Ora hoje o Valor Local toca um tema que me diz muito. Aliás, toda a minha vida profissional, quer na Câmara Municipal de Lisboa, quer como Consultor de empresas, foi feita na área do ambiente. Primeiro, nos anos setenta, num conceito mais restrito de ambiente que dizia respeito às águas, águas residuais e resíduos sólidos (vulgo lixo), depois com um âmbito que se foi alargando e expandindo também os meus horizontes, quando as questões ambientais começaram gradualmente a ter uma importância fundamental na qualidade de vida das pessoas e os critérios ambientais se equipararam, em peso, aos critérios técnicos e financeiros na avaliação de qualquer projecto ou iniciativa.
Poder-se-á perguntar: porquê, um economista a tratar de questões relacionadas com lixos, limpezas urbanas, espaços verdes, equilíbrio ambiental urbano. Bem, calhou assim. Eu podia ter acabado o meu curso e ter concorrido para um Banco ou uma empresa qualquer, mas o primeiro concurso que se me deparou foi aquele para técnico da Câmara Municipal de Lisboa…
Vai daí, quando me apresentei ao serviço, depois de ter ficado em segundo lugar no concurso, salvo erro, espetaram comigo na Estação de Tratamento de Lixos de Lisboa, como “Administrador “ por parte da Câmara. Era eu, nos meus vinte e quatro anos, fresquinho e ingénuo, mais um do Ministério da Agricultura e outro do Trabalho. Em plena época revolucionária Gonçalvista. Provei de tudo : ameaças, greves, protestos, plenários aos fins de semana, chegámos a ficar reféns vinte e quatro horas dos trabalhadores, até as entidades oficiais garantirem os salários do mês.
Mas de tudo, o que recordo com maior intensidade, foi aquele cheiro a podridão que me entrou pelas narinas e encheu os pulmões, o couro da pasta, os cabelos e o fatinho com que me apresentei em Beirolas – a Estação era precisamente onde hoje é o Meo Arena, numa imensidão de lodos, canaviais e montanhas de lixo a apodrecer e a deitar para o ar um cheiro pestilento que era um misto de ovos podres e azeite rançoso. Depois saí de lá e fui subindo na hierarquia Municipal até o Engenheiro Nuno Abecasis me nomear Director Municipal (foi ele, não foi ninguém do P.S….) e passei a responder perante a Câmara por aquilo tudo e muitas mais coisas.
Uma das preocupações que sempre tive foi a de tomar contacto e conhecimento com a prática das grandes cidades europeias nesta área – por isso viajei muito e diga-se em abono da verdade que a Câmara de Lisboa nunca levantou obstáculos a esta minha ânsia de conhecimento. Tive a oportunidade de ver como é que o Poder Local se organizava para desenvolver todo um conjunto de operações complexas que tinham que ver com a necessidade de uma grande metrópole se livrar quotidianamente, deixando o menor rasto possível, dos despojos do dia a dia dos seus cidadãos.
Concluí que as operações eram sensivelmente as mesmas, com meios mais ou menos requintados conforme o desafogo financeiro do País ou do Município em questão. Mas aprendi duas coisas fundamentais, que têm que ver também com o conceito de cidadania que temos e com a nossa atitude perante o espaço comum – a rua, o jardim, o meio urbano.
Primeiro constatei a grande diferença entre a atitude dos cidadãos do norte e do sul da Europa. Enquanto que para os cidadãos do norte da Europa – Dinamarca, Finlândia, Alemanha – a rua é uma continuação da sua casa, para os cidadãos do sul a casa acaba à porta de entrada (ou de saída) e o espaço público é responsabilidade Deles (deles, do Poder Local, do Governo, seja de quem for, menos de cada um de nós). Por isso, naqueles países, a responsabilidade pela manutenção da limpeza da rua (não estou a falar da remoção de lixos) é de quem mora nela. Os condomínios de cada lado da rua eram obrigados a manter limpa a faixa de espaço frente ao seu prédio ou moradia até ao eixo da via. Nós, povos do Sul, não : se fôr possível, atiramos pela janela de casa ou do carro tudo o que nos vem à mão. A rua é com Eles, nós não temos nada com isso, ora essa, para que servem os nossos impostos?
A segunda coisa que aprendi é que não havia forma de mudar esta atitude no espaço duma geração. Tem que se começar muito antes, na escola, a ensinar e promover uma atitude face ao ambiente urbano que conduza a uma mudança de atitude. Todos os países ditos “civilizados” tinham a então chamada Educação Sanitária ou Ambiental nas escolas ou instituições vocacionadas para o efeito.
Foi por isso, e com muito orgulho o posso afirmar, que a Câmara Municipal de Lisboa foi pioneira na criação duma série de programas de Educação Ambiental e intervenção nas escolas e na Sociedade em geral que, mais tarde, se estenderam a todo o País e à generalidade dos Municípios.
É que no fundo, a questão da limpeza urbana reduz-se a uma questão muito simples. Não há qualquer hipótese de um Município ter atrás de cada cidadão um trabalhador de vassoura e pá na mão. O segredo é não sujar. E para isso, temos que ter para com o espaço público a mesma atitude que temos para com o nosso pátio ou quintal – é nosso, é para preservar, não é para estragar!
Comentários
gostei do que li, gostava que este e outros testemunhos fossem contados de viva voz às nossas crianças e jovens nas escolas, pois sei que os exemplos das famílias face a este tema não é positivo, não educa para a cidadania. por muito que falemos em contexto de sala de aula a mensagem não passa.
Elisabete (Bé) Tristão Azambuja 01/12/2016 19:15
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