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Opinião Joaquim Ramos: "Covid 19 - Um mundo novo?""Pode ser que o aparecimento deste coronavírus, para além de provir dum morcego, dum pangolim ou dum laboratório chinês, seja um aviso desse ser superior, a Natureza, de que as coisas têm que mudar."
07-07-2020 às 17:54
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1. Eu, que sou uma pessoa na generalidade otimista, acredito que um dia destes nos vamos livrar desta praga do Covid 19, que tem regido as nossas vidas desde Março. Bem lhe passei até agora ao lado, mas no dia 13 de Março estava em Madrid, em pandemia galopante, e safei-me à tangente num dos últimos vôos. Não me safei foi aos catorze dias de quarentena…Sendo um otimista, encho-me com a ideia de que, com brevidade e em tempo útil, vai surgir um medicamento e depois uma vacina e leio avidamente tudo quanto é notícia de jornal, entrevista de televisão ou post científico do Facebook que fala nos progressos da Universidade de Oxford ou do laboratório mexicano que fez testes com resultados notáveis com um medicamento que já existe há uma data de anos. Chego até a convencer-me que um dia destes, por qualquer fenómeno de transformação genética o vírus se torne tão inofensivo como um vírus vulgar de gripe. E, na verdade, se a gente vir bem, o raio do corona tem uma particularidade curiosa: a grande maioria das pessoas que o apanha é assintomática ou apresenta sintomas tão ligeiros que quase nem dá por isso. Isto quer dizer que o número de portugueses infetados deve ser muito maior – mas várias vezes maior- do que aqueles que nos são apresentados pelas entidades oficiais e que que resultam de testes.
Os únicos números que podemos ter como reais são os internados e os mortos. Porque os infetados e os recuperados, na sua grande maioria, não constam dos números oficiais – tudo se passou sem que os próprios dessem por isso. Quer isto dizer que afinal o SARS Cov 2 – que raio de nome – até nem é tão perigoso assim. A sua taxa de letalidade é baixíssima. Descontando, claro, as chamadas pessoas de risco. Mas até se falou num Lar de Velhos (não tenho paciência para as hipocrisias de Lares de Terceira Idade…) em que todos os velhos infetados eram assintomáticos! O diabo é que o bicho se transmite com grande facilidade, exatamente por não ser especialmente agressivo: as grandes cadeias de transmissão são os que já estão infetados e não desenvolvem sintomas. Por isso não fico especialmente impressionado com o aumento do número de casos que aparentemente o progressivo desconfinamento trouxe. Já o esperava. Primeiro porque a generalidade das pessoas não aguenta um confinamento prolongado. Nós somos seres sociais por natureza própria, como todos os símios, e precisamos da presença, do toque e dos rituais a que estávamos habituados. Em segundo lugar porque a irreverência é apanágio dos jovens, cujo conceito de tribo está mais enraizado que nos mais velhos. Se a essa inquietação hormonal que é própria da juventude somarmos o facto de, mesmo pegando o vírus, o mais provável é não terem problema nenhum, estão explicadas e eram expectáveis estas reuniões de jovens que têm feito abertura de telejornais e a que até as mais altas instâncias da Nação se referem. Esquecem-se, esses jovens, é que podem criar cadeias de transmissão que vão atingir os mais vulneráveis. Mas isso também é próprio da juventude: agir sem medir as consequências do seu acto. Por isso não há autoridade, confinamento ou ameaça que os detenha: estes encontros de jovens são inevitáveis e fazem parte da natureza humana, com pandemia ou sem pandemia. Temos que contar com elas. O desconfinamento e a intensificação das relações sociais são irreversíveis, aconteça o que acontecer com a pandemia. Até porque não podemos morrer da cura para travar o mal e a economia tem que “desconfinar”. 