desígnio de vida em torno da solidariedade.
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