2. No meio disto tudo – e para além, claro, das questões de saúde- há uma coisa que me preocupa: o pânico que se pode instalar entre as pessoas. E esse pânico não é só por apanharem ou não o vírus – é o pânico que pode vir a apoderar-se da generalidade das pessoas com as desastrosas consequências económicas e sociais da pandemia. Porque essas, sim, podem ser uma tragédia nacional e mundial se as medidas que cada um de nós, cada agente económico, cada instituição e cada governo, nacional ou supranacional, não forem tomadas no momento certo, em harmonia entre países e povos, com renuncia ao egoísmo natural de cada um e em nome da Humanidade. Porque por enquanto ainda há dinheiro para lay-off e para o enorme esforço financeiro que a segurança social está a fazer e irá ser chamada a intensificar. Mas esse dinheiro tem que vir de qualquer lado e já percebemos, dadas as previsões económicas, que de impostos internos não será. Terão que ser, a nível da Europa, os países mais ricos a socorrer os mais pobres – e ao mesmo tempo, a criarem mercados para os seus produtos. É fundamental o que se vai discutir na Europa nos próximos dias e é imprescindível chegar rapidamente a uma situação de consenso. Essa será a única forma de salvar a Europa. Temos que perceber que as coisas estão hoje de tal forma interligadas e globalizadas que nenhum país, por mais rico e excedentário que seja, pode safar-se sozinho. A senhora Merckell e a França já o perceberam. Tenho a esperança e quase a certeza que também os países “forretas” vão acabar por perceber. 3. Mas é imperativo, no meu ponto de vista – e essa pode ser a única, mas grande vantagem da pandemia- que surja uma nova ordem mundial. Não no aspeto de que a China vai liderar o mundo a par dos Estados Unidos, que isso é o que já acontece. Mas no sentido de que o mundo, tal como o conhecíamos, estava mergulhado numa inversão de valores insustentável. Os nossos níveis de consumo atingiram continuamente limites para os quais o planeta não tem capacidade de resposta. O fosso entre ricos e pobres era cada vez maior atingindo o insustentável. Os ricos cada vez mais ricos e o exército de pobres cada vez mais miseráveis. O mundo já não se dividia entre norte e sul, leste e ocidente, mas sim entre um conjunto de nações cada vez mais prósperas, com acesso e direitos a tudo e um conjunto gritante de países em que grassava a fome e a falta dos mais básicos meios de subsistência. Criámos guerras devastadoras, fundamentalismos religiosos, terrorismos destrutivos. Floresceram campos de refugiados, emigrações em massa, muitas vezes com o risco da própria vida. Todos os dias extinguimos espécies. A globalização e as redes sociais proporcionadas pela internet tornaram esse desfile de desigualdades e destruições patente aos olhos de todos. Arrasamos florestas e destruímos os nossos habitats e os de várias espécies. Caminhávamos rapidamente para a extinção da vida nos oceanos. Os nossos modelos de produção e de uso excessivo de energias poluentes ameaçavam sem retorno os equilíbrios ambientais, o nosso modo de vida baseava-se no abuso das potencialidades da terra. Para mim a ideia de Deus tem a ver com a natureza. Acho que há um ser com autonomia, vontade própria e capacidade de intervenção no qual tudo se integra, a Humanidade incluída . Chamemos-lhe Natureza, mas cada um pode chamar-lhe o que quiser: Deus, Allah, Jeová ou Buda. A verdade é que esse ser tem capacidade de autoregulação e já o revelou por diversas vezes. Já repararam que as grandes pestes que atingiram a Humanidade apareceram na sequência de grandes perturbações sociais? Pode ser que o aparecimento deste coronavirus, para além de provir dum morcego, dum pangolim ou dum laboratório chinês, seja um aviso desse ser superior, a Natureza, de que as coisas têm que mudar. Que temos que reconstruir um Mundo com valores diferentes dos que dominaram até agora as sociedades, modos de produção compatíveis com o planeta e as gerações futuras, solidariedade entre pessoas e entre nações, parcimónia na satisfação dos desejos e respeito pela Terra, que é o sítio onde todos vivemos e queremos continuar a viver. |
